No Hall da Loucura
Em um restaurante chique, em algum lugar da zona sul do Rio de Janeiro.
-Então, me fale mais de você. É psicóloga, não é?
-Isso mesmo – ela respondeu, levando um pedaço do filé a boca. –Recentemente estou trabalhando em uma pesquisa sobre fobias. Sabe, aqueles medos meio irracionais que a gente sente às vezes.
-Parece bem interessante.
-E é. Já reparou que a maioria dos nossos medos tende a fluir de coisas completamente comuns?
Era um encontro romântico, mas ele queria saber mais do seu trabalho. Visivelmente não parecia começar uma conversa e ela estava pouco interessada em ir para casa dele para uma transa mal dada depois. Então simplesmente continuou o assunto.
-A gente percebe isso até mesmo nos filmes, sabe? Lembra aquele da ‘fita de vídeo’ que ao assistir você morre em sete dias? Existe coisa mais comum que ver um vídeo? Ou o brinquedo que se mexe e esfaqueia crianças a noite? Até mesmo aquele do assassino que mata pelos sonhos, torna o simples ato de dormir uma situação de vida ou morte. E é por isso que nos assustamos tanto. Temos medo de ver uma situação comum fugir do controle de forma que se torne uma situação de vida ou morte.
O homem bebia um gole do vinho, distraidamente.
-Então é por isso que as pessoas têm medo de palhaços ou baratas?
-Sim, basicamente. Também são coisas corriqueiras.
-Mas que podem se tornar perigosas, né? Uma barata pode dar doenças ou um serial killer se vestir de palhaço.
Ambos riram.
-Você tem medo de algo? – ela perguntou.
Ele ficou um pouco constrangido, mas respondeu em tom de brincadeira. Queria passar confiança a ela.
-Tenho medo de escadarias de apartamentos. Jamais subo pelas escadas, se o faço me sinto tonto e sufocado. Sabe, são lugares onde qualquer coisa pode acontecer e ninguém vai te socorrer. Espaços confinados, quase claustrofóbicos.
Ela sorriu. De certa forma compreendia. A solidão, escuridão parcial e o ar sufocado eram realmente assustadores.
-E você? O que te assusta?
Ela riu.
-Nada. Nunca tive muito medo desse tipo. Da morte, mas quem não tem? Moro sozinha a anos e te juro que nunca corri de uma barata!
-Nem das que voam?
-Nem das voadoras!
As risadas seguiram. Ele até que era divertido, mas já estava ficando tarde.
Algum tempo depois ele estava a caminho de casa, desapontado pela recusa dela se juntar a ele para ‘beber mais uma vodca na minha casa, de apenas um andar’. Ela aguardava um táxi numa esquina relativamente movimentada.
Era cerca de duas e meia da manhã quando chegou a frente ao seu apartamento. Estranhou as luzes do ‘hall’ apagadas e a ausência do porteiro. Deveria estar no banheiro ou fumando um cigarro no estacionamento, afinal aquela hora era entediante.
‘São apenas quatro andares, irei de escadas’, pensou. Mas logo se lembrou das palavras de seu acompanhante dessa noite. De fato, ao abrir a pesada porta de metal que separava o hall da escadaria, contemplou apenas seis ou sete degraus, ao passo que os outros eram imersos na mais profunda escuridão. Um vento frio, um ar pesado e viciado invadiu sua boca e narinas.
Fechou a porta e se voltou para o elevador. Pressionou o botão de ‘descida’ e o visor luminoso se acendeu, exibindo que o mesmo se encontrava no décimo terceiro andar.
Seu coração disparou, conforme a adrenalina correu em suas veias. Seus olhos marejaram de lágrimas. Podia sentir os músculos retesados, pronta para correr em disparada a qualquer segundo.
Aquele ‘13’ exibido em vermelho-sangue no mostrador queimava seus olhos como a visão do mais assustador dos fantasmas – pois naquele momento ela se lembrara que seu prédio, este prédio exato no qual se encontrava no hall naquele momento, possuía apenas dez andares.
Caminhou pelo tapete macio até a portaria, na esperança de encontrar alguém. Deparou-se apenas com o monitor que mostrava as câmeras, sujo de uma espessa substância vermelha. A câmera em cinza, mostrava alguém, uma figura de preto encapuzada, olhando-a diretamente.
Estava olhando para ela. De pé, no estacionamento, encarando a câmera de segurança. Alguma coisa prateada brilhava em suas mãos.
Sem pensar duas vezes, ela correu em direção a porta de vidro, em desespero. Pegou o celular dentro da bolsa, desajeitada e começou a discar o número do homem que a acompanhara no jantar mais cedo essa noite.
“Espero que ele ainda esteja acordado e com realmente muito tesão pra me receber na sua ‘casa de só um andar’ a essa hora da madrugada”.
E quase saltando porta a fora, começou a buscar um táxi pela avenida deserta.
Completamente deserta.