O enxadrista e o Diabo
Idade das Trevas. Julien estava desesperado, pois no dia seguinte exatamente às 21:00h teria que entregar sua alma ao Diabo. Eram dezesseis horas do dia 2 de agosto de 1561, na linda Espanha, quando Julien entrou numa pequena igreja em Segura. Sua última esperança era o padre que seu irmão, Pablo, o recomendara. Pablo garantira a Julien que apesar de seu caso ser desesperador padre Ruy López o ajudaria a encontrar uma solução, pois apesar de sua pouca idade padre Ruy era muito sábio.
Julien entrou rapidamente na igreja e perguntou ao coroinha que arrumava o altar se padre Ruy se encontrava e, em caso contrário, onde poderia encontrá-lo. O coroinha largou o hostiário de prata que estava limpando no altar, olhou nos olhos desesperados de Julien e apontou para o confessionário. Julien agradeceu com um gesto de cabeça e dirigiu-se rapidamente para o confessionário apontado pelo coroinha.
― Padre Ruy López?― perguntou Julien.
― Sim, meu filho.― disse o padre.
― Meu irmão Pablo me disse que só o senhor pode me ajudar.
― Pablo Ibañez?― perguntou o padre.
― Sim, ele mesmo.
― Diga meu filho, o que lhe aflige? ― A história é longa padre, mas vamos a ela. Tudo começou há doze anos quando eu tinha apenas dezoito anos de idade. Eu era um garoto como outro qualquer, recém saído da adolescência, e com desejos de poder e riqueza para conseguir o que qualquer garoto de minha idade queria: sexo! Um “amigo” da faculdade me indicou um livro que me possibilitava entrar em contato com forças ocultas poderosíssimas, porém malignas, mais especificamente entrar em contato com o próprio Satã! Meu “amigo” me garantiu que o demônio me daