Uma das coisas que mais intrigavam Paulo era fato de as antigas casas daquela rua serem construídas todas com um porão. Não era um porão igual aqueles dos americanos, onde eles guardam ferramentas, móveis velhos e outras bugigangas. O porão das casas antigas, naquela cidade, na verdade, não serviam para nada. Era apenas um espaço vazio em baixo das casas, com uma janelinha gradeada na frente para o ar entrar, e outra nos fundos para o ar sair, mas sem nenhuma porta, ou qualquer outro tipo de abertura, por onde alguém pudesse entrar nele.
Só servia para criar ratos, pensava Paulo. E era efetivamente isso que o incomodava. Havia, sem dúvida uma colônia de ratos vivendo no porão da velha casa para onde ele se mudara com sua mãe.
Paulo era um jovem que viera do interior para a capital para estudar medicina. Filho único, sua mãe, viúva, funcionária pública aposentada, viera com ele. Achara mais fácil e mais barato alugar uma casa na capital, e vir cuidar do filho único ela mesma, do que alugar um quarto em uma pensão e ainda ter que ficar mandando dinheiro para ele se sustentar durante os oito ou nove anos que o rapaz teria que passar na faculdade e depois, na residência médica.
Por isso alugaram aquela velha casa, quase em ruínas, naquela rua de um bairro antigo. A casa tinha sido construída nos anos vinte. Pelo menos era isso que estava estampada no frontispício dela. Havia uma data que indicava o ano de 1926.
“Engraçado”, pensava Paulo. “ Porque será que numa época em que havia tanto espaço na cidade as pessoas gostavam de construir moradias com paredes meias, como se quisessem economizar espaço e material de construção? Pois quase todas as casas daquela rua, pelo menos as mais antigas, que constituíam a maioria, eram construídas dessa forma. Grudadas umas nas outras, como se estivessem se sustentando mutuamente.
E todas com aqueles malditos porões, criadouros de ratos.
Isso era o que mais incomodava Paulo. O barulho dos ratos no porão. Dava a impressão que alguém morava lá. Toda noite era aquela sinfonia de ruídos, guinchos, barulho de madeira sendo roída. Mas o pior de tudo era encontrar, quase todo dia, um rato na cozinha, roubando comida, fuçando por baixo das mesas ou dentro do armário.
Paulo não era o tipo da pessoa que quando uma coisa o incomoda, senta e fica reclamando. Nem sua mãe era desse tipo. Era gente decidida, proativa, que frente a um problema, busca logo solução. E foi o que eles fizeram. Ao cabo de uma inglória luta de mais de três meses eles conseguiram liquidar a colônia de ratos do porão. Para isso gastaram uns três quilos de veneno, além de matarem alguns a porretadas, dentro de casa.
Mataram todos, menos um. O sobrevivente foi um enorme rato que toda noite subia pelo ralo do banheiro e rapinava a cozinha com a voracidade de um político corrupto frente aos cofres públicos. Paulo já trocara três ralos do banheiro e não adiantara. O danado conseguira roer até o ralo de alumínio que ele pusera lá. E não adiantava botar mais veneno. Paulo e a mãe tentaram vários tipos de marcas, mas nada dera resultado.
Até que um dia ele resolveu que só no muque mesmo ele iria se livrar daquele maldito roedor. Percebera que toda noite ele subia pelo ralo do banheiro. Escutava o barulho dele roendo o ralo, até abri-lo o suficiente, ou deslocá-lo, para que pudesse entrar na casa e saquear a cozinha.
Então, numa noite, ele deixou o ralo novo que havia comprado semi-aberto. Bastava um empurrãozinho para que ele se deslocasse. Por cima dele colocou um balde e ficou a espreita, do lado de fora do banheiro, esperando pelo ruído do rato tentando empurrar ou roer o ralo.
Exatamente á mesma hora de sempre ele ouviu o barulho do danado chegando para o saque noturno. Paulo percebeu que ele não teve muito trabalho naquela noite. Levou poucos segundos para deslocar o ralo e entrar no banheiro. Mas o rato logo viu que estava preso dentro de um balde. Paulo ouviu as cabeçadas dele contra as paredes do balde, tentando achar um meio de sair dele. Então ele empurrou rapidamente o balde para um lado e fechou imediatamente o ralo. Depois subiu no vaso sanitário, munido com um rodo. Virou o balde com o rodo e se viu, frente a frente com o seu inimigo.
