OS SUSSURROS DO OUTRO LADO DA PORTA
 
I
 
Pode-se dizer que Alex já havia tentado se matar cinco vezes. Estava ele a frente do espelho, no banheiro com uma gilete. O espelho profundo lhe encarava num reflexo infinito de desgraça. O rosto gótico se assemelhava a um cadáver sem vida.
Uh! — Suspirava Alex vidrando a si mesmo no espelho, indagando-se sobre sua vida e tudo que poderia acontecer dali pra frente.
— Vá em frente... corta... corta...
A voz grossa e abafada sussurrava da porta entreaberta em seu quarto, do pequeno guarda-roupa embutido na parede. Um guarda-roupa ao qual seus pais se negavam em trocar. Era um guarda roupa velho, com cerca de vinte cinco anos, mofado e caindo aos pedaços.
Alex continuou olhando, penetrando sua mente e alma na infortuna ideia de morte. Quais dedos começaram a surgir por entre a borda da porta, dedos finos e negros com unhas vermelhas cheia de espinhos. Os dedos tentavam abrir a porta, tentavam como se pedisse a autorização de Alex.
— Corta logo... deixe-me ver o seu sangue... deixe-me ver...
Quando notou que aquilo o espreitava por trás da porta, uma coisa enorme parecendo um demônio com olhos vermelhos, chifres como os de cabra, pele escura como lodo negro e olhos vermelhos, rubros como sangue, ele voltou seus olhos ao espelho em pânico suando e o que viu destruirá o resto de sua sanidade.
Viu que no lugar se seus olhos acendia uma sombra monstruosa. Suas orbitas estavam preenchidas por buracos negros dos quais saiam moscas.
— Eu vou me matar, eu vou me matar... eu vou me...
Abruptamente uma mão somou-lhe o ombro, tirando-o do transe. A lamina da gilete já encostando na carne.
Alex se virou.
— Corta...
Alex virou-se devagar.
— Corta agora...
Alex prontificou os olhos, e enquanto virava-se viu...
— Deixa esse sangue escorrer, corta logo...
Alex levou um sustou, jogou-se para trás na direção da banheira, sua respiração estava acelerada e seu coração palpitava, pulsando.
— Filho... o que você está fazendo.
Clara surgiu. Sua mãe voou como uma cobra em seu braço tirando-o de sua mão o gilete.
— Você não tomou seus remédios, não é mesmo Alex. Você tem que toma-los.
Clara correu para o celular e ligou para o doutor Sergio.
— Doutor! Doutor!
— Oi quem fala.
— Aqui é a Clara. Clara Martins. Por favor Doutor, você precisa me ajudar, ele estava tentando de novo, DE NOVO.
— Acalme-se Clara, precisa se controlar. Esquizofrenia é assim, precisa envolve-lo nos remédios.
— Eu estou Doutor. Mas ele não para...
— Não para o que?
— Ele fica dizendo que tem alguém atrás da porta do guarda-roupa, alguém lá diz para ele se matar.
— Isso é normal no estágio dele. Provavelmente sua mente está se confundindo a ponto de acreditar que existe alguma coisa no armário. Precisa aumentar as dozes dos remédios e mostra-lo que não existe nada no guarda-roupa.
II
 
Uma semana depois
 
— Vamos Alex, você precisa fazer isso.
Alex se recusava a entrar no quarto.
— Não mãe, ele está ai dentro... não vê o sangue...
— Para com isso Alex. Não tem nada ai.
Alex estava com o pulso coberto de cicatrizes e a menos de dois dias havia desenhado um símbolo estranho no peito. Clara tentou pesquisar mas não descobriu nada sobre aquilo, nada... porém, após consultar um padre, ele soube na hora que viu que se tratava de uma palavra, “Morte”.
O padre lhe avisou que aquele era um idioma antigo, um tipo de hebraico arcaico.
— Por favor filho.
Clara lhe puxava pelo braço para ele entrar no quarto, enquanto ele se debruçava no chão para não entrar no cômodo.
Alex vira por trás da porta uma coisa, aos olhos de Clara o quarto estava aceso e normal, mas aos olhos de Alex o quarto estava apagado e a única coisa que vira eram dois olhos vermelhos, rubros como sangue e uma boca cheia de dentes que babava, como quem espera pela refeição. A criatura espreitava por de trás da porta do guarda-roupa.
 
Uma hora da tarde
 
Clara não conseguira levar o filho para dentro do quarto como o médico dissera, e começara a ficar aflita. Alex estava sentado no sofá com as mãos na cabeça e as pernas juntas, dobradas tocando a testa. Ele não parava de pronunciar uma frase.
— Aquilo vai me matar... aquilo vai me matar... aquilo vai me matar...
A mãe tentava lhe acariciar a cabeça para tentar acalma-lo, mas Alex tremia, suava e soluçava.
Quando o padre chegou.
— Esquizofrenia. Acho que não Clara. Deixe-me ver o quarto.
Logo quando entrou no como sentiu algo que nunca sentira antes, algo ao qual estará preparado a muito tempo, mas que nunca presenciou. O padre pediu que lhe deixa-se sozinho dentro do quarto que ele iria expulsar qualquer entidade maligna que houvesse naquele lugar e que fustigasse Alex.
Enquanto estava lá dentro ele começou a rezar.
— Pai nosso que estas no céu, livres este lar de todo o mal, porque acreditamos no seu poder...
As luzes começaram a piscar e a voz do padre se distorceu, tornou-se diferente, hora grave, hora aguda, hora rouca. As luzes lampejavam em raios violentos de força até que um clarão estourou dentro do quarto, fazendo toda a casa tremer.
A polícia foi chamada, mas o padre não foi encontrado.
 
