SONHO DE ANDRÉ

Na praia, a areia macia sob os pés, o sol impiedoso sobre a cabeça. Mas as sensações, o calor da estrela amarela, a aspereza dos trilhões de partículas de sedimentos, nada, não sentia, não podia. E a água? Olhou para o oceano. Aquela vastidão de água e o horizonte à frente. Correu, correu como louco, como que perseguido por uma presa faminta. Os pés batendo na água, a água em contato com seu corpo, cada vez mais fundo, batendo as mãos, batendo os pés, foi adentrando o mar até a água alcançar o pescoço e tudo que continuava sentindo era coisa nenhuma. Então teve a ideia inicialmente estranha, que rapidamente deixou de ser estranha, beber a água do mar, pois sendo que não sentiria o gosto, não a repeliria por ser salgada e insalubre e bebia água, não se saciando dela, nem sentindo sede.

Agora cansado, olhando pro sol escaldante que não lhe fustigava, para a água que não podia provar e não sentindo o vento bater, só pensava em morrer e foi assim que arrebatado por uma força invisível que lhe suspendera pela planta dos pés, foi parar nos céus, num voo estabanado e louco. Depois de apagar por um tempo, agora se achava em uma floresta escura e fechada, onde nem a mais fina camada de luz penetrava e o negrume enlouquecia.

Ai passou a ouvir vozes, incompreensíveis no começo. Era uma multidão de vozes no breu absoluto e todas falavam ao mesmo tempo enquanto ele tentava identificar algo que fizesse sentido. “Ele apareceu do nada.” -“Parece que ele se jogou, teve a intenção de se matar.”–“Ele era estranho, quieto, não falava com nínguem”. Conseguiu separar e organizar algumas frases e tentar montar o misterioso quebra-cabeças do que estava acontecendo. E foi então que as vozes cessaram e a floresta, que percebia ser floresta pelos sons dos sapos e os bichos noturnos e o contato do mato e das árvores, ficou ainda mais assustadora. Ele fechava-se dentro de si, cerrando os olhos e pedindo com força, fazendo uma oração, buscando sua fé. Quando lobos começaram a correr e a ganir e perscrutar a mata. Foi quando ele desejou ser invisível e assim em sua resoluta convicção acreditou não ser visto pelos lobos, que realmente passaram por ele sem o perceber. Por último teve uma visão do alto, como se numa nuvem estivesse assentado e lá do alto ele via uma pequena aglutinação de pessoas, monumentos de anjos e cruzes de pedra e mármore. Lápides e galerias. Seria o seu próprio enterro? Teve isso em mente e acordou assustado. Era sonho de vivo ou foi sonho de morto este?