Aquilo não parecia um rato. Pelo menos era bem maior do que todos os demais que ele vira, naquela casa ou em qualquer outro lugar. E o bicho parecia não ter medo dele. Ao se ver acuado, o danado se postou no meio do banheiro e ficou a encarar Paulo desafiadoramente. Tinha olhos frios e vermelhos. Abriu a boca de dentes afiados e guinchou assustadoramente, como se fosse uma fera pronta para a batalha.
A batalha começou quando Paulo deu-lhe a primeira porretada com o rodo. O rato guinchou e reagiu. Começou a pular tentando morder o agressor. Paulo deu porretadas a torto e á direita. Levou mais de cinco minutos aquela estranha refrega no meio da madrugada.
A luta estava acirrada e o barulho acordou a mãe de Paulo. Ela correu para o banheiro e abriu a porta para ver o que estava acontecendo. O rato aproveitou a deixa, fugiu do banheiro e escapou pela janela basculante da cozinha, que sua mãe costumava deixar meio aberta para ventilar a casa.
Durante uma semana Paulo repetiu a estratégia. Deixava o ralo do banheiro semi-aberto com um balde em cima. E ficava a espreita com um porrete na mão, esperando que o maldito roedor voltasse. E durante uma semana inteira foi aquela batalha. Nenhum dos dois vencia. O rato levava porrada mas não morria. E sempre achava um meio de escapar. Ora fugia pelo vitrô do banheiro, que Paulo nunca fechava, ora pela porta que a mãe de Paulo abria para ver o que estava acontecendo, ora pelo ralo, que o danado conseguia deslocar.
Paulo estava desesperado. O rato passara a ser a principal preocupação da sua vida. Era como se nada mais interessasse a não ser aquela luta com o maldito. Decidiu que não iria mais brigar corpo a corpo com ele. Tinha a impressão que o rato estava gostando disso e toda noite subia pelo ralo somente para enfrentá-lo. Não saia da sua cabeça aquela postura de desafio e escárnio que o desgraçado assumia toda vez que a briga ia começar. Parecia um pugilista encarando o adversário com aqueles olhares maldosos e frios que um dá para o outro antes da batida do gongo autorizar o início da luta.
Só havia um meio de acabar com aquele problema de uma vez por todas. “A solução”, disse Paulo ao proprietário do imóvel, “é aterrar esse porão”.
“Se você fizer isso por sua conta, sem custo para mim, pode fazer”, disse o português, proprietário da casa.
Foi o que Paulo fez. Chamou um carpinteiro para retirar o piso de madeira da casa sem danificá-lo. Depois encomendou cinco caminhões de entulho e terra, com os quais pretendia aterrar todos os oitenta e poucos metros do inferno onde habitava o demônio que lhe tirava o sono.
Mas antes de despejar a terra, ele desceu ao porão para ver se encontrava o seu inimigo. Queria um último embate com ele. Desta vez levava uma pá. Uma pancada com ela seria capaz de abater um homem.
Com uma lanterna procurou por todos os cantos do escuro e úmido cubículo, que mais parecia uma catacumba de cemitério antigo. Finalmente, depois de alguns minutos ele o viu. Lá estava ele, o maldito, acuado em um canto, desafiador, com aqueles olhos injetados de sangue e os dentes pontiagudos, na horrenda boca aberta, guinchando como um demônio.
A luta começou. A pá golpeava de todos os lados. O rato pulava e atacava, tentando morder Paulo. Uns cinco minutos de luta e ninguém conseguiu vencer. Então o rato se acoitou em um canto, olhou para Paulo com um olhar de escárnio e guinchou desafiadoramente. Em seguida desapareceu por um buraco aberto na base da parede.
Paulo não se deu por vencido. Aquele maldito não ia escapar assim. “Posso cavar até á China, mas vou pegar esse desgraçado”, disse para si mesmo. E começou a cavar o buraco pelo qual ele desaparecera. Ali era a toca do miserável.
