Aquela Noite
 
CRIADO POR VINICIUS.: VINICIUS N NETO
 


Para melhor compreenção do Conto a seguir, leia a primeira parte. 
 
Clique no Link da Parte Anterior: 
AS CRIANÇAS DA FLORESTA (Repostado)

 



~I~
 
Eram 11h00 da noite. Minha mãe já havia apagado as luzes de casa. Fiquei, acredito... uma meia hora naquela cama, forrado, fingindo dormir até ouvir alguém batendo na porta. Aline correu para a sala desesperada, com o molho de chaves na mão e um pedaço de pau na outra.
Abre logo essa porta!
Saltei da cama para o acoalho frio. Meus pés percorreram uns dois metros até a porta do quarto. Ali, parado, ajoelhei-me e espiei pelas frestas da porta, por um minúsculo buraco ao lado da maçaneta. Antes de poder enxergar alguma coisa, mais dois murros atingiram a porta. Parecia que iam derruba-la.
Abre logo, abre essa merda logo...
Não conseguia ver muita coisa, somente sombras, pequenas imagens destorcidas, refletidas da sala na parede do corredor. Aquela voz não me era estranha e não mesmo... mas só quando Aline abriu a porta pude ter certeza.
Era o pai de Vitor, Senhor Valter, como todos chamavam, era o pai de criação de Vitor. A mais de vinte anos fora um respeitável promotor, porém, depois que adotou o garoto, descobriu que sua mulher estava lhe traindo, acabou se divorciando, perdeu o emprego por causa da bebida que o consumiu e passou o resto de seus dias em casa, apodrecendo, bancado pela aposentadoria por invalidez, pois alguns anos depois do divórcio ele perdeu a perna após tentar se suicidar, jogando-se em uma linha de trem. Todos já sabiam dessa história. Valter passava noventa por cento de seu dia embriagado e sempre que conseguia se equilibrar em pé e sair de casa, vivia contando e recontando sua história para todos e a cada hora, quando você menos esperava... algo novo surgia. Um homem conivente sempre sabe como inventar uma mentira atrás da outra. Tudo para causar ainda mais drama.
— Se você não sair da minha porta, eu vou chamar a polícia!
— Foi o seu filho. Foi seu filho e aqueles malditos pirralhos. Pirralhos desgra-ça-d-os... onde ele esta... onde ele esta... meu filho... meu filho... onde ele esta.
Valter gritava. Nunca o tinha visto tão bêbado, como naquela noite. Podia sentir seu hálito do quarto. Um fedor de cachaça insuportável. Acredito que durante o tempo que estava espiando, tive uma ou duas náuseas indescritíveis, uma sensação de vertigem. Meu estomago parecia até uma máquina de lavar. Sentia que a qualquer momento ia acabar vomitando ou desmaiar.
— Saia já daqui! Eu vou ligar agora...
— Sua puta!
Um som... —Plaft.
Um silêncio excentricamente desolador evadiu-se sobre a casa.
Em seguida, senti uma estranha sensação de ansiedade dominar-me. Não sabia o que fazer. Um formigamento subiu por meu braço. A porta do quarto estava entreaberta. O meu quarto localizava-se depois do banheiro, seguindo o corredor, a primeira a direita. A luz do corredor estava apagada, contudo ainda era possível enxergar a luz da luminária da sala, um feixe vermelho claro. Naquele meio segundo em que tudo se silenciou, pensei em talvez uma centena de coisas que poderia ter ocorrido. Coisas que acredito não poder compartilhar — coisas insanas demais.
— Mãe. — Sussurrei assustado, quebrando o silencio.
Enxerguei pelo reflexo da sombra na parede, duas pessoas paradas, uma a frente da outra. Ambos entreolhando-se.
Ouvi novamente aquele mesmo Plaft zunir na minha mente, ecoando como as ondulações que uma pedra provoca após ser jogada num lago.
O som de um tapa. — meu deus...
