Os porcos vão cear
Entrei e escutei barulho na cozinha.
Escutei risadas, conversa alegre.
Fui até lá e vi a família reunida à mesa.
Parecia que comemoravam alguma data especial, pois no meio da mesa havia um porco assado com um tomate na boca.
Aproximei-me da mesa e senti o delicioso cheiro do porco.
Um homem pediu para darem as mãos e todos rezaram uma oração.
Feita a oração, o homem levantou-se, pegou faca e garfo e passou a cortar o porco assado.
Virei para a janela e percebi uma coisa: ali, atrás do vidro, haviam dois olhinhos assustados.
Quem seria aquele bisbilhoteiro?
Saí da casa e fui lá ver de quem se tratava.
Deparei-me com dois porcos. Um estava ajoelhado no chão para dar sustentação ao outro, aquele que espionava pela janela.
De repente, o porco não agüentou o peso e o porco que estava por cima caiu no chão de um jeito engraçado.
— Você não vai acreditar no que eu vi – disse o porco espião.
— O quê?
— Estão comendo o pobre do Fred!
Os porcos voltaram correndo para o chiqueiro e eu os acompanhei.
Vi quando o porco subiu em um caixote e disse, em voz alta:
— Irmãos, será que vocês não entendem? Eles nos alimentam com segundas intenções. Eles são falsos e traiçoeiros. Lembram-se do Fred, o nosso amigo mais pesado? Pois bem, alimentaram-no o ano inteiro só para lhe devorarem feito canibais. Agora mesmo, neste instante, estão lá comendo a carcaça do nosso irmão.
Os porcos se encheram de repugnância e exigiram vingança em memória do Fred.
Um porco, que estava ao meu lado, sugeriu:
— Olho por olho, dente por dente.
E os porcos se reuniram em uma roda e passaram a cochichar. Pelo o que eu ouvi, estavam tramando algo. Ouvi coisas do tipo “temos de pegar as armas do homem grande”, “eu sei onde ele as guarda, uma vez eu vi”, “depois que as luzes se apagarem na casa, a gente sai”.
Abri a boca em um longo bocejo e adormeci.
Quando acordei, não vi os porcos no chiqueiro. Vi o homem e sua esposa, e os dois filhos, um menino roliço e uma menina magrela – todos nus.
Cinco porcos se aproximaram, sendo que três estavam armados.
— O menino! – ordenou um deles.
Os porcos desarmados entraram no chiqueiro e puxaram o menino contra a vontade dele.
Ele esperneava, se agitava, gritava e se debatia.
— Me levem no lugar dele – suplicou a mulher e eu vi uma lágrima rolar por seu rosto.
— Você ainda não chegou no ponto – respondeu o porco.
— O que pensam que estão fazendo? – perguntou o homem – nós criamos porcos para nos alimentarem e não o contrário. Acha que alguém em sã consciência iria criar e cuidar de um porco para ser comido por ele? Vocês só estão aqui por um motivo: saciar a nossa fome. Então, por que estão fazendo isso?
O porco, que deduzi ser o líder deles, não gostou muito do que ouviu e se aproximou do homem de um jeito ameaçador.
— Para seu governo – disse entre grunhidos – o sonho do Fred era ser astronauta. Você por acaso alguma vez perguntou se ele queria ser servido assado com um tomate na boca, perguntou?
Então o porco desferiu uma coronhada na cabeça do homem e ele desmaiou.
Os outros porcos levaram o menino para uma área cimentada e aonde havia uma banheira velha que seria usada para escorrer o sangue.
Foi estranho ver um dos porcos passar a língua nos beiços, talvez já imaginando o garoto assado em cima do prato.
Quando trouxeram a faca afiada, decidi me afastar; pois temi que o menino demorasse a morrer caso eu tivesse pena de vê-lo ser esfaqueado.