CLTS

De repente... um vazio. Não tenho certeza se ainda era eu, eu carne, eu gente. Ou se já passara para o outro lado. O fato é que abri os olhos – ou algum tipo de consciência - e me senti perdido. Abandonado. Era algo assemelhado à saudade de uma perda recente, como se algo bom tivesse se despedido... mesmo que temporariamente.

Somente brumas gélidas envolviam o meu ser naquele momento, apenas a branquidão vazia tomava o horizonte. Levantei os braços na vã tentativa de tocar em algo, achar um rumo. Dei-me conta, então, que ainda era gente. Passos trôpegos e incertos se seguiram um a um em tentativa débil de sair do nada em que me encontrava. E foi ai, numa fração de segundo, num átimo de tempo daqueles que pode mudar tudo que tive a exata sensação de ter enxergado algo no meio daquele vazio terrível. “Uma luz no fim do túnel”, pensei. Era, na verdade, uma luz as avessas. Era escura. Um ponto escuro na imensidão branca. Sorri. Não sei bem o motivo, mas minha alma sorriu também. Finalmente, mais uma vez, eu tinha para onde ir. Apressei o passo com cuidado e rumei para o ponto escuro. Quando me aproximava, pude perceber que não era exatamente um ponto: um retângulo.

Como se fosse uma tabuleta em um poste, aquele retângulo cor de madeira escurecida pairava no ar, sem apoio. Do chão onde me encontrava eu não conseguia ler o que dizia naquela pequena tábua, só distinguia a seta. Havia uma seta que apontava para o desconhecido. Mas e as letras? Dava para ver que uma inscrição curta precedia a seta indicativa. E a maldita tabuleta estava pregada num poste que não existia. Nem escalar eu poderia. Tentei saltar... e então percebi que o que eu pisava não era chão, era, talvez, parte do nada que eu enxergava desde que abri os olhos. Afundei. Fiquei bem mais distante da tal tabuleta. Tive medo. Na verdade, passei a entender que o lugar em que me encontrava não era o que eu pensava ser e, assim como a tabuleta não tinha poste, eu não tinha chão. “Eis a resposta”, pensei.

Sem questionar mais nada, determinei a mim mesmo que caminharia para cima. Um passo após outro, fui subindo, sem esforço algum até alcançar a pequena tabuleta. Peguei-a nas mãos com o coração aos saltos. E com ela cai. Cai durante bastante tempo. Rolei. Com aquele pequeno pedaço não sei de que. Rolei durante muito tempo. No vazio, no branco, nas brumas. Meu corpo parou repentinamente em um chão firme. As brumas ainda existiam, mas dava para ver que estavam se dissipando. Então olhei finalmente para a tábua que tinha nas mãos. Apenas quatro letras estavam grafadas a fogo na superfície de madeira: CLTS. Eu não fazia a mínima ideia do que aquilo queria dizer. Encarnando Robert Langdon, passei a conjecturar: Centro Lusitano de Teorias Sociais, talvez. Comunidade Lírica Temos Som, Cara Louco Tentando Saber? Ri de minha própria bobagem e examinei o verso da pequena placa. Outras letras estavam ali: JK, IP, GR, JA. Enroscou. Mais uma vez, fiquei no vazio. E mais uma vez o professor Langdon me tomou. Fiquei tentando saber o que significavam aquelas letras. Depois de muitas alternativas, decidi ficar com “ endereço do computador de um grande presidente do passado deveria ser acessado imediatamente”. Quase gargalhei deste pensamento. Mesmo sem saber o que significavam todas aquelas letras, tive uma sensação de firmeza, de credibilidade e, além disto, era um rumo a seguir. E a pequena flecha continuava ali, apontando para algum lugar. Mas que lugar? Eu tinha caído, rolado para todos os lados. Como saber a direção a seguir? Decidi, então, ir para onde a seta a pontava naquele exato momento. E fui.

A branquidão estava sumindo rapidamente, o chão era firme e eu continuava andando seguindo o caminho indicado. Vi que andava sobre uma relva macia, não muito alta, gostosa de pisar. Depois de algum tempo a branquidão se dissipou totalmente e pude perceber que me aproximava de uma mata fechada, mais parecia uma Floresta Assombrada. Mesmo assim embrenhei-me naquela selva gelada, parecia Inverno de tão frio. Então começaram os sons. Parecendo vir das entranhas da floresta escura, o que lembrava o lamento de mil Bruxas gelava-me os ossos. Persisti e continuei avançando no meio da mata. Os lamentos cessaram depois de algumas horas de aflição, e sons novos tomaram meus ouvidos. Vozes. Música. Parecia algum tipo de Festa de Final de Ano.

Saí da floresta e cheguei a uma clareira grande. Muitas pessoas estavam reunidas ao longe. E muitas mais estavam chegando, como eu. Todas carregavam suas tabuletas, com sorrisos de felicidade. Dava para perceber que era um reencontro, as pessoas já se conheciam de algum lugar. Quando me aproximei ainda mais, pude ver que não era uma festa de final de ano, mas de início de um novo tempo.

O S Berquó
Enviado por O S Berquó em 02/11/2017
Código do texto: T6160635
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.