Foi então que ele deu com aquela ossada. Um esqueleto humano, intacto, envolto em uma lona puída, estava enterrado ali, na cova do rato. E dentro da ossada craniana, encurralado como um bandido perseguido, o maldito roedor. Ao se ver descoberto, o danado guinchou como um demônio e mais uma vez escapuliu, fugindo entre as pernas de Paulo, que em vão tentou golpeá-lo sem sucesso.
Paulo chamou a polícia, que fez todos os procedimentos de praxe. A perícia determinou que aquela ossada estava ali há pelo menos uns cinquenta anos. A pesquisa forense descobriu que ela pertencia a um sujeito que morou naquela casa durante algum tempo e foi dado como desaparecido. Dizem que era um sujeito muito ruim, que tinha fama de ladrão e assassino.
A ossada foi retirada e teve o destino que normalmente é reservada a esses restos mortais: o ossário de um cemitério. O porão foi aterrado e nunca mais Paulo, enquanto morou naquela casa, viu outros ratos circulando por ali.
A única coisa que não saiu da sua cabeça foi um fato que aconteceu na noite do dia em que a ossada foi retirada dali. Paulo ouviu no banheiro o ruído que indicava que o seu asqueroso inimigo estava roendo o ralo do banheiro para entrar. Ele se muniu da pá e correu para lá, pronto para a briga, que agora, não sabia porque, ele achava que seria a derradeira. Mas quando ele abriu a porta e olhou para ele, o seu sangue gelou nas veias. Um arrepio percorreu sua espinha desde o alto do couro cabeludo até as solas dos pés. Percebeu instintivamente que aquilo não era um rato. Nos dentes pontiagudos, nos olhos vermelhos e perversos, no cheiro malsão que exalava de sua boca aberta, nos guinchos horrendos que dela saiam, Paulo viu que estivera lutando todo aquele tempo com qualquer outra coisa, mas nunca com um rato. Mas desta vez não houve batalha. O coisa-ruim simplesmente abriu a sua horrenda boca em um simulacro de sorriso demoníaco, fez um movimento de corpo como se fosse uma mesura, expeliu um guincho horripilante e desapareceu pelo ralo.
Paulo nunca mais o viu. E também nunca ficou sabendo da luta inglória que o vigia do cemitério, onde a ossada hoje repousa, tem, até hoje, mantido com um maldito e horrendo rato que por lá teima em aparecer todas as noites.
Só servia para criar ratos, pensava Paulo. E era efetivamente isso que o incomodava. Havia, sem dúvida uma colônia de ratos vivendo no porão da velha casa para onde ele se mudara com sua mãe.
Paulo era um jovem que viera do interior para a capital para estudar medicina. Filho único, sua mãe, viúva, funcionária pública aposentada, viera com ele. Achara mais fácil e mais barato alugar uma casa na capital, e vir cuidar do filho único ela mesma, do que alugar um quarto em uma pensão e ainda ter que ficar mandando dinheiro para ele se sustentar durante os oito ou nove anos que o rapaz teria que passar na faculdade e depois, na residência médica.
Por isso alugaram aquela velha casa, quase em ruínas, naquela rua de um bairro antigo. A casa tinha sido construída nos anos vinte. Pelo menos era isso que estava estampada no frontispício dela. Havia uma data que indicava o ano de 1926.
“Engraçado”, pensava Paulo. “ Porque será que numa época em que havia tanto espaço na cidade as pessoas gostavam de construir moradias com paredes meias, como se quisessem economizar espaço e material de construção? Pois quase todas as casas daquela rua, pelo menos as mais antigas, que constituíam a maioria, eram construídas dessa forma. Grudadas umas nas outras, como se estivessem se sustentando mutuamente.
E todas com aqueles malditos porões, criadouros de ratos.
Isso era o que mais incomodava Paulo. O barulho dos ratos no porão. Dava a impressão que alguém morava lá. Toda noite era aquela sinfonia de ruídos, guinchos, barulho de madeira sendo roída. Mas o pior de tudo era encontrar, quase todo dia, um rato na cozinha, roubando comida, fuçando por baixo das mesas ou dentro do armário.
