Vibrações Noturnas
Estou ficando louco. Venho perdendo a razão há muitos dias, e a cada minuto a toxina da confusão corre com mais intensidade em minhas veias, arrepiando cada centímetro de meu corpo e me deixando em estado caótico, qual eu nunca havia imaginado antes. Virei total refém dos sons do ambiente e dos elementos visuais que me cercam. O viver tornou-se uma agonia, conheço apenas o desespero. Desespero esse que, hora me faz rolar de raiva, hora me deixa completamente imóvel, fitando algum ponto no vazio. Depois daquele dia, minha mente anseia desesperadamente pelo o fim: Apenas a morte pode acabar com isso. Estou escrevendo essas linhas com dificuldade e persistência, pois desabafar e contar minha história será meu último artifício.
Antes de minha enfermidade, pescar era um hábito rotineiro para mim. Sempre aos fins de semana, me dirigia de minha casa até um lago próximo na região, enfrentando sol ou chuva. Lá eu acalmava minha alma e esquecia qualquer mal, embora hoje trema até os ossos apenas por pensar sobre qualquer vida marinha. O sol lançava suas luzes pela terra em um dia como qualquer outro quando eu fiz, sem saber, a última pescaria de minha vida. Naquele fatídico dia não peguei nenhum peixe, mas estava me sentindo leve por poder esquecer o trabalho, pelo menos por algum tempo.
Já estava me preparando para sair quando a noite lançou sua coberta negra e estrelada por todo o céu. Um amontoando de nuvens seguiram os passos da escuridão, e rapidamente começaram a cobrir os céus, tendo seus movimentos denunciados pela lua cheia. Olhei para cima e calculei que uma forte chuva viria. Voltei com o barco para a terra firme e comecei a guardar meus equipamentos, sem pressa.
O que eram apenas pequenas gotas de água caindo sobre minha pele se tornou um verdadeiro aguaceiro, encharcando minhas roupas e me privando a audição. Sem tempo, puxei o barco o mais longe que pude da água e deixei meus equipamentos de pesca embaixo de uma árvore. A chuva ficava cada vez mais forte, o que considerei um castigo dos céus pelo meu hábito de modificar a natureza daquele ecossistema. Olhando para os lados, quase desesperado, fitei uma velha construção abandonada, cerca de vinte metros longe de mim. Era velha, mas parecia em estado suficientemente bom para abrigar um homem temporariamente sem teto. Eu ainda não conseguia distinguir a cor dos muros, porém era perceptível a presença de uma porta e algumas janelas fechadas.
Sem pensar muito, corri até a residência abandonada. Percebi agora que as paredes eram brancas e que a porta estava aberta e em melhor estado que o resto da casa – Eu não tinha pensado sobre isso, mas era um risco que teria de correr. Os pingos de chuva batiam em meu rosto e corpo, causando incômodo. Minha cara estava completamente molhada e minhas vestes ensopadas, dificultando minha visão, mas nada adiantaria ser feito enquanto eu ainda estivesse à mercê daquele aguaceiro. Andei mais alguns passos curtos e empurrei de leve a porta, que abriu com um ranger destacado no meio da tempestade.
Trovões gritavam nos céus e relâmpagos iluminavam rapidamente a completa escuridão. Em um desses momentos, consegui fitar a casa mais nitidamente, como se uma lâmpada fosse acesa por menos de um segundo em um quarto escuro, e logo pagada, deixando tudo novamente imerso nas trevas. Fiquei mais alguns segundos esperando que outro presente dos céus me trouxesse de volta a visão de uma fachada em estilo rural, mas um forte trovão forçou-me a entrar.
Mal pude visualizar o interior de meu abrigo, e uma lufada de ar entrou pela abertura deixada anteriormente. Um frio tão forte como eu nunca tinha sentindo me envolveu com seu abraço gélido antes da porta se fechar atrás de mim e me deixar no breu. Após o cessar da breve ventania, fechei com mais força minha jaqueta ensopada. Tremi dos pés à cabeça, e por tanto tempo que pensei que não resistiria. Quando enfim houve calmaria, tentei em vão analisar o interior da velha e abandonada casa.
Não enxergava um palmo em minha frente, devido à completa escuridão. Por um momento, senti um vazio infinito em minha alma, e fui tomado por um horror indescritível ás trevas. Quase saí correndo dali apavorado, mas minha racionalidade falou mais alto: seria uma ideia estúpida e infantil. Me acalmei, mas meu corpo e mente ainda não haviam se adaptado à falta de luz. Andei por alguns minutos, em círculos, procurando algum obstáculo, algo provando que eu não me encontrava perdido em um vácuo eterno, tomado pelas trevas e o temido nada.
Ainda escutava o som da tempestade, embora abafado. Tal situação me fazia sentir como se estivesse preso em um baú gigante, quase vazio, e que fora deixado em algum lugar de um universo longínquo e indescritível, esquecido por toda a eternidade. Em um minuto, me vi sufocado pelo escuro. Caminhei em passos largos, sempre em linha reta, até encontrar uma parede qual pudesse me encostar. Sentei no chão e ali fiquei por muito tempo.
A chuva não cessava e isso me deixava apreensivo. Teria eu de passar a noite naquele lugar? Tal ideia, junto ao fato de não haver qualquer água para beber, me deixou amedrontado. Abaixei a cabeça e fechei os olhos, procurando dormir e acabar logo com aquilo. Nada aconteceu. Os trovões lá fora gritavam em uma canção de ninar macabra, enquanto os pingos de chuva batiam no antigo teto acima de mim como uma porção de pequenas pedras são jogadas sobre a superfície de um grande tambor.
