Repito. Não tive medo nem fiquei horrorizado por estar falando com uma pessoa a quem eu sabia estar morta. Meus cabelos não arrepiaram, não senti o necessário calafrio na espinha que sempre ocorre nesses casos, conforme a tradição já estabelecida para tais acontecimentos, nem houve aquela queda de energia vital que se segue aos confrontos que opõem pessoas vivas e mortas nesses fenômenos de poltergeist. Fiquei apenas atabalhoado, desconcertado, sem saber o que pensar. E também me bateu uma preocupação e um temor, pois imediatamente me veio á cabeça o pensamento de como a Marisa, minha nova esposa, iria encarar esse fato. O que ela ia dizer, ou por outra, o que iria fazer quando soubesse que a falecida havia retornado do mundo dos mortos, e, ao que parecia, pela postura tranquila e confiante dela, sentada em nossa cama, disposta a reassumir o lugar que fora dela? Como reagiria, ela, que passara a noite toda no velório, acompanhara o corpo de Mariana ao cemitério, acendera velas e rezara Padres-Nossos e Aves-Marias, pedindo aos anjos e santos para acompanhar a alma da amiga até o céu e pedindo a Deus para que a recebesse sem burocracias e inquéritos?
Não. Não comecem a pensar bobagens. Marisa não fora minha amante quando Mariana estava viva. Nem sequer tínhamos sido namorados em qualquer fase anterior de nossas vidas. Também nunca pensamos em ter uma relação diferente da amizade que havia entre ela e Mariana, que eram professoras na mesma escola, e muito mais por aproximação profissional se frequentavam, do que por amizade mesmo.
Claro que eu havia notado que Marisa era uma mulher bonita e charmosa. E que estava soltinha no mercado para uma nova relação, pois que havia se divorciado recentemente. Mas eu juro pela alma de Mariana, que jamais pensei nela como uma possível substituta para ela.
Aconteceu naturalmente. Eu me juntei com ela um mês depois que enterrei Mariana. Vou contar direito essa história, para que não paire dúvidas sobre o meu caráter e o de Marisa. Não quero que ninguém fique pensando que nós já andávamos traindo Mariana em vida e que a volta dela tivesse alguma coisa a ver com isso.
(continua)