O Bicho da Fazenda
É verdade que aquela fazendinha ao sopé da montanha tinha um quê de enigmática. Seus cafezais longos, seus campos, estranhamente verdes, sua casa grande, um ponto marrom no meio daquela imensidão. E foi lá que eu passei uma temporada, coisa que quero esquecer pelo resto da minha vida. Não foi tão ruim quanto parece, mas os incidentes que ali ocorreram abalaram minha saúde mental, sendo assim que eu resolvi sair de lá o mais rápido possível.
Era uma tarde cinzenta quando conversava com Seu João, o dono da fazenda. Da janela, víamos o horizonte verde e algumas árvores aqui e ali. Nuvens quase negras fechavam o tempo. Presságio de chuva. Seu João, já alerta, me falava sobre os últimos acontecimentos na fazenda.
- Marília quer casar. Não sei com quem, mas quer. Creio que já está embuchada.
Eu ri. Era um termo um tanto estranho. Apesar disso, a conversa continuou normalmente, agora falávamos sobre os arredores da fazenda. Dessa vez, João falava quase sussurrando, como um pai contando uma história de trancoso ao filho debaixo de um céu estrelado.
- Posse lhe garantir, seu Damião, que aqui é um dos lugares mais estranhos que já vivi. Moro aqui desde os 20 anos, e posso dizer que já aconteceu muita coisa de caráter duvidosos por essas bandas. Posso te levar há muitos lugares: Topo de serras, pomar, o grotas, e contar pelo menos uma história estranha que aconteceu nestes lugares.
O homem então pôs-se a contar causos da fazenda. Pessoas sumindo, cabeças encontradas na mata, um certo bicho que comia homens. Tudo me soava enigmático e duvidoso. Apesar disso, via no olhar do velho um sinceridade que poucos têm.
Confesso que fiquei um pouco surpreso. Lugar mal assombrado, hein? Eu não acreditava muitas nessas coisas. Continuamos conversando, até que chegou a noite e nos recolhemos. Posso garantir que tive uma noite de sonhos macabros. Nunca tinha sonhado essas coisas, mas acho que as histórias do velho acabaram mexendo com meu psicológico. Num dos sonhos, uma espécie de homem peixe corpulento, com lábios grandes e flácidos, mãos com ventosas e olhos baços, me pegava pela cintura e me levava para os confins do fundo do lago da fazenda. Acordei um tanto sobressaltado.
No outro dia, vi João desanimado. Quando eu perguntei o por que, ele me chamou a parte.
- Veja, meu jovem. Como eu li disse, coisas estranhas acontecem a todo o momento por essas bandas. Venha comigo, e tente adivinhar este mistério!
O segui. Rapidamente fui levado para o celeiro. Lá, pegadas de um pé um tanto estranho saíam da mata, atravessavam o campo e entravam no celeiro. Lá dentro, as pegadas iam até os fardos, onde a marca de que alguém tinha se deitado (apesar da forma não humana) se fazia presente.
Passei o resto da tarde muito desconfiado. Hora ou outra, fitava pela janela da fazenda a mata, com sua imensidão verde e enigmática. O lugar, depois do relato e do acontecido, continuou com seu clima pesado. Naquela madrugada, acordei com um som estranho. Era uma espécie de grunhido ou algo assim. Vinha do celeiro. Armei-me, me vesti e saí para fora da casa. Sufocado pela escuridão, andei no breu até o celeiro.
Lá, parei, estatelado. Esperei por alguns minutos, na porta. De vez em quando, o grunhido vinha de lá dentro. Comecei a ficar com medo, assustado. Eu não sabia o que iria achar ali, mas tinha certeza que algo natural não era. Comecei a criar coragem para entrar no celeiro. Vamos lá, um, dois, três e pam! Entrei com tudo no lugar.
Numa imensidão escura, me vi. Lá dentro, algo corpulento e de olhos baços grunhia. Só dei três tiros. Depois disso, fui correndo embora. Prometi voltar algum dia, mas sei que isso só não será verdade. Só eu sei o que vi.