Paulo não era o tipo da pessoa que quando uma coisa o incomoda, senta e fica reclamando. Nem sua mãe era desse tipo. Era gente decidida, proativa, que frente a um problema, busca logo solução. E foi o que eles fizeram. Ao cabo de uma inglória luta de mais de três meses eles conseguiram liquidar a colônia de ratos do porão. Para isso gastaram uns três quilos de veneno, além de matarem alguns a porretadas, dentro de casa.
Mataram todos, menos um. O sobrevivente foi um enorme rato que toda noite subia pelo ralo do banheiro e rapinava a cozinha com a voracidade de um político corrupto frente aos cofres públicos. Paulo já trocara três ralos do banheiro e não adiantara. O danado conseguira roer até o ralo de alumínio que ele pusera lá. E não adiantava botar mais veneno. Paulo e a mãe tentaram vários tipos de marcas, mas nada dera resultado.
Até que um dia ele resolveu que só no muque mesmo ele iria se livrar daquele maldito roedor. Percebera que toda noite ele subia pelo ralo do banheiro. Escutava o barulho dele roendo o ralo, até abri-lo o suficiente, ou deslocá-lo, para que pudesse entrar na casa e saquear a cozinha.
Então, numa noite, ele deixou o ralo novo que havia comprado semi-aberto. Bastava um empurrãozinho para que ele se deslocasse. Por cima dele colocou um balde e ficou a espreita, do lado de fora do banheiro, esperando pelo ruído do rato tentando empurrar ou roer o ralo.
Exatamente á mesma hora de sempre ele ouviu o barulho do danado chegando para o saque noturno. Paulo percebeu que ele não teve muito trabalho naquela noite. Levou poucos segundos para deslocar o ralo e entrar no banheiro. Mas o rato logo viu que estava preso dentro de um balde. Paulo ouviu as cabeçadas dele contra as paredes do balde, tentando achar um meio de sair dele. Então ele empurrou rapidamente o balde para um lado e fechou imediatamente o ralo. Depois subiu no vaso sanitário, munido com um rodo. Virou o balde com o rodo e se viu, frente a frente com o seu inimigo.
Aquilo não parecia um rato. Pelo menos era bem maior do que todos os demais que ele vira, naquela casa ou em qualquer outro lugar. E o bicho parecia não ter medo dele. Ao se ver acuado, o danado se postou no meio do banheiro e ficou a encarar Paulo desafiadoramente. Tinha olhos frios e vermelhos. Abriu a boca de dentes afiados e guinchou assustadoramente, como se fosse uma fera pronta para a batalha.
A batalha começou quando Paulo deu-lhe a primeira porretada com o rodo. O rato guinchou e reagiu. Começou a pular tentando morder o agressor. Paulo deu porretadas a torto e á direita. Levou mais de cinco minutos aquela estranha refrega no meio da madrugada.
A luta estava acirrada e o barulho acordou a mãe de Paulo. Ela correu para o banheiro e abriu a porta para ver o que estava acontecendo. O rato aproveitou a deixa, fugiu do banheiro e escapou pela janela basculante da cozinha, que sua mãe costumava deixar meio aberta para ventilar a casa.
Durante uma semana Paulo repetiu a estratégia. Deixava o ralo do banheiro semi-aberto com um balde em cima. E ficava a espreita com um porrete na mão, esperando que o maldito roedor voltasse. E durante uma semana inteira foi aquela batalha. Nenhum dos dois vencia. O rato levava porrada mas não morria. E sempre achava um meio de escapar. Ora fugia pelo vitrô do banheiro, que Paulo nunca fechava, ora pela porta que a mãe de Paulo abria para ver o que estava acontecendo, ora pelo ralo, que o danado conseguia deslocar.
Paulo estava desesperado. O rato passara a ser a principal preocupação da sua vida. Era como se nada mais interessasse a não ser aquela luta com o maldito. Decidiu que não iria mais brigar corpo a corpo com ele. Tinha a impressão que o rato estava gostando disso e toda noite subia pelo ralo somente para enfrentá-lo. Não saia da sua cabeça aquela postura de desafio e escárnio que o desgraçado assumia toda vez que a briga ia começar. Parecia um pugilista encarando o adversário com aqueles olhares maldosos e frios que um dá para o outro antes da batida do gongo autorizar o início da luta.