Paralisado e rodeado apenas pelas trevas e o som da incessante tempestade, minha mente começou a ser atormentado por coisas estranhas. Já cansado de tentar dormir, abri os olhos e fitei a escuridão em minha frente. Minha visão foi surpreendida por minúsculos raios coloridos, que dançavam macabramente pelo ambiente. Pensando ser assombrado por algum fantasma, fechei os olhos com força e voltei a tremer.
Passado o maior do medo, reabri os olhos e prestei atenção nas trevas. O som da chuva agora estava mesclado com um ruído, mais baixo, uma espécie de vibração. Pequenos zumbidos incomodavam, fazendo-me abanar com os braços em volta, tudo em vão. Algo vibrava na sala e me fazia sentir estranho e febril. Minha cabeça doía e minha mente girava como se sua estrutura tivesse sido subitamente abalada por algo desconhecido. Agora, manchas coloridas apareciam aqui e ali pelo lugar, mas não tinham nada de bonitas ou interessantes. Tal visão me causava horror, um horror imenso. Formas estranhas prendiam minha atenção e me hipnotizavam. Eu sentia um semblante maligno vindo daquelas coisas. Eram como portais, pronto para me levar para o novo mundo escuro, um mundo com um solo cheio de deformidades angustiantes, um lugar onde o céu era cheio de estrelas e galáxias loucas, girando e girando em movimentos extremamente rápidos e desesperadores.
Tentei desviar o olhar, mas não consegui mover um músculo ou órbita sequer. Tentei gritar, me mexer, saltar e sair correndo dali o mais rápido possível, fugir daquele lugar arrepiante para a chuva que caia forte lá fora, mas tudo foi em vão. O horror tomou conta de mim ao perceber que também não conseguia fechar os olhos: fiquei preso à visão daquelas formas enlouquecedoras.
Meus tímpanos doíam. Um zumbido conhecido aumentou gradualmente e então tomou conta de minha audição, me impedindo totalmente de escutar qualquer som, até mesmo o da tempestade. Tal vibração se unia ás cores dançantes, cada vez mais perto de mim. Meu coração batia acelerado, eu mal conseguia pensar. Tudo o que queria era paz, poderia tirar minha própria vida com as mãos para sair daquele pesadelo. Contudo, mal conseguia respirar e estava privado de movimentos.
Tais formas agora dançavam pelas trevas e começavam a girar, em uma espiral cada vez mais rápida. Comecei a sonhar acordado: visões aterrorizantes vinham em minha mente na forma de figuras capazes de me tirar o sono por mais de uma noite. Monstros com uma aparência tão grotesca que eu nunca teria conseguido imaginar corriam pelo chão empoeirado, fitando-me com seus olhos gigantes e vermelhos enquanto suas pernas grandes e dotadas de espinhos afiados se mexiam freneticamente. Se eu pudesse, teria gritado até não aguentar mais.
Uma dor dilacerante – A dor do medo – Invadiu meu peito. Tal agonia era tanta que não havia situação comparável que pudesse ser imaginada. Aos poucos, fui sentindo minha consciência se esvair, enquanto a espiral girava e girava, chegando cada vez mais perto de mim e sendo embalada pelo zumbido infernal. Lagartos grotescos agora faziam companhia á seres sem forma definida, um tipo de gosma que se movia preguiçosamente pelo lugar, enquanto sua boca dotada de dentes extremamente afiados abria e fechava-se em um bocejo de outro mundo.
Senti meu eu ser lentamente sugado por aquela atmosfera horrenda, até que meu medo se tornou realidade. Me vi perdido nos cosmos, acima de uma planície formada de um solo cheio de deformidades angustiantes, enquanto eu era rodeado por um céu cheio de estrelas e galáxias loucas, girando e girando em movimentos extremamente rápidos e desesperadores. Nesse momento senti que conseguia mexer meus lábios, e então gritei. Um urro de terror, que ecoou até os confins daquele universo medonho. Foi nesse momento que perdi os sentidos.
Não me lembro muito bem dos fatos que se sucederem após meu despertar, o que sei foi que delirei. Fui encontrado deitado sobre os capins crescidos perto do lago, próximo ao meu barco virado e meus equipamentos espalhados pelo local – Alguns até dentro da água. Estava de bruços, com os braços estendidos ao longo do corpo. Qualquer um que me visse em tal estado me confundiria com algum boêmio que caiu de bêbado após uma longa noitada.
O que sei, segundo testemunhas, foi que ao fitar de novo aquela casa abandonada, comecei a gritar de horror, coisa que logo foi tomada por gargalhadas minhas, altas e quase incessantes. Fui levado para casa, onde contei de forma bastante enrolada os acontecimentos da noite anterior. Lembro-me quando meus salvadores me contaram que não havia tido chuva nenhuma na noite anterior: foi o suficiente para meu consciente ser sugado por um estado delirante.
A paz foi de toda me tirada. Passo meus dias atormentado por sons e sensações horríveis, onde muitas vezes sonho acordado. Ao tentar dormir, pela noite, sou constantemente visitado por monstros, verdadeiras aberrações quais eu tenho absoluta certeza que a esse mundo não pertencem. Quando caio no sono, sou aterrorizado por visões daquele universo infernal, onde sou obrigado a viajar por galáxias enlouquecedoras e andar por planetas cujas superfícies são angustiantemente deformadas.
Pessoas próximas a mim não aguentaram a pressão, e agora me encontro em um dos leitos de uma clínica psiquiátrica. Ah! Pobres tolos! Mal sabem, guardei entre minhas coisas uma lâmina, objeto salvador que com um rápido corte na garganta me salvará dessa agonia na qual vivo. Estou preparado, encerro minha história em paz, pois já sei o que me aguarda. Vou me deleitar com meu sangue enquanto meus monstros rodeiam-me em sua ciranda macabra.
- Oh! Aljar é o nome dele!