Passei de uma sensação de vertigem, para um medo incontrolável. Meu coração parecia ter virado uma sirene de uma ambulância. Gritei mudo por socorro, antes de saber o que aconteceria. Ansiei em saltar do quarto até minha mãe, mas me pus parado onde estava, minha razão me impedia de tal ato, ou talvez não fosse corajoso suficiente para fazê-lo.
Covarde...
Daí em diante, só ouvi o barulho da porta batendo, seguido do ruído das persianas raspando o vidro.
— Ufa!
Ouvia a respiração ofegante da minha mãe. Agucei o máximo que pude minha audição. Aline soluçava num tom quase inaudível, sem força, se pudesse confirmar diria que estava com as mãos na boca para evitar que eu ouvisse. Mas infelizmente não adiantou. Pude ver sua sombra ajoelhada no chão, chorando. Chorando baixo, bem baixo. Ouvi suas lagrimas caindo no carpete, senti elas queimarem no meu coração, já que de certa forma, Valter estava certo. — nos matamos o seu filho. Não. Eu matei o meu amigo. Eu matei Vitor. Não sei se ela desconfiava. Mas... algo estava diferente. Algo estava diferente desde aquele dia.
Aline fora dormir minutos depois. Mas antes, voltou ao meu quarto. Vira-me deitado e por um momento acreditou que estava dormindo.
Tudo já estava pronto em uma bolsa em baixo da cama. Só precisei me trocar, o que tratei de fazer ligeiramente na ponta dos pés para que ela não me ouvisse. Abri a porta do quarto. O corredor estava escuro. Sem a luz da luminária, parecia andar a ermo. Tateei a parede na direção da cozinha e saí pela porta dos fundos. Não fiz um barulho sequer. Abri e fechei a porta como se nunca tivesse passado por ali. Ainda no quintal. Depois de ter passado pelo nosso limoeiro. Minha bolça começou a emitir um som abafado de plástico contraído. O som aumentava conforme andava. Tentei impedir não balança-la. Mas já era tarde. Uma luz acendeu na janela do quarto de Aline. Me escondi bruscamente atrás das roupas penduradas no varal. Torci para que não me visse e para minha sorte, ela realmente não me viu.
Durante todo aquele tempo, não parava de tremer, infindáveis palpitações de desespero. Um tumor parecia crescer dentro do meu peito e ele se chamava — Culpa.
Cheguei no Quiosque atrás de casa por volta das 11h55. A praça estava deserta. Nem noias frequentavam aquele lugar a noite. Estava vestido com duas camisetas grossas e um moletom vermelho, ainda assim Sentia frio, entretanto, o verdadeiro frio estava dentro do meu peito. Esperei meu relógio marcar meia noite, depois que os ponteiros se alinharam, cogitei voltar e me esconder, afinal era só isso que queria fazer, voltar e me esconder. — Covarde. — Uma voz soluçava nos meus pensamentos.
Pensei que ninguém viria e poderia então ir embora carregando minha culpa na ponta da garganta, mas infelizmente isso não ocorreu. Um por um, todos apareceram naquela noite. Todos reunidos no quiosque da praça.
— Vocês têm certeza disso? — Questionou Mateus.
— Ele tinha certeza... — Respondeu Amanda com veemência.
— E o que vamos fazer? — Perguntou Lucas.
— Vamos tirar ele de lá. — Respondi.
— Você quer tirar o corpo dele do lago! — Indagou Lucas, arrepiado.
— Precisamos dar um fim nisso. Ele precisa descansar. — Disse Rodrigo.
Peguei minha mochila pesada. Rodrigo trouxe algumas cordas e Amanda as luvas de jardinagem de seu pai. Cinco pares. Ficaram um pouco largas, contudo, não acho que naquele momento ela precisava servir perfeitamente, já que seria a última vez que usaria uma luva de jardinagem na minha vida.
— Sabem que já passou um bom tempo. Quando o levantarmos de lá... não gosto nem de imaginar. — Disse Lucas.
