O fã
Silmar Araújo tinha sua estante abarrotada de livros, quase todos de um mesmo gênero: a autoajuda. Silmar os comprara buscando melhorar sua vida monótona e sem grandes atrativos. Por ser esquisito na aparência (era baixo e gordo como um duende de jardim) e na personalidade (era antissocial como um eremita e irascível como uma serpente pronta para dar o bote), Silmar não tinha amigos e muito menos namorada. Era pobre, mas não miserável. Fazia pequenos bicos para pagar suas contas, geralmente como pintor e eletricista. Vivia numa casa alugada de dois cômodos, numa rua deserta e sem saída do Engenho de Dentro, bairro suburbano carioca onde se localiza o estádio do Botafogo, o Engenhão.
Silmar comprava os livros geralmente em sebos e, quase sempre, mais de dois por vez. Em sua biblioteca, havia livros de programação neurolinguística, sobre a lei da atração, sobre o pensamento positivo e até livros religiosos como a Bíblia e a Torá. Autores consagrados estrangeiros e brasileiros como: Lea Soft, Napoleon Hill, Joseph Murphy, Norman Vincent Peale, Lair Ribeiro e Dale Carnegie eram alguns dos muitos a fazer parte de sua vasta coleção.
Os livros de autoajuda “ensinavam”, por meio de conselhos e lições, como se curar de uma doença grave, encontrar um grande amor, se realizar no trabalho, ou ainda como ser tão bem sucedido quanto Paulo Coelho. Entretanto, apesar de tais livros terem ajudado (e continuarem ajudando) muitas pessoas no Brasil e mundo afora, eles não foram capazes de realizar os desejos mais recônditos de
Silmar: ser rico, famoso, respeitado e se casar com uma linda mulher. O mais próximo que Silmar Araújo chegou do “sucesso”, lendo tais livros, se é que se pode usar esta palavra como parâmetro, foi arrumar uma namorada mocreia (ela não tinha os quatro dentes centrais e era estrábica dos dois olhos) que o traiu com uma mocreia mais feia que ela, após, apenas 3 semanas de namoro; e montar uma empresa de doces caseiros que faliu, após dois meses de funcionamento, por falta de clientes.
Silmar seguia as lições dos livros passo-a-passo, mas sempre com um pé atrás, com certa desconfiança. Pedir-acreditar-receber, eis o tripé sobre o qual se sustenta a autoajuda. Silmar pedia, mas como não acreditava realmente na realização de seus desejos, não recebia (não materializava) o que pedia. Porém, para Silmar, a culpa não era de sua falta de fé, mas sim dos livros de autoajuda, de seus autores e de toda indústria de livros de autoajuda que lucrava milhões enquanto enganava leitores fiéis e crédulos como ele.
Mas Silmar ia pôr um fim nisso. Afinal de contas, ele gastara muito tempo e dinheiro alimentando este mercado e, parodiando a música de Lobão, Revanche: alguém precisava pagar por isso.
Silmar Araújo vestiu sua melhor roupa: um terno preto surrado com uma gravata azul celeste desbotada e calçou sapatos marrons com solas desgastadas pelo uso. Perfumou-se com a colônia que ganhara de sua mãe, pouco antes dela ir se encontrar com Deus, e comeu sua comida preferida: sardinha em lata com espaguete à bolonhesa. Por quê? Porque, como já dizia uma famosa atriz global: “hoje é dia de rock, bebê!” Era um dia especial para Silmar, porque ele se encontrará com Lea Soft, sua escritora de autoajuda preferida. O encontro dar-se-á na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca. Lá, a escritora gaúcha lançará seu mais novo livro: O Sucesso só depende de... Você!, que certamente será mais um sucesso de vendas como todos seus 30 livros anteriores.
Era mais um encontro entre escritores e seus fãs na Bienal do Livro carioca. Havia estandes com livros de diversos gêneros literários: romances, ficção, biografias, poesias, livros técnicos e didáticos, contos e... autoajuda!
Silmar Araújo esperava sua vez, pacientemente, na longa fila de autógrafos que dava voltas como como um dragão chinês. Depois de longos 50 minutos de espera, Silmar ficou, finalmente, frente a frente com Lea Soft, uma das mais famosas escritoras de livros de autoajuda do Brasil e do mundo. Ele entregou à famigerada escritora seu exemplar do livro para que ela o autografasse.
Enquanto ela autografava o livro, Silmar Araújo disse a Lea Soft, com um sorriso estampado no rosto, que lera todos seus livros e que ela era a primeira de “sua lista”.
Lea sorriu e lhe perguntou, vaidosamente, que lista era essa, imaginando ser uma lista dos escritores preferidos dele, e Silmar, agora com um semblante carregado de ódio, não titubeou: sacou seu revólver calibre 38 do bolso interno do paletó e, sem nenhum remorso, atirou na cabeça daquela que fora seu ídolo.
Silmar Araújo, um fã antes devotado e agora revoltado, exprimira toda sua decepção com sua escritora predileta de livros de autoajuda que, a partir deste momento, não mais enganaria leitores tão fiéis e crédulos como ele.
“As coisas mudam.”