Congresso dos Anticristos
Davi era diferente. Desde criança, havia uma crueldade naquele menino, um ódio no olhar, maldade nas ações.
No jardim de infância, ele decepou o dedo dum colega com estilete; na primeira série, furou o olho duma menina com um lápis; na terceira série, enfiava ratos mortos nas bolsas das professoras. Passagens pela polícia, diretoria e conselho tutelar foram inúmeras.
Joana, sua mãe, não sabia a quem mais recorrer, visitou psicólogos, padres e a cinta lambia a bunda do menino quase que diariamente.
Numa manhã, Davi despertou Joana.
— Mãe, temos de viajar.
— Para onde, Davi?
— Para o sul — a voz sombria revelou.
— Não vamos a lugar algum.
Mas Davi infernizou tanto que convenceu sua mãe. Arrumaram as malas e embarcaram no carro, rumo ao sul.
Treze dias depois, chegaram a um galpão, onde dezenas de automóveis estavam estacionados.
— É aqui — Davi anunciou.
Entraram no galpão, todo decorado em negro e vermelho, uma cruz invertida sobre um palco, figuras de Satanás por todo lado. A mãe se assustou:
— O que é isto, Davi?
— Meu pai me chamou.
Davi descobriu, porém, que seu pai era pai de muitos. Filhos de Satanás? Mais de uma centena, de recém-nascido a idosos, todos congregados naquele culto satânico.
O menino se enfureceu. Só podia haver um anticristo, esta era a profecia, apenas um podia ser o filho do diabo. Como é que Satanás podia ser tão egoísta, tão fértil? Deveria respeitar as predições, existentes desde de tempos imemoriais.
Davi roubou o isqueiro dum velho bigodudo, foi até a coxia do galpão e ateou fogo em papéis e tecidos. Por fim, deixou o recinto, trancou as portas e ordenou a sua mãe que fossem embora.
Enquanto o carro se afastava, a fumaça se erguia do galpão.
— O que é aquilo? — Joana cuidava pelo retrovisor.
— Sou filho único agora — Davi ria.