Lucas podia ser o mais medroso da turma, mas nunca deixou nenhum de nós na mão. Sua honra era de longe a maior do grupo.
— Algum de vocês o viu... — Soltei.
Amanda respirou fundo. Sua pele enrijecida parecia até um tomate vermelho, coberto por uma camada de pequenos pelos ruivos.
— Eu também vi. Ele estava parado na porta da minha casa, como se quisesse entrar! — Respondeu Amanda, nervosa e suando. — Foi a duas semanas. Tenho certeza que era ele... aquele rosto. Você viu...
Mal tinha um pomo de adão, mas aquela pequena bolinha no pescoço parecia subir e descer incansavelmente depois de ouvir aquilo. Então veio a minha mente algo que tentara bloquear fazia tempo.
— Sim. — Balancei a cabeça. — Eu vi, sim.
Por um momento meus pensamentos fizeram-me entrar num tipo de devaneio. Lembrei-me de quando estava na sala de aula. Era a última matéria do dia, e também a mais chata. Matemática. O assento de Vitor estava vazio. Pensei... — Ele nunca mais vai voltar. Nunca mais. Ele está morto.
Então, quando a sirene soou marcando o fim do turno escolar. Percebi, entre a multidão desesperada, alguém sentado na sua carteira. Um garoto... foram sete segundos. Sete segundos que passaram em minha mente como horas. Enquanto as crianças corriam desesperadas para irem embora da escola, uma marca de pegadas seguia da porta, cruzava a sala, até a janela, ao lado de seu assento. Recordo de não ter conseguido me mover durante uma hora depois daquilo. Fiquei sentado num banco no corredor da diretoria, próximo da porta da escola. Lembrava-me daquela cena.
— Vocês não podem... vocês não podem... — Dizia uma voz. Parecia ser a de Vitor. Porém, mais sombria e deformada, tomando um tom senil e hepático.
Sentado naquele banco. Tentava me esquecer. Tentava realmente me esquecer. Mas não consegui.
As pegadas levavam meus olhos até a carteira dele. Vi um esguicho de água fluir pelo chão. As outras crianças corriam desesperadas, corriam para suas casas, no final de um dia de aula. Estavam tão felizes por mais um dia ter terminado que riam e gargalhavam de alegria. Mas entre eles... entre aquelas gargalhadas ensandecidas, algo se retorcia na carteira da ponta noroeste da sala. Embora não quisesse acreditar, aquilo realmente estava acontecendo.
Uma silhueta magra e esguia surgiu, sentada lá, lá no canto, esperando, com as mãos saltadas sobre a mesa. Seu corpo parecia um ninho de vermes amarelados, pequenas minhoquinhas que se contraiam dentro de sua pele, parecendo, come-lo. Perfurando-o. Estava podre. Pude sentir o cheiro. E não só isso. Ele não parecia mais meu amigo. Não aquela coisa. Seus ossos estavam a mostra por quase todo o corpo, emaranhados em músculos e tecidos de carne apodrecida que se decompunham, gangrenando. Não era possível ver vida naquilo. E quando virou o rosto na minha direção...
— Eu nunca vou me esquecer!
Seu rosto estava desfigurado. Sulcos de pus se formavam ao redor da testa e algo parecia ter comido todo seu maxilar e parte da bochecha esquerda. Seu nariz nem mais existia, no lugar, havia uma orbita esquelética. E os seus olhos. Aqueles olhos, com a íris branca-azulada, fitavam-me, com um olhar intimidador, mas ao mesmo tempo triste.
— Vocês não podem... — Gritaram seus olhos.
Mateus era o único que sempre desconfiei, nunca demonstrou confiança. Desde que o conheci, ele tinha algo mal crescendo dentro dele, uma malicia diferente. Algo mais escuro. Até aquele dia não tinha notado. Mais agora não restava dúvida. — Ele a matou também. Sua própria mãe.