III
 
Alex era o terceiro filho de Clara. Clara tivera seus filhos com Eduardo um homem muito bem representável, trabalhador, que numa noite sumira, a família foi procura-lo, mas a última pessoa a vê-lo fora seu chefe as onze da noite de sexta-feira.
O primeiro filho que Clara teve foi uma menina e morrera no parto, nascera sem olhos, com braços atrofiados e esquelética, ao qual quando colocaram na mesa ao lado da mãe, sua pele derreteu como manteiga. Desde aquele dia Clara nunca mais quis ter um filho. — Já pensou ter um filho sem olhos, SEM OLHOS, e velo se desmanchar, ver sua carne escorrer de seus ossos na sua frente no momento do parto.
Contudo como a vida é um mar de incertezas, Nicolas veio em seguida, era ele um menino forte, nasceu sem problema algum. Clara lhe chamava de; meu sorriso de mel. Pois fora seu sorriso que sempre lhe motivara a continuar.
Quando perdeu sua primeira filha, Clara entrou em depressão, uma doença forte que destruiu dois anos da sua vida e quase lhe custou seu casamente.
No dia treze de março de 1993, Nicolas acabara de completar cinco anos e brincara na sala de estar enquanto sua mãe lavava louça, de repente ouviu um grito avassalador de Nicolas e correu deixando os pratos caírem no chão, quando chegou na sala encontrou um rastro de sangue que levava até o quintal, lá encontrou um cão desconhecido, um Rottweiler rasgando seu filho ao meu, viu-lhe abrir o estômago e rasgar as tripas, comendo seu fígado e estraçalhando com os dentes suas entranhas.
O sangue jorrava, o menino ainda se movia, mesmo com a cabeça do animal dentro de sua barriga. Daquele dia em diante, Clara nunca mais parou de chorar, nunca mais. Sempre que se lembrava dos momentos que passara com seu filho entrava em estado catatônico de tristeza absoluta. A imagem de seu filho sendo estraçalhado por aquele animal lhe deixara tão abalada que Clara nunca conseguiu superar, nem mesmo após ter seu terceiro filho e perder seu marido. Aquela imagem não saia de sua cabeça. O cachorro conseguira entrar em sua casa, pois estranhamente a porta da sala estava aberta e Clara se culpava infindavelmente por aquilo, ela acreditava que fosse ela que houvesse deixado aberto, mas ao muito mais obscuro ocorreu naquele dia, enquanto via o seu filho naquele estado, notou uma sombra, algo disforme mas com chifres correndo, correndo para mais longe do que seus olhos puderam acompanhar.
A sombra saíra de dentro do corpo do cão e logo em seguida, logo após a sombra fugir, o chão ficou tão manso que sentou-se no chão como se fosse adestrado.
Clara teve seu terceiro filho quatro anos depois e como no parto anterior, este fora normal. Ela nunca imaginava que conseguiria ter outro filho — não... outro não, preferia morrer. Mas teve afinal. Porém, exatamente no dia seguinte ao parto seu marido sumira...
Ela acreditava em Nicolas do fundo de seu coração, mesmo depois de ter se assumido Gay, ela ainda tinha esperanças em criar um filho, alguém que ela pudesse amar e proteger, infelizmente novamente isso não ocorreu, pois Nicolas após os treze anos começou a apresentar transtornos mentais como paranoia e esquizofrenia. Não parava de falar sobre coisas que se escondiam no escuro e que o seguiam, mas sussurravam, sussurravam coisas infernais e uma delas tinha a ver com sua mãe. Nicolas dissera que aquilo iria lhe perseguir pelo resto da vida.
 
IV
 
Três meses depois
 
Logo após se mudarem de estado, Nicolas teve uma melhora repentina, a esquizofrenia que só vinha aumentando diminuiu e seus problemas com paranoia também.
Clara encontrou outro homem, chamava-se Fabio. Fabio a fizera de certo modo sentir-se segura. Fabio era alto e tinha um condicionamento físico valoroso.
Casaram-se dois anos depois, casamento estupendo, algo digno, algo que ela nunca havia comtemplado antes. Enfim aquilo estava acabado. Seus anos de dor e sofrimento acabara. Entretanto só haviam começado. No dia do casamento, quando cortaram o bolo, Clara viu um olho dentro do bolo, depois sangue. Então olhara para os lados e não acreditou no que viu, todos ao seu redor pareciam monstros, seres pavorosos, saindo fumaça do corpo, todos com chifres e alguns até com assas e carapaça. Um dos demônios se aproximou dela. Clara pegou a faca e o acertou no peito...
Quando voltou a si, notara que o corpo em que a faca havia sido enfiada era no de seu filho. Clara lhe havia esfaqueado no peito, e ele morrera na hora.
Clara ouvia risos, alguém ria em seus pensamentos, ria como louco em uma voz grossa e monstruosa. Ria dizendo.
— Agora é sua vez.
Clara foi julgada por homicídio culposo, quando há intenção de matar, os médicos nem consideraram psicopatia, transtornos nervosos, ou devaneio momentâneo.
Ela fora condenada a pena de morte. Enquanto estava sentada na cadeira esperando os momentos finais. Clara ouvia a mesma voz que ouvira a vida inteira. Porém, desta vez dizia.
— Sua alma agora será minha.
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 03/11/2017
Reeditado em 03/11/2017
Código do texto: T6160836
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