Conselhos Diabólicos

Marcelo Leivy tinha pouco tempo de vida. Seis meses para ser mais exato. Diagnosticado com câncer de pulmão em estágio terminal, dispensou o tratamento convencional e continuou trabalhando como se nada tivesse acontecido. Ocultou sua doença da esposa, filhos, parentes, amigos e pacientes por uma única razão: não ia adiantar nada contar que estava doente. Sua passagem para o Céu ou para o Inferno já estava comprada. Era apenas uma questão de tempo. De pouco tempo. Marcelo Leivy era psicólogo, mas como santo de casa não faz milagre, seu conhecimento técnico não o ajudara em nada. Por dentro, estava prestes a explodir, apesar de, por fora, parecer um iceberg em pessoa. Era segunda-feira quando recebeu o diagnóstico. Na terça-feira, já estava trabalhando. O primeiro paciente da terça-feira era Adolfo Lene, um vendedor de sapatos.

― Pois é, doutor. Continuo com medo de altura. Na loja, tenho que subir na escada para pegar as caixas de sapatos do estoque e a cada vez que faço isso morro de medo. Minha vontade é me jogar da escada...

― Meu caro, Adolfo. Você já está tratando comigo há alguns anos. E tem melhorado. Mas podemos acelerar a sua cura. Para nos curarmos dos nossos medos é preciso enfrentá-los. Alexandre, o Grande, já dizia para seu exército macedônico: “Vençam seus medos e serão invencíveis”. E é exatamente isso que proponho a você. Suba, hoje mesmo, no prédio mais alto que tiver na cidade e olhe para baixo. Não tenha medo. Olhe para baixo e grite: “Ei, medo... eu não te escuto mais! Porque, agora, sou invencível!”. Tenho certeza que você vai ficar curado na hora.

Adolfo não sabia como agradecer por aquele ânimo injetado pelo doutor. Agradeceu ao psicólogo e foi pôr em prática o conselho que mudaria sua vida.

A secretária mandou entrar o segundo paciente da terça-feira. Suzane Richter era alcoólatra desde a adolescência e não conseguia largar o vício por muito tempo. Atualmente, estava sem beber há um mês, desde sua internação na clínica indicada pelo seu psicólogo, Marcelo Leivy.

― Doutor, continuo sendo humilhada na minha faculdade. Me chamam de baleia, gorda caolha, dentre outros apelidos. Não sei o que fazer... parei de beber, mas sinto uma sede. Uma vontade louca de voltar a beber...

― Minha querida, Suzane. Eu fui a um congresso recentemente que me ensinou que não devemos ter medo de viver. Viver é um risco constante. Vou te dar um conselho que vai mudar a sua vida... para sempre! Compre 10 garrafas da bebida que você mais gosta. Vá até um parque e beba todas que você puder. Mas vá sozinha. O silêncio é indispensável para sua cura. Agora, vá com Deus e viva sua vida nova.

Suzane Richter agradeceu o psicólogo por dizer exatamente o que ela queria ouvir, mas não ouvia: sua cura só dependia dela e de mais ninguém.

O último paciente da terça-feira foi orientado a entrar no consultório pela bela secretária de olhos cor de esmeralda e corpo de modelo de passarela. Ele era um suicida convicto. Não acreditava mais na vida. Achava que poderia encontrar a paz na vida após a morte.

― Doutor, o senhor conseguiu adiar minha morte até hoje, mas não consigo mais adiá-la. Estou desesperado. Estou com as contas todas atrasadas, devendo a Deus e ao mundo. Perdi o respeito de minha esposa e minha filha mais velha por causa disso e estou ameaçado de prisão por não pagar a pensão alimentícia da minha filha de 8 anos. Por isso, vim aqui, doutor e o senhor que me ajudou até agora vai fazer parte da minha cura definitiva ou não...

Após dizer isso, Nicodemus tirou dois revólveres calibre 38 da mochila e apontou um deles para o psicólogo. ― O senhor está vendo este revólver que estou apontando para o senhor? Ele tem seis balas e vou dispará-las todas no senhor caso o senhor não aceite jogar o jogo da vida comigo.

― Claro que aceito. Mas que jogo é este? ― Disse o psicólogo tentando demonstrar tranquilidade.

― Que bom que o senhor pensa assim. O jogo da vida é um jogo de roleta russa. O senhor o conhece?

― Sim. Você coloca uma bala num revólver, gira o tambor dele e depois de girar bem, aponta para si ou para o outro jogador e, em seguida, aperta o gatilho. Este procedimento é feito alternadamente entre os participantes até sair o tiro, que será fatal, pois geralmente se aponta para a cabeça ou para o peito dos jogadores...

― Exatamente, doutor! E agora vamos começar o jogo, pois quero me curar...

Nicodemus tirou uma bala do revólver que tinha seis balas e a colocou no que estava vazio. Girou o tambor dele (a roleta) e apontou para a sua cabeça. Ouviu-se um clique. O revólver não disparara.

― Agora é a sua vez, doutor. Boa sorte! ― Riu, o suicida, apontando a arma para a cabeça do psicólogo.

Ouviu-se outro clique. O revólver não disparara.

Como no revólver calibre 38 cabem seis balas e ocorreram duas tentativas frustradas, ou seja, sem disparo, faltavam mais quatro tentativas, sendo que uma delas seria fatal.

Após mais duas tentativas frustradas, só restavam duas. Havia cinquenta por cento de probabilidade do tiro sair. Era a vez de Nicodemus.

O suicida apontou o revólver para sua cabeça e disparou. A arma fez... clique! A bala estava reservada para o doutor.

O psicólogo sabia que ia morrer da doença, mas uma morte mais rápida parecia cruzar seu caminho. Diante do fim da sua existência, o psicólogo cagou e urinou nas calças. Nicodemus apenas sorriu.

Apontou o revólver na cabeça do doutor e atirou... Bang! O corpo do ex-padre caiu inerte no chão. Nicodemus Apolinário, no último momento, tirou a própria vida, afinal de contas o suicida era ele, não o psicólogo.

No dia seguinte, as manchetes dos principais jornais do país traziam as seguintes notícias: 1) Vendedor de loja de sapatos se joga da Torre do Shopping Rio Sul e morre na queda. 2) Estudante de Pedagogia é presa após atropelar diversas pessoas por dirigir alcoolizada. Diversas garrafas de uísque e cerveja foram encontradas no interior de seu veículo. 3) Ex-padre se mata com arma de fogo, no consultório de psicólogo renomado, em Copacabana.

FIM