A mãe de Mateus tinha problemas psicológicos e ele nunca gostou de vê-la naquela situação. Podia ver isso quando andávamos juntos na época que ela era viva. Seu olhar de desprezo. Parecia odiá-la. Ele tinha vergonha de andar com ela e tudo piorou quando em uma de suas crises, acabou caindo da escada e quebrou as duas pernas, ficando paralitica da cintura para baixo. Ouvi da minha mãe que ela morreu após se suicidar tomando um monte de antidepressivos de seu esposo, o que a fez ter uma overdose fatal. Eu sei o que minha mãe disse. — Bla, bla, bla. Ela se matou. Overdose. Mas eu não acredito. Os policiais nunca conseguiram chegar até ele, mas...
Ninguém da turma da rua quis acreditar em mim. Não podiam, ou até mesmo não queriam aceitar o fato de terem no grupo, um assassino.
— Gente, eu acho... eu a-cho... eu a-cho — Gaguejou Rodrigo. — Eu acho que vi ele também.
Mateus observava-nos com olhar de indiferença. Não acreditava em uma palavra sequer.
— Ele estava na igreja. No confessionário. As pegadas. Ele estava me chamando... Ele queria que eu fosse até lá. A porta do confessionário se abriu. Pude ver seus olhos brilhando lá dentro. Brilhantes olhos amarelos na escuridão. Ele me chamava. Queria que eu fosse até ele, lá no escuro. Mas eu corri...
Acho que todos ficamos perplexos depois daquilo. Até mesmo Mateus. Notei um brilho em seus olhos que remeteram-me agonia pura. Rodrigo ofegava, cansado.
— Você está bem? — Perguntou Amanda, tocando-lhe o ombro quente.
Rodrigo se acalmara aos poucos. Um minuto depois ele disse algo que nunca esqueceria e que tenho certeza... deixou todos horrorizados.
— Eu o vejo em todo lugar. Em todo lugar. Desde o enterro. Em todo o lugar mesmo. Ele está aqui agora, entre nós...
 
~II~
 
Já ia completar 01h00 da manhã, quando chegamos na floresta. Mateus não parava de reclamar.
— Nós somos os responsáveis. Todos aqui sabem disso. Mas, porque tira-lo de lá. Não faz mais diferença. Até o Pai dele desistiu. — Disse Mateus de forma rude, quase gritando.
Mateus podia até ser um assassino. Mas estava com mais medo que todos. Sentia isso enquanto falava. Por vezes, parecia gaguejar. Ele arfava, grunhindo. Quando entramos na floresta, eu literalmente queria que ele morresse. O desgraçado não parou um minuto sequer de reclamar.
A mata se estendia por todos os lados. Quilômetros de cor verde escuro. Enquanto caminhávamos por aquelas trilhas acidentadas, cheias de armadilhas naturais, algo me incomodava muito e não era Mateus, ao contrário. Era algo mais repulsivo. Desde que entramos na floresta, não ouvi ou vi nenhum animal. Nem mesmo aquelas coisas nojentas que se arrastam por todo o lugar, insetos. A única coisa que tenho certeza ter ouvido era o som do vento sibilar pelas arvores. Olhei para o alto indiscretamente. Senti uma gota de chuva cair no meu rosto e escorrendo até a ponta do queixo. Fechei os olhos, parei abruptamente, e enquanto todos andavam usei aquele minuto para orar a deus pela minha vida e pela de todos os meus amigos, todos, inclusive Mateus.
Ao abrir os olhos, um brilho intenso sobrepujou meus olhos, uma luz amarelada.
— Estão vendo aquilo. — Disse Lucas próximo de mim.
A lua estava amarela, parecia até um farol. Um enorme farol apontado para nós. Nosso pequeno grupo de cinco pirralhos.
— Estão ouvindo... — Gritou Mateus.
Olhamos para todas as direções, porém, não ouvíamos absolutamente nada.
— Não estão ouvindo... — Indagou Mateus, translucido de medo. Vi ele ficar pálido.
Nos entreolhamos, mas todos demos de ombros, ninguém sabia ao que ele se referira.
