Apartamento Sombrio - DTRL 31

Chloe ficou desconfiada e sem saber se poderia acreditar em uma senhora corcunda e de aparência tão medonha como aquela, mas agora, parada diante do prédio que ela indicara, constatou que o lugar realmente existia.

Subiu as escadas, chamando por alguém, mas ninguém abriu a porta para ela. O dia já se fora, e mesmo assim Chloe usava óculos escuros para esconder seu olho roxo. Como se não bastasse os longos anos de depressão enfrentados e incontáveis cartelas de remédios que consumira, ainda era espancada pelo marido. Após o episódio ter se repetido diversas vezes, ela decidiu fugir de casa com a filha, porém, se viu sozinha e sem muito dinheiro. Aquele prédio, apesar da aparência abandonada e sombria, parecia perfeito para que elas se escondessem do mundo, e também do marido violento.

Subiu até o quarto andar e colocou a chave que a velha lhe dera na fechadura. Abriu. Ela finalmente pôde colocar a pequena Beth em uma cama, não muito confortável, mas era melhor que o chão frio. E o mais importante, a filha não presenciaria mais torturas sofridas pela mãe.

Beth logo pegou no sono e Chloe se viu olhando pela janela. Estava escuro e fazia muito calor. Teve a leve impressão de ter visto uma silhueta correr de um lado para outro. "Um vizinho", pensou. Puxou a cortina e deitou-se ao lado da filha.

Acordou de madrugada com um vento forte que fazia a janela chacoalhar e esvoaçar a cortina. "Não é possível, eu fechei a janela!", pensou Chloe enquanto procurava pelo interruptor de luz. Acionou-o. A lâmpada piscou três vezes e explodiu com um estrondo. A mulher gritou e a pequena Beth começou a chorar.

—Tudo bem, filha. É só um temporal — disse, enquanto envolvia a filha em um abraço apertado.

A garota acalmou-se e logo voltou a dormir. Em meio a escuridão, Chloe fechou a janela, passando a tranca desta vez. Voltou para a cama e ouviu batidas frenéticas na porta. Hesitou, porém acabou abrindo-a. O corredor também estava sem luz, mas percebeu que não havia ninguém ali. Fechou-a, já trêmula e tentou se acalmar. "É apenas coisa de sua cabeça". Não conseguindo dormir, sentou-se no chão, ao lado de onde a filha dormia, apurando os ouvidos e, então, teve a certeza absoluta de que alguém batia à porta.

— Quem é? — Gritou, com a voz embargada.

Não houve resposta. O som que parecia batidas na porta se tornaram mais fortes e violentas.

— Não estou invadindo nada! Foi uma senhora idosa de cabelos brancos e olhos profundos quem me deu a chave e disse que eu poderia ficar aqui! — Chloe chorava, mesmo sem querer. Seu coração estava acelerado, e embora o vento soasse forte, não chovia.

Subitamente o vento cessou, e também as batidas. Tudo retomou a tranquilidade, e a lâmpada que Chloe pensou ter explodido, voltou a acender-se. A mulher limpou as lágrimas da face e olhou ao redor. Tudo parecia normal. Voltou para a cama e só acordou no outro dia, com sua filha chamando-a.

— Mamãe, mamãe! Acorde!

A mãe sorriu ao ver a filha feliz, sem o peso do medo que carregava todos os dias de manhã ao ver a mãe surrada.

— Oi, pequena — Chloe se levantou e vestiu a filha para saírem em busca de leite e café.

Desceu pelas escadas, já que o elevador não estava funcionando. Não avistou nenhum morador. Apesar de ser dia, o prédio continuava sombrio e gelado. Caminhou alguns quilômetros pela estrada poeirenta e deserta. Usou as últimas economias que tinha para comprar mantimentos.

Horas depois, exaustas, mãe e filha chegaram de volta ao prédio.

Ainda havia luz do dia e a menina, curiosa, começou a caminhar ao redor do edifício, brincando e observando, quando soltou um estridente grito. Chloe deixou as sacolas no chão e correu ao encontro da filha, encontrando-a parada em frente a um cemitério.

A menina abraçou as pernas da mãe, escondendo-se. A mulher tentou tranquilizá-la, mas não pôde deixar de sentir um arrepio percorrer seu corpo. O cemitério era um cercado grande, com várias sepulturas enfileiradas, todas tinham o mesmo tamanho e aparência. Como que entorpecida, Chloe caminhou para perto das lápides, lendo os nomes e o dia das mortes. "Todos morreram no mesmo dia, e todas eram crianças!", constatou ela, engolindo em seco.

Percebeu então, que a filha se afastara e estava parada diante um túmulo pequeno e negro.

— Filha? O que está fazendo?

— Olha mamãe, uma menininha! Da minha idade. Ela está aqui, debaixo dessas pedras.

Chloe arregalou os olhos: como sua Beth sabia que a lápide era de uma menina, se ela ainda nem sabia ler?

Sem argumentos, tomou a filha pelo braço e voltou para seu apartamento.

