Lua de mel em Trancoso
Após o jantar, que foi ruim, Mário abriu uma porta, pegou a mulher, que não tinha braços e nem pernas, pela cintura e levou-a para a varanda da casa.
— É uma noite linda, oh se é! – disse Mário, olhando e apontando para as estrelas – uma noite assim me faz lembrar a nossa lua de mel, Jéssica. Lembra-se, Jéssica? Lembra-se daquela noite na praia dos Nativos em Trancoso. Era uma noite assim, não era? Céu estrelado, o mar calmo, vindo em pequenas ondas, molhando a areia, as margens, e a gente andando descalço, dando risadas altas, nós dois bêbados, pois passamos a tarde inteira bebendo cervejinha e comendo camarão empanado naquela cabana e na hora de ir embora você lembrou que não havíamos entrado na água do mar e já era noite quando eu paguei a conta. Ficamos andando pela areia por toda a noite. Era como se aquela praia, o céu estrelado, o mar, o som das ondas, era como se tudo tivesse sido feito para nós. Especialmente para nós dois. Que noite aquela na praia de Trancoso! Ah, Jéssica, e você ainda continua tão linda como naquela noite. Não mudou nada!
Mário sorriu para a mulher e passou os dedos em seu rosto.
— Parece que foi ontem – suspirou Mário – Parece que ainda posso sentir o perfume que você usava naquele dia. Parece que o quarto em que nos hospedamos está aqui, agora, na minha frente. Estou vendo a cama em que nos deitamos e que fizemos amor por três dias naquele fim de semana. Estou sentindo sua mão sobre o meu peito ofegante, estou sentindo o cheiro de seus cabelos molhados, estou ouvindo a sua respiração e seu sussurro me dizendo que eu iria acabar te matando de prazer e que você nunca pensou que aquelas coisas poderiam ser tão boas. E quando chegou segunda-feira, tivemos que voltar pra Minas. E você me disse, até hoje nunca esqueci do que você disse quando entramos no ônibus, você disse: “O sonho acabou”. Eu não respondi na hora e depois de tantos anos a resposta ainda está presa na minha garganta. A resposta é “O sonho não acabou, pelo contrário, está apenas começando, pois acabamos de nos casar, Jéssica”.
Mário sentou-se em uma cadeira e colocou os pés sobre uma pequena mesa redonda. Olhou para as mãos enrugadas e envelhecidas.
Tentou buscar mais lembranças de seu sonho, mas elas se apagavam uma a uma. Não encontrou mais nada para dizer e calou-se.
Olhou mais uma vez para o céu.
Não havia nenhuma estrela. Era apenas um céu escuro, tão escuro quanto um abismo.
E olhando para aquela mulher, que ele nem mesmo sabia o nome, e que há quatro anos havia lhe batido na porta pedindo para usar o telefone, pois seu carro havia enguiçado na estrada, Mário resignou-se e bateu com o dedo na cabeça, dizendo:
— Que me importa ser feliz de mentirinha?
Antes de se deitar para sonhar com mais uma noite de lua de mel, Mário pegou a mulher, abriu a porta da geladeira e guardou-a carinhosamente do lado da caixa de leite desnatado.