— Que som. Não estamos ouvindo nada.
— Como não estão ouvindo. Está vindo de todas as direções.
Faltava mais uns dois quilômetros até o vale vermelho. Após aquilo, Mateus não quis mais falar nada, ficou mudo, totalmente mudo. Estava com uma expressão nítida de pânico.
Enquanto subíamos a trilha, a escuridão tomava ainda mais forma e dimensão. Notei que aquele brilho amarelado relutava em iluminar a penumbra entre as arvores, como se escondesse algo, algo perverso. Logo, percebi que esse “algo”, trava-se de um velho amigo, uma sombra disforme que nos seguira a tempo, após a lua surgir no céu.  Havia o visto pela primeira vez no dia em que tudo começou. Por apenas um momento, direcionei meus olhos na direção de uma coluna de escuridão ao redor de um campo de arvores a nossa direita e vi Vitor atrás de um toco de arvore, agachado. — Vitor. — Chamei-o.
Vitor fitava-me com uma expressão de desaprovação. Como se quisesse me avisar de alguma coisa. Li seus lábios, dizia algo como — não, por favor não.
Ele pareceu assustado. Muito assustado.
— Ei Marcos. Tudo bem? — Perguntou Rodrigo.
Distraí-me por um segundo e quando voltei os olhos para as arvores, procurando-o, percebei que ele havia desaparecido. A escuridão o engolira.
Quando finalmente chegamos. Lembrei-me quase de imediato do momento que desovei o corpo no lago, aquela cena parecia pipocar no meu cérebro em flashbacks. Lembro-me da lona manchada de sangue, afundando no lago.
Andei uns cinco metros na direção do lago. Haviam diversos rastros no chão. Alguma coisa havia passado por ali. Alguma coisa grande. Pensei ter visto uma pegada, mas logo desconsiderei, só em pensar que mais alguém poderia ter estado ali, poderia piorar ainda mais meu estado psicológico.
— Vamos fazer isso rápido. — Gritei.
Aproximei-me da margem e embora o frio fosse intensamente desfavorável, despi-me sem pensar duas vezes. Quando tirei o calção, minhas pernas começaram a tremelicar, pequenos gravetos esguios, dançando ao vento. Corri envolta do lago somente de cueca, uma cueca box preta da Calvin Klein. Precisava encontrar o lugar exato que havia desovado o corpo e é claro que não poderia me esquecer. Não daquele lugar... encontrei-o momentos depois. Parecia ter um vislumbre do passado, as marcas de sangue, envolvidas na lama e na água ao redor, voltavam a minha mente intercaladas a um intenso sentimento de culpa.
O lugar da desova ficara próximo de uma pequena cascata. Mas... aquilo sem dúvidas... eram pegadas. Não cheguei a contar aos outros. Fiquei em choque e não queria alarmar ninguém. Contudo, via uma ligeira diferença nas pegadas, pois eram desproporcionais, como se mais de uma pessoa tivesse estado ali.
Quando rodrigo se aproximou baguncei areia ao redor.
— O que foi?
— Nada. — Respondi a ele, inexpressivo.
Ele me entreolhou, em seguida deu de ombros e amarrou a corda em volta de mim. Enquanto Rodrigo estava distraído com a corda, olhei para o lago. Era possível notar que não tinha nem cinquenta metros de diâmetro. Vidrei-me nas águas negras do lago. Elas estavam diferentes desde a última vez que estivemos aqui. Um lençol escuro encobria o lago, parecia até uma cortina de lixo, numa cor opaco escuro.
— Ele vai nos perdoar não é mesmo. Não é mesmo? — Indagou Rodrigo.
— Ele está morto. Por nossa culpa. Mortos não podem perdoar... afinal, eles não estão vivos para isso.
Rodrigo ficou mudo com a minha resposta.
— Calma Rodrigo. Sei que aonde ele estiver, ele ficara melhor se livrarmos dessa prisão. Um fim mais adequado.
Rodrigo continuou mudo e não respondeu mais nada sobre aquilo.