Só havia um meio de acabar com aquele problema de uma vez por todas. “A solução”, disse Paulo ao proprietário do imóvel, “é aterrar esse porão”.
“Se você fizer isso por sua conta, sem custo para mim, pode fazer”, disse o português, proprietário da casa.
Foi o que Paulo fez. Chamou um carpinteiro para retirar o piso de madeira da casa sem danificá-lo. Depois encomendou cinco caminhões de entulho e terra, com os quais pretendia aterrar todos os oitenta e poucos metros do inferno onde habitava o demônio que lhe tirava o sono.
Mas antes de despejar a terra, ele desceu ao porão para ver se encontrava o seu inimigo. Queria um último embate com ele. Desta vez levava uma pá. Uma pancada com ela seria capaz de abater um homem.
Com uma lanterna procurou por todos os cantos do escuro e úmido cubículo, que mais parecia uma catacumba de cemitério antigo. Finalmente, depois de alguns minutos ele o viu. Lá estava ele, o maldito, acuado em um canto, desafiador, com aqueles olhos injetados de sangue e os dentes pontiagudos, na horrenda boca aberta, guinchando como um demônio.
A luta começou. A pá golpeava de todos os lados. O rato pulava e atacava, tentando morder Paulo. Uns cinco minutos de luta e ninguém conseguiu vencer. Então o rato se acoitou em um canto, olhou para Paulo com um olhar de escárnio e guinchou desafiadoramente. Em seguida desapareceu por um buraco aberto na base da parede.
Paulo não se deu por vencido. Aquele maldito não ia escapar assim. “Posso cavar até á China, mas vou pegar esse desgraçado”, disse para si mesmo. E começou a cavar o buraco pelo qual ele desaparecera. Ali era a toca do miserável.
Foi então que ele deu com aquela ossada. Um esqueleto humano, intacto, envolto em uma lona puída, estava enterrado ali, na cova do rato. E dentro da ossada craniana, encurralado como um bandido perseguido, o maldito roedor. Ao se ver descoberto, o danado guinchou como um demônio e mais uma vez escapuliu, fugindo entre as pernas de Paulo, que em vão tentou golpeá-lo sem sucesso.
Paulo chamou a polícia, que fez todos os procedimentos de praxe. A perícia determinou que aquela ossada estava ali há pelo menos uns cinquenta anos. A pesquisa forense descobriu que ela pertencia a um sujeito que morou naquela casa durante algum tempo e foi dado como desaparecido. Dizem que era um sujeito muito ruim, que tinha fama de ladrão e assassino.
A ossada foi retirada e teve o destino que normalmente é reservada a esses restos mortais: o ossário de um cemitério. O porão foi aterrado e nunca mais Paulo, enquanto morou naquela casa, viu outros ratos circulando por ali.
A única coisa que não saiu da sua cabeça foi um fato que aconteceu na noite do dia em que a ossada foi retirada dali. Paulo ouviu no banheiro o ruído que indicava que o seu asqueroso inimigo estava roendo o ralo do banheiro para entrar. Ele se muniu da pá e correu para lá, pronto para a briga, que agora, não sabia porque, ele achava que seria a derradeira. Mas quando ele abriu a porta e olhou para ele, o seu sangue gelou nas veias. Um arrepio percorreu sua espinha desde o alto do couro cabeludo até as solas dos pés. Percebeu instintivamente que aquilo não era um rato. Nos dentes pontiagudos, nos olhos vermelhos e perversos, no cheiro malsão que exalava de sua boca aberta, nos guinchos horrendos que dela saiam, Paulo viu que estivera lutando todo aquele tempo com qualquer outra coisa, mas nunca com um rato. Mas desta vez não houve batalha. O coisa-ruim simplesmente abriu a sua horrenda boca em um simulacro de sorriso demoníaco, fez um movimento de corpo como se fosse uma mesura, expeliu um guincho horripilante e desapareceu pelo ralo.
Paulo nunca mais o viu. E também nunca ficou sabendo da luta inglória que o vigia do cemitério, onde a ossada hoje repousa, tem, até hoje, mantido com um maldito e horrendo rato que por lá teima em aparecer todas as noites.