O Monstro do Volante

Fazia frio naquele começo de noite. Sentados numa mesa aparte, os amigos dividiam experiências. Quando as folhas secas começaram a voar levemente pelo local, e o vento soava como algo de outro mundo, a conversa iniciou-se para eventos macabros.

- Já matei bicho-do-mato que tinha tamanho de homem. Isso foi perto da roça do Zequinha.

Os amigos hora acreditavam, hora debochavam, criando um clima agradável. Um contava histórias de trancoso, outro falava em causos. O frio da noite parecia combinar com o ambiente: 3 amigos, bebendo e contando histórias de terror, sendo acompanhados pelo silêncio da noite. Jorge, começou a falar logo, e pediu:

- Fernando, por que não conta a história do monstro do volante?

Os amigos pareciam não entender. Fernando riu, uma risada alta, que ecoou pelo quintal. Fez-se um silêncio de morte. Fernando olhou para a copa das árvores, pensou um pouco. Logo estremeceu dos pés à cabeça. Os amigos seguiam seus gestos, calados.

- Os senhores se perguntam o que seria o monstro do volante... – Disse Fernando, calmamente. – Lhes digo que foi um ser tão nefasto que após meu encontro com ele fiquei preso em pesadelos por uma semana. Jorge já teve a sensação de ouvir a história de minha própria boca, e há de ter acreditado. Sei que não é mentira, pois aconteceu, os amigos podem debochar, mas minha consciência estará limpa.

Fernando acendeu mais um cigarro. O clima agora estava estranho. Alguns duvidavam da sanidade de Fernando, outros esperavam atenciosamente pela história.

- Conte para nós.

- Pois irei contar. – Fernando pigarreou. Parecia estar se preparando para alguma atuação épica. Tomados pela calada da noite, os amigos esperavam pelo conto. Alguns olharam para os lados. Naquela noite, eles pareciam vigiados

– Os senhores meus amigos sabem do estado de saúde de minha mãe, e ela passou por uns mal bocados. Agora, estando melhor, ela repousa, em casa. Mas saibam que antes, foi um sufoco. Ai, meu Deus. Aquelas idas e vindas do hospital a 70 quilômetros de Belo Monte! Dirigi sim, e muito. E foi numa dessas viagens que conheci, infelizmente, o monstro do volante.

- Você vinha sozinho? – Um perguntou, e logo pôs-se a coçar a cabeça. Estava com um pouco de medo, mas não confessaria.

- Sim. No hospital sempre acompanhavam minha mãe, hora eu, hora minha irmã. Neste dia ela chegou de carro, no meio da noite, e disse para eu ir para a casa descansar. Até hoje não sei que aperreio deu nela para vir, mas isso é o de menos.

Voltando eu, então, para a casa. Viajei por aquelas longas estradas estaduais. Com mato nas beiras, e um escuro macabro esperando por você. Viajei e não encontrei um carro sequer, antes do monstro. A noite tinha um quê de mal presságio, e os vultos que passavam por entre as árvores em seu turno noturno tinham seu lado nefasto.

Andado então vinte quilômetros, descobri um posto de gasolina com conveniência, que até aquele momento eu nunca tinha prestado atenção. Confesso que estava com uma fome de cão, e aquele lugar parecia ótimo para matá-la. Encostei o carro no posto e fui direto para lanchonete, onde procurei uma mesa e me sentei. Fiquei ali, esperando alguém me atender, até que percebi outro homem que esperava na lanchonete, assim como eu. Era um homem incrivelmente alto, com os olhos castanhos arregalados e uma barba por fazer. Vestia uma jaqueta grossa, para se proteger do frio. Eu e ele trocamos alguns olhares, o que me deu arrepio.

Ora, depois que a atendente veio e eu pedi meu lanche, fiquei de olho no cabra. Aquela cena tinha um o quê de mórbida, aquele homem era como um vulto negro que passa por detrás de alguém numa fotografia velha, e eu estava com um pouco assustado. Seja a figura do homem, seja o modo como ele me olhou, enfim, algo nele me deixou daquele jeito.

Comi meu lanche tão rápido quanto pedi, e, depois de pagar, saí logo para entrar no meu carro e dar o fora dali. Mal eu entrei e liguei o motor, vi pelo retrovisor alguém sair da lanchonete, logo depois de mim. Era o tal homem. Comecei a suar frio, dei partida logo e saí de lá cantando pneus.

Confesso que eu me sentia mais seguro no escuro aterrorizante da estrada do que perto daquele homem. Segui meu caminho sem pressa. Sempre de olho no retrovisor. A noite lançava seu véu negro e estreado sob o céu, e eu parecia estar sendo vigiado... Na verdade eu sentia isso. Como se alguém estivesse me vigiando. Seja óvni, seja um bicho-do-mato que corria a lado de mim pela estrada, seja um vulto que me acompanhasse, algo me vigiava.

Ora, de repente, algumas luzes de faróis apareceram a duzentos metros de mim. Eu não havia percebido como aquele carro tinha parado ali, e isso me deixou com medo. Seria o tal homem? Eu me perguntei. As luzes vinham de longe, fracas. Era de algum carro, mas não dava para ver nada. Era o primeiro carro que eu via em uma hora. De repente, as luzes foram ficando mais próximas, até que percebi algo seguindo-me.

Segui daquele jeito um quilômetro, até perceber que o carro estava se aproximando demais. Não deu outro jeito, tive de acelerar. Não obstante, o carro me seguia a todo o momento. Era um clima de tensão. Apesar de eu tentar falar para mim mesmo, a todo instante, que era um carro como qualquer outro, minha cabeça teimava que era algo a me fazer mal. E, meu Deus! Eu só conseguia lembrar daquele homem.

A cada minuto, parecia que ele se aproximava mais. Comecei a suar frio. Na calada daquela noite, rezei baixinho, até que senti a primeira pancada. O outro carro se aproximou tanto que bateu na traseira do meu. Eu gritei. Aquilo fora o fim da picada. Meu carro quase saiu da estrada, ajeitei logo. Xinguei palavrões, chamei diabos. Quem era esse doido?

Acelerei o carro o máximo que pude, mas o engraçadinho continuou no meu rumo. Vi ele ligando a seta para ultrapassar, o que me deu um certo alívio. Quando o carro ficou ao lado do meu, logo percebi que era na verdade uma caminhonete. Olhei para ela, de relance, e vi, bem ao meu lado, o rosto do homem que estava comigo na lanchonete. Seu olhar era macabro, e seu sorriso, de doer. Meu coração começou a bater mais aceleradamente. Prestando mais atenção, vi o que estava escrito no lado da caminhonete o do homem. “O Monstro do Volante”, sim, com essas mesmas palavras. Escrito em vermelho vivo, esse nome transpassava medo. Ele e o homem combinados, era de parar o coração. Fiquei sufocado de tanto medo. Tentei acelerar mais, mas não dava. Eu já estava quase voando na pista. Só tinha aquela caminhonete e meu carro na autoestrada. Não havia como pedir socorro.

O Monstro acelerou e me passou. Logo depois algo foi jogado no meu para-brisa. Uma explosão vermelha aconteceu na minha frente. Quase capotei o carro. Rapidamente, me levei até o acostamento, onde parei. Saí do carro e pensei, um pouco. Agora, sozinho, eu já estava com uma crise de pânico. Logo percebi a espécie do líquido que se esparramou pelo carro: Sangue. Sim, sangue! Podia ser de gente ou animal, mas era sangue. Fiquei horrorizado. Olhei para os lados. Ali só havia a mata, a autoestrada e eu. Fiquei zonzo, fui me sentando. Vultos saídos da mata fechada me rodearam. Desmaiei.

Acordei no outro dia com uma grande dor de cabeça. Eu ainda estava na mesma parte da estrada, com meu carro ainda sujo. Ninguém havia me achado, até de manhã. Limpei o para-brisa do meu carro e fui para a casa, tremendo. Esse nome ficou gravado na minha mente. Monstro do Volante. Realmente, parecia um monstro saído de um conto de Lovecraft, um ser que não pertencia a este mundo. Sua existência era perturbadora, seu olhar, de dar agonia. Nunca mais quero esse homem na minha vida, nunca!

- ...

Todos no quintal calaram-se. Paulino pôs-se a pensar. Jorge ficou cabisbaixo. O clima ficou pesado, ninguém sabia o que falar.

- Que história! – Disse Paulino. – Como daria um belo conto de terror. Já pensou em ser escritor, Fernando?

- Nunca.

A conversa seguiu normal, entre brincadeiras, os amigos esqueceram do monstro do volante. Menos Fernando. Para a este, a imagem daquele ser continuaria em sua mente por muito tempo, quem sabe até pelo resto da vida. Depois das dez horas, Paulino e Jorge foram para a casa. Fernando ficou só no quintal, calado.