O TORMENTO
“Talvez Olímpia ainda não soubesse que tudo o que estava acontecendo um dia foi provocado por ela mesma”.
Depois de um dia inteiro no colégio onde trabalhava, Olímpia chegou em casa. O suor em seu rosto mostrava o tamanho de seu cansaço. Ao colocar algumas sacolas de compra na mesa, ela percebeu algo que a instigou.
O barulho vinha de cima. O chuveiro estava ligado.
- Um ladrão!- pensou a professora.
Olímpia morava sozinha.
- Mas por que diabos um ladrão entraria na casa de alguém para tomar banho? - disse em voz baixa.
Olímpia apanhou um jarro de vidro verde que ficava na mesa de centro da sala, e bem devagar foi subindo as escadas em direção ao banheiro. A casa estava pouco iluminada. Conforme ia subindo vagarosamente os degraus da escada de madeira, o som da água caindo do chuveiro ia aumentando. Seu desespero também. Estava correndo muito perigo ali.
- Se ele estiver armado e eu não conseguir acertar esse jarro na cabeça desse desgraçado estou perdida. Perdida ou morta! – pensou.
Parou na porta do banheiro que estava entreaberta e emanava um feixe de luz fraca. Foi possível ver uma sombra. Não teve dúvidas de que alguém estava ali. Olímpia foi se aproximando com uma coragem que ela mesma jamais pensou ter. Suas mãos chegaram a tocar fechadura da porta mas não teve coragem de entrar.
Olímpia então desceu as escadas e procurou seu telefone em sua bolsa. No meio de tanta coisa foi um pouco difícil encontrar o aparelho. Depois de algum tempo o encontrou.
- Droga, sem bateria – esbravejou.
Com o telefone sem bateria seria impossível ela chamar a polícia. Então decidiu correr até a rua e pedir por socorro pelo primeiro que passasse por ali.
A rua estava deserta. Olímpia não estava com sorte. Depois de muito tempo surgiu um homem de bicicleta.
- Moço, foi Deus que te mandou aqui.
O homem sem entender nada largou a bicicleta no meio fio.
- O que foi? Que desespero é esse?
- Tem um ladrão na minha casa. Vem comigo depressa – Olímpia saiu arrastando o homem em direção a sua casa.
- Ei, calma. Não é assim que vamos resolver isso. Vou ligar para a polícia.
Depois de alguns instantes a polícia chegou ao local, colheu todas as informações possíveis e entraram na casa.
Olímpia ficou do lado de fora com o homem.
- E então?
- A polícia não esta a disposição da senhora nem pra suas brincadeiras ouviu bem? – disse um dos policiais.
Olímpia ficou sem entender nada.
- Como assim? O que o senhor esta falando? Cadê o ladrão?
- Não há ladrão nenhum aqui. Eu devia levar você pra delegacia pra aprender a não chamar a policia a toa. Passar bem.
O carro da polícia saiu cantando pneus pela rua afora.
Olímpia ficou ainda mais desnorteada. O homem que a ajudou também foi embora sem dizer uma palavra.
A luz do banheiro acesa, o chuveiro ligado. Tudo isso martelava dentro da cabeça da professora que não encontrava uma resposta para o que tinha acabado de acontecer.
- O ladrão pode ter fugido – disse.
Ela ainda pensava que era um ladrão.
Mais tarde, após o jantar, Olímpia resolve assistir TV na sala enquanto o sono não chega.
Olímpia trocava de canal constantemente. Parecia não se agradar de nada da programação. O ponteiro do relógio já se aproxima de meia noite e o sono de Olímpia ainda não havia dado o ar de sua graça. O dia seguinte seria muito agitado no colégio onde trabalhava e ela precisava estar bem descansada para desempenhar bem a sua função. Com o som da TV no fundo, ela então começou a caminhar de um lado para o outro, insistentemente. Talvez aquilo há fizesse ao menos bocejar. Era o que pensava.
Sua mente estava inquieta. Seus pensamentos pareciam borbulhar por dentro da sua cabeça, era impossível esquecer o que tinha acontecido ali. Olímpia então resolveu fazer um chá que a fizesse acalmar os ânimos. Na primeira gaveta do armário ela procurou por vários sabores de chá. O de camomila era seu preferido. Casou perfeitamente com o estado em que estava. Enquanto a água fervia aquietou-se por um momento no sofá e apanhou o controle da TV. Colocou em um filme qualquer. Algum tempo depois, no lugar do filme entrou um canal de desenho animado. Ela então pegou o controle e voltou pro canal anterior. O desenho voltou novamente.
- Comprei essa TV há pouco tempo e já esta dando defeito? – pensou Olímpia.
A água parecia demorar séculos para ferver. Quando voltou ao fogão notou que as chamas tinham se apagado. Novamente girou o botão do fogão. Ia ter de esperar mais um pouco para que seu chá ficasse pronto.
Enquanto isso voltou para a sala. Estava passando o desenho animado.
A chaleira começou a chiar. Olímpia pôde finalmente preparar e apreciar o chá.
Depois do último gole ela já parecia estar um pouco mais calma. Desligou a TV e subiu para o quarto.
No caminho para o quarto, era obrigatório passar em frente ao banheiro. Ali ela reviveu rapidamente todo aquele momento que viveu. Acendeu as luzes, verificou cada canto do cômodo como se procurasse um pequeno grão de areia. Ela ainda não havia compreendido.
No dia seguinte...
Olímpia se encontrou com Suzana, sua amiga, em uma livraria da cidade. Enquanto saboreavam um café expresso conversavam sobre a noite anterior.
- Que estranho essa história Olímpia. Não é coisa da sua cabeça não? Você pode ter esquecido o chuveiro ligado.
- Quem é que esquece chuveiro ligado Suzana?
- Sei lá ué.
Um rapaz que estava próximo as duas ria de cabeça baixa. Devia ter achado engraçado a conversa das duas.
- O fato é que você trabalha demais Olímpia, o dia todo enfurnada naquele colégio. Você tem que sair mais, curtir a vida, dar um tapa no visual sabe conhecer gente nova...
- Eu amo o que eu faço Suzana e também não quero conhecer ninguém. Depois do Evandro eu não tenho vontade de me apaixonar por ninguém mais.
- Tudo bem, não esta mais aqui quem falou.
- Eu quero que você durma lá em casa essa noite.
- Por quê? Esta com medo?
- Sim.
- Tudo bem, eu vou.
Ao tardar da noite, próximo às onze horas, Olímpia estava sentada de frente a sua penteadeira, onde desembaraçava seus longos cabelos. Ela via sua imagem refletida no espelho e ao mesmo tempo pensava em tudo o que estava acontecendo.
Suzana dormia no quarto ao lado.
A porta do guarda roupa de Olímpia se abriu. Bem devagar. Um boneco de pelúcia cai lá dentro com a abertura da porta. De costas para o móvel, ela pode observar tudo pelo espelho. Ela deixa a escova em cima da penteadeira, coloca seus cabelos de lado e se levanta. Estava indo em direção ao guarda roupa. Olímpia se abaixou e foi levando suas mãos ao boneco e o agarrou-o trazendo-o junto ao peito e levantando-se. Suas mãos tocaram a porta de madeira envernizada do guarda roupa. Ela parecia estar pensando se deveria realmente fechar aquela porta. Então resolve arremessar o bicho de pelúcia pra dentro do local. Em seguida o boneco é atirado de dentro do guarda roupa contra o solo novamente.
- Suzana, acorda.
- O que foi Olímpia.
- Tem algo dentro do meu guarda roupa.
- Não seriam...Roupas? – ironizou Suzana.
- Não faça piadas com isso. Venha comigo logo – disse Olímpia arrastando a amiga pelo braço.
Suzana que ainda estava tonta de sono resolveu mostrar para a amiga que não havia nada ali.
- Me dê este boneco, vou guardá-lo aqui dentro e você vai ver que tudo não passa de imaginação da sua cabeça.
Suzana atirou o brinquedo para dentro e empurrou com força a porta que estava aberta.
- Viu só. Agora vamos dormir – suplicou.
Quando já estava prestes a se evadir do quarto de Olímpia a porta do guarda roupa então se abre violentamente, caindo ao chão. Elas se assustam. Olímpia grita. Suzana estremece as pernas e decide colocar a mão dentro do guarda roupa. Com as mãos ela vai tateando cada roupa, cada objeto que existe ali na tentativa de encontrar algo.
- Ai! – grita Suzana.
Ela puxa o braço rapidamente. Está sangrando. Algo a feriu.
- Pelo amor de Deus vamos sair.
As duas então começaram a correr pela casa buscando algo refúgio. As lâmpadas da casa foram estourando uma a uma tornando o ambiente ainda mais sombrio. Desceram rapidamente as escadas. Atrás delas podiam se ouvir os passos de outro alguém que também descia os degraus perseguindo-as. Os gritos aumentam.
Já na cozinha Olímpia consegue agarrar algo com muita dificuldade. Uma faca.
- Eu não tenho medo de você! – grita Olímpia.
Nesse instante a TV liga e sintoniza no canal de desenho.
Ouve-se alguém correndo. Derrubando todos os móveis da casa. E logo em seguida um grande silêncio.
- Acho que foi embora – sussurra Olímpia.
Suzana não responde.
- Suzana? Onde esta você?
Olímpia consegue encontrar um isqueiro e com as chamas deste vai clareando o lugar por onde passa e começa então a procurar pela amiga em cada canto da casa. Ela sobe as escadas. Para no corredor e olha para os dois lados. Não sabia que caminho tomar. Resolveu ir pelo seu lado direito, onde ficava o banheiro e um dos quartos. Na porta do banheiro ela percebe que pisou em algo molhado. Com o auxílio das chamas ela então percebe o que é.
- Ai meu Deus, não – grita em tom apavorante.
Continuou a caminhar e entrou no banheiro. Abriu o box. Havia sangue por todo o lado. Paredes, lavatório, sanitário, tudo estava infestado.
Suzana sua amiga estava ali, muito ferida.
- Deixe Suzana em paz! É a mim que você quer!
- Não diga isso Olímpia – disse Suzana com muita dificuldade antes de fechar os olhos por inteiro.
O tormento de Olímpia não se findou ali. Várias noites depois ela veio a ser atormentada até que então resolveu se entregar.