Conheça a verdade e ela vos libertará
Caminho pela calçada do prédio, pensando em coisas que vão me dar lucro, quando...
PLÁFT
Um homem cai na minha frente e fica todo esborrachado no chão.
A massa encefálica sai de seu cérebro partido e vem até o bico dos meus sapatos.
Passo por ele, tomando cuidado para não pisar em nenhum de seus pedaços, e continuo a caminhada, quando...
PLÁFT
Outro corpo que virou pastel, só que agora foi uma mulher, melhor dizendo, uma moça, mas nem sei dizer ao certo, pois ela está irreconhecível até para a mãe.
Dou mais três passos e lá vem outro infeliz se esborrachar no chão, e depois mais outro e mais outro, e brado:
— Isso, por acaso, seria uma chuva de gente?
Então olho para a placa do prédio e leio:
CONHEÇA A VERDADE E ELA VOS LIBERTARÁ
Isso de verdade me aguça a curiosidade.
Entro no prédio em busca de informações.
Já na entrada, me deparo com a porta do elevador e logo acima uma placa:
LIBERDADE POR AQUI
Vejo alguém sair de uma porta ao lado do elevador – é um moço de seus 30 anos. Ele espera a porta do elevador abrir, entra e a porta do elevador se fecha.
Vejo os números aumentando 2-3-4-5 até chegar ao número 32.
O número para. Espero. Fico ansioso. Escuto um baque do lado de fora, saio do prédio e vejo o moço de seus 30 anos todo esborrachado.
Volto para o prédio e sigo direto para aquela porta ao lado do elevador.
Entro na sala e logo me confronto com um homem vestido em roupas coloridas, espalhafatosas, e que usa sapatos de bicos longos da cor de amarelo, e que usa um babado abaixo do pescoço, e que tem peruca de cabelos verdes na cabeça e uma bola vermelha no lugar do nariz.
— Por que as pessoas estão pulando do prédio? – pergunto.
Ele responde, fazendo malabarismo com três pinos enquanto se equilibra sobre um monociclo:
— Pulam para a liberdade. Deseja conhecer a verdade?
O homem erra o malabarismo e os três pinos caem sobre a sua cabeça e com isso ele também cai do monociclo de um jeito patético.
Dou risadas e digo ‘sim’.
Quinze minutos depois, saio da sala e paro em frente à porta do elevador. Espero abrir.
Entro.
A porta se fecha.
Os números vão aumentando 1-2-3-4...
E passa dos 30.
E chega ao andar 57, a minha idade.
A porta se abre e vejo um longo corredor que leva até uma abertura luminosa.
Tenho de caminhar até esta abertura – é preciso transpassá-la.
Enquanto caminho, vou pensando na verdade...
Como eu nunca tinha percebido isso antes?
Como nunca reparei?
Talvez, penso, eu não quisesse entender.
Talvez, concluo, sempre foi mais fácil pensar com a cabeça dos outros, tomar conceitos como verdadeiros, aceitar tudo de bom grado em vez de refletir.
Sim, foi isso!
Nunca ousei indagar, confrontar imposições. Fui ensinado, assim como você, a dizer “amém”.
E para quê tudo isso?
Sofrer? Chorar? Amar? Lutar? Vencer? Glórias? Fama? Bens? Dinheiro? Felicidade?
E para quê tudo isso?
Pra quê?
Se no fim, bem lá no fim... Só existe a verdade.
E cá estou, pronto para a liberdade.
Estou a um passo.
Antes de passar por esta abertura, lembro-me mais uma vez da verdade que me foi soprada em um sussurro.
Ah, se eu soubesse... Já teria pulado antes.