— Já está pronto. — Disse ele, após terminar de amarrar a corda.
Andei até a ponta, tremendo. Todos me olhavam de uns dois metros de distância, próximos de alguns arvoredos velhos.
Toquei a ponta do meu dedão do pé na água gelada do lago. Quando me acostumei com a temperatura, fui adentrando no lago, vagarosamente. Rodrigo me segurava pela corda. Quando minha cintura já estava totalmente submersa, algo parecia cutucar a sola do meu pé.
— Espere. Algo tocou meu pé.
Rodrigo segurou a corda. Lucas se aproximou e ajudou a segurar a ponta.
Movi meu pé em um movimento circular. A água começou a formar uma serie de ondulações. Logo não sentira mais nada.
— Acho que não era nada. Pode continuar. — Avisei.
Rodrigo foi soltando a corda devagar. O lago era mais fundo do que pensei. Sem perceber já estava com somente a cabeça para fora da água. E não conseguia observar meu corpo... não naquelas águas escuras.
Antes da água encobrir meu rosto, suguei o máximo de ar que pude.
Debaixo d´água tentei seguir a única coisa que conseguiu me dar uma direção naquele mar de escuridão, a luz da lua. Incrivelmente ela ultrapassou as águas mais profundas até o fundo do lago, que devia ter no mínimo uns seis metros de profundidade.
Toquei minhas mãos no fundo do lago. A lama se impregnou no meu corpo. Uma viscosa gosma negra que nublava minha visão, enquanto se desmanchava por todos os lados.
— Marcos...
— Marcos...
— Marc-ooo....
— Ma-r...
Durante o período que fiquei dentro do lago, senti puxarem a corda, mas não uniformemente, pelo contrário, eram movimentos aleatórios, por vezes, senti os puxões apertarem meu abdômen, apertando-me até começar a me machucar. Tentei nadar para ver o que estava acontecendo. Mas algo segurou meu tornozelo. Olhei para baixo e vi uma coisa, um esqueleto coberto por uma camada de lodo negro, puxando-me para baixo, não queria me deixar subir.
— Não... — Gritei. E um milhão de bolhas saíram da minha boca e nariz.
Perdi o oxigênio que ainda tinha. Aquela imagem medonha, não me deixava voltar. Senti dedos esqueléticos apertando meu tornozelo com força. Sentia que estava prestes a perder o pé, até que levantei-o e chutei o rosto daquela coisa. Meu pé penetrou dentro do crânio daquilo... tenho certeza que meu pé quebrou seu maxilar e penetrou garganta a dentro. Puxei o com força e enfim aquilo me soltou. Tomei impulso. Nadei...
Aquela coisa não desistiu, começou a perseguir dentro d´água, nadando na minha direção, vi a escuridão a seguindo. Ela estava próxima de pegar novamente minha perna, quando enfim sai do lago. Saltei para fora como um golfinho.
— Gente...
— Gente...
— Gente... — Gritei uma dúzia de vezes, sem desviar o olhar do lago.
Ninguém me respondeu.
Olhei para os lados, procurando todos, mas meus amigos haviam sumido.
Bolhas começaram a surgir no centro do lago. Uma rede de bolhas macabras.
— Gente... — Gritei novamente, mas agora chorando.
Notei um crânio emergindo. Coberto de lodo e algas. Enquanto isso, senti alguma coisa caindo sobre meu rosto. Um liquido quente. Tentei esfregar com a mão, e neste momento percebi que era sangue. Olhei para o alto...
Todos estavam pendurados nas arvores. Todos. Ouvi vozes estranhas vindo da floresta. Então tochas começaram a surgir entre as arvores. Passos começaram a se aproximar do nada. Lá longe, dentro da mata, um braço ergueu uma foice. Então. Quando percebi. Aquilo já havia saído do lago. Estava a minha frente...  
Entretanto... notei que aquilo não era o meu amigo.
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 01/12/2017
Reeditado em 09/12/2017
Código do texto: T6186810
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.