Chloe colocou a menina na banheira para que tomasse um bom banho, e se livrasse de toda poeira adquirida pela viagem e também daquele odor impregnante de terra de cemitério, mas não conseguiu parar de pensar no túmulo da pequena Abigail. "O que teria acontecido com aquelas crianças?", sua mente vagava quando escutou a velha e antiga televisão que estava no quarto, ligando-se sozinha. Ela se apressou em desligá-la, não percebendo que sua filha afogava-se. Quando voltou, viu a cena assustada e puxou a filha pelos braços, a tirando da banheira. A menina tossiu e expeliu água pelo nariz, mas ficou bem.

A noite chegara e as luzes começaram a piscar novamente, enquanto o vento soprava forte.

Como a pequena Beth dormia, Chloe resolveu descer, trancando a porta por fora. O dia todo sentiu vontade de voltar ao túmulo de Abigail, tentar encontrar alguma pista que revelasse sobre aquelas mortes.

A noite estava precariamente iluminada pela Lua, e ela apertou o casaco para suportar o vento. Caminhou em meio as lápides e parou diante de um: "Abigail". Sentou-se no túmulo, sentindo o frio da pedra. Devagar, levou a mão ao nome, e sentiu um leve choque em seus dedos, tentou retrair a mão, mas não conseguiu, ficando grudada na lápide.

Seus olhos já não viam o cemitério, mas uma cena horrenda, onde um grupo de pessoas vestidas de preto, carregando armas e espadas corriam, puxando várias crianças pelas mãos, arrancando-as de seus aposentos, levando-as para debaixo de uma árvore, onde, uma por uma tiveram suas cabeças decepadas em meio a gritos, choro e orações em uma língua que ela não entendia.

Chloe puxou a mão de volta, caindo na terra fria e úmida do cemitério. Com olhos assustados, correu de volta para o prédio. Enquanto corria, começou a ouvir vozes infantis gritando por socorro e ranger de dentes intermináveis. Lágrimas escorreram pelo seu rosto enquanto tentava destrancar a porta de seu apartamento, mas parecia que a chave já não servia na fechadura.

Ela podia ouvir as vozes das crianças cada vez mais perto. Aflita, gritava pela filha:

— Beth! Beth! Abra a porta para mamãe!

Mas a menina não respondia. Não era possível que a garota ainda estivesse dormindo, com tanto barulho e choro de crianças.

Quando a porta se abriu, Chloe entrou rápido e correu até a cama, mas esta estava vazia. A mulher levou as mãos à cabeça, descontrolada e gritando pela menina.

A porta foi aberta com violência, e um frio cortante penetrou a pele da mulher. Ela foi andando de costas, olhando para aquelas criaturas que pareciam crianças, mas não eram normais. Possuíam os olhos totalmente brancos, sem íris ou pupila, a pele era pálida, contrastando com os cabelos ralos e negros. Caminhavam sem encostar os pés no chão, em direção à Chloe.

— O que vocês querem? — Ela tentou um diálogo.

As crianças chegavam cada vez mais perto e começaram a entoar um cântico suave e calmo, que foi ganhando força e tornando-se agudo, machucando o tímpano da mulher, mesmo que suas bocas não se mexessem.

Chloe correu para o banheiro, e então viu. A banheira estava cheia, e dentro dela, um corpo boiava. Sua pequena filha estava com os olhos arregalados e brancos, a pele pálida, sem vida.

A mulher gritou e aproximou-se, tentando retirar Beth daquele lugar, mas uma força invisível a jogou longe, fazendo-a bater contra a parede, caindo de joelhos. As crianças entraram e Beth levantou-se. Começou a entoar o mesmo som das outras crianças, em um língua que Chloe não soube identificar. A mãe, aflita, arranhava o chão com as unhas, em uma vã tentativa de se erguer do chão, mas quando ela conseguiu, já não havia mais nenhuma criança em seu apartamento.

Desesperada, ela foi até a banheira, certificar-se de que Beth não estaria ali. Viu uma sombra no fundo das águas escuras. Aproximou seu rosto, clamando pela filha, sentiu uma mão agarrar sua nuca e forçar sua cabeça para dentro d'água. Ela tentou agarrar a mão agressora, mas a transpassava como fumaça. Enquanto se debatia e esperneava, seus olhos viram Beth acenando e lhe dizendo adeus, perdendo, assim, a consciência.

***

No dia seguinte, durante um programa policial, a televisão do apartamento C, no quarto andar do prédio da Avenida Murkinesse 666, transmitia uma entrevista com um homem bem vestido, aparentemente abalado e com olheiras sob os olhos, que dizia estar procurando pela esposa desaparecida. Segundo ele, a mulher sofria de uma grave depressão e havia parado de tomar os remédios por conta própria, sumindo logo em seguida. Ao seu lado, agarrada às suas pernas, estava uma garotinha, assim que a luz da câmera focou em seu rosto, seus olhos ficaram completamente brancos.

A televisão desligou.

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TEMA: FANTASMAS

Conto participante da Primeira Oficina Literária de Escrita Criativa Avenida Murkinesse 666, da Editora Illuminare, que pode ser baixado gratuitamente no site: https://www.romierling.com.br/cursos.

Desculpe por não colocar um conto inédito, mas não houve tempo e não queria ficar de fora do retorno do DTRL. :)