O Livro 666
Niku Demus era um escritor de relativo sucesso. Não, ele não era um escritor de best-sellers, mas os direitos autorais dos livros que escreveu lhe garantiam o pão de cada dia e mais algumas extravagâncias. Niku escrevia sobre o gênero terror e tinha um público fiel e cativo. Já tinha escrito 665 livros em trinta anos, e agora, estava escrevendo o livro de número 666. Niku Demus estava muito doente (sofria de mal de Alzheimer, uma doença neurodegenerativa que causa perda de memória, desorientação espacial, dificuldade na fala e na escrita, alucinações e delírios) e flertava com a morte. Em seus momentos de lucidez, Niku escrevia e sentia que este seria seu último livro, por isso ele precisava ser o melhor, o best-seller que talvez ele não vivesse para ver.
Como o livro era o seiscentésimo sexagésimo sexto e o número 666 era o número da besta do Apocalipse, Niku decidiu que escreveria sobre Satã ou, mais popularmente, sobre o Diabo.
É possível encontrar na internet, através do site de busca Google, diversas informações sobre o Demônio: sua origem (ele chamava-se Lúcifer e fora um anjo querubim, antes de cair em desgraça com Deus), rituais de invocação, seitas satânicas, o Fim dos Tempos, previsto no Apocalipse, assim como diversas histórias tenebrosas em que ele é a figura principal. Mas a história que Niku Demus ia contar não constava em nenhum dos sites de busca tradicionais. Nem mesmo no Google. Era uma história que só Niku Demus tinha conhecimento, uma história real que o próprio escritor presenciara e nunca falara dela por um acordo feito com o próprio Satanás.
A história é a seguinte: em julho de 1987, o filho único de Niku Demus, Jonas Demus, estava à beira da morte com uma doença que nenhum médico conseguia diagnosticar. Após esgotar todos os recursos da ciência, só restavam aos pais o caminho da fé para curar seu filho. A mãe de Jonas Demus, Leda Demus, era católica fervorosa e levou o filho a todas as igrejas que conhecia. Padres rezaram para ele, pastores o ungiram e até espíritas famosos tentaram, tentaram, mas não tiveram sucesso em sua cura. O adolescente de 17 anos estava cada vez mais fraco e perto da morte. Niku Demus não tinha religião definida. Acreditava em Deus, mas como nem Ele curou seu filho, foi bater em outra porta: a porta do Diabo. Por meio de um amigo, que era satanista, foi introduzido numa seita satânica: “Satã é nosso salvador”. O local da seita ficava na Tijuca, numa ruazinha transversal à Conde de Bonfim. Chegando lá, Niku foi informado sobre o que deveria fazer para salvar seu filho. Desesperado, Niku Demus fez o ritual da invocação junto com os 50 membros da irmandade. Durante o ritual as luzes do recinto tremeluziram várias vezes e uma tempestade, do nada, irrompeu no lado de fora. Ouviram-se o ribombar de diversos trovões e vários raios podiam ser vistos do vitral da igreja satânica. Após uma coruja piar três vezes o Diabo foi, afinal, invocado. Niku Demus fez, então, o pacto com ele. Pelo pacto, Niku Demus deveria abandonar sua brilhante carreira de advogado e virar escritor, e mais: seu livro de número 666 seria, obrigatoriamente, um livro de exaltação ao Diabo. Em troca, o Diabo salvaria seu único filho das garras da morte. O acordo foi feito e cumprido. Jonas Demus ficou curado da misteriosa doença e não morreu naquele ano. Morreu no ano seguinte, aos 18 anos, em um trágico acidente automobilístico, no qual ele fora o principal responsável, já que bebera muito e, mesmo assim, decidiu dirigir.
Niku Demus terminou o livro com uma recomendação, ou melhor: um aviso, em suas linhas finais:
“O Diabo é o pai da mentira, por isso muito cuidado quando fizer um pacto com ele”.
FIM