Canibais

Duke já estava pronto para voltar ao acampamento após mais um dia de buscas infrutíferas, quando percebeu um fiozinho de fumaça saindo dum posto de gasolina abandonado, do outro lado da estrada. Acender fogo em território desconhecido podia ser excesso de confiança ou uma clara demonstração de amadorismo. Ou talvez, quem quer que tivesse feito fogo, apenas não estava mais suportando o frio e resolvera arriscar. "E por que não?", perguntou-se, enquanto se agachava atrás de uma árvore, binóculos do Exército contra os olhos. Nevava a intervalos regulares desde o dia anterior, embora setembro ainda estivesse pelo meio, e não havia residentes fixos num raio de dezenas de quilômetros, disso ele bem o sabia. Estradas e vilarejos desertos e cobertos de neve; que mal haveria em acender um fogo e se aquecer? Cofiou a barba emaranhada e tocou na coronha do Colt .45 na cintura, sabendo precisamente a resposta.

Permaneceu por tempo suficiente em seu esconderijo improvisado para descobrir quem havia invadido seu território: um casal jovem, aparentemente despreocupados dos perigos do mundo. Seu coração acelerou. Fazia um bom tempo em que tivera uma garota nas mãos... e Frank, aquele pervertido, por qualquer razão preferia brincar com elas mortas. Ele não; nada superava a excitação de ter uma garota viva se debatendo entre os braços. Deu um sorriso de dentes amarelados, antegozando o momento.

Pensou em como faria a abordagem. Se fosse apenas um, esperaria que caísse no sono para atacar. Mas dois, certamente se revezariam na vigilância. Iria precisar da ajuda de Frank, para variar. E, como sempre, a ele caberia a parte mais perigosa na história, qual seja, desviar a atenção dos viajantes. Mas Frank precisava lhe prometer que deixaria a garota um tempo com ele. Nada mais justo!

Cautelosamente, voltou sobre seus passos e tomou o rumo do acampamento. Iria escurecer em breve, e queria resolver aquilo o mais rápido possível.

* * *

A noite já havia caído quando Duke e Frank voltaram ao matagal, em frente ao posto de gasolina. Para surpresa de ambos, havia agora uma fogueira acesa no estacionamento. Os vultos do homem e da mulher podiam ser vistos ocasionalmente, passando pelas janelas do escritório do posto.

- Se acenderam uma fogueira, é porque vão assar alguma coisa... - ponderou Duke, esfregando as mãos enluvadas.

- Seria bom demais para ser verdade - retrucou secamente Frank. - Nos dias de hoje, é quase como acertar na loteria...

Duke cutucou-o.

- Nós temos um trato, não se esqueça. Quero ficar com a garota pelo menos uma semana!

Frank deu uma cusparada no chão.

- Não temos comida para suficiente para sustentar mais uma boca por uma semana, seu idiota!

- E se tiverem rações com eles? - Insistiu Duke.

- Então você vai dar comida da sua parte - rosnou Frank.

Duke fungou.

- Bom... acho que tenho direito a um pouco de diversão. Sempre faço a pior parte do trabalho!

- Uma semana e você a alimenta com a sua parte na comida - reiterou Frank.

- Está bem - acedeu finalmente Duke, entregando o Colt ao parceiro. - Eu vou lá. Me dê cobertura.

E ergueu-se do esconderijo, atravessando rapidamente a estrada para o estacionamento do posto, onde ardia a fogueira. Parou ao lado da mesma, e colocando as mãos em concha frente à boca, gritou:

- Olá! Tem alguém aí?

Passaram-se alguns instantes até que visse movimento dentro do posto. Finalmente, o casal apareceu à porta do escritório, o rapaz à frente, apontando-lhe um revólver. "A parte pior do trabalho", pensou consigo mesmo, e ergueu lentamente os braços.

- Não atire! Eu estava vindo pela estrada e vi a fogueira... - explicou, tentando parecer assustado.

O rapaz continuou a encará-lo em silêncio. Foi a garota quem abriu a boca, num tom estranhamente calmo:

- Foi muito gentil da sua parte trazer o seu amigo para jantar.

- Como é? - Indagou Duke, surpreso.

Ouviu grunhidos às suas costas, como os de um porco. Virou-se assustado, e viu três homens, armados com balestras, arrastando Frank, amordaçado com fita adesiva, um braço torcido às costas. Havia sido atingido por uma flechada na panturrilha direita, e o sangue corria pela perna da calça jeans.

- Vocês... - murmurou Duke, engolindo em seco.

- Se você se comportar bem, nós lhe deixamos roer os ossos - disse o homem que segurava Frank.

Duke sabia que as suas chances de sobrevivência ficando parado ali, estavam bem perto de zero. Mesmo desarmado, tinha que tentar alguma coisa, ou seria a próxima refeição do grupo.

- Eu tenho AIDS! - Gritou, antes de correr para a escuridão.

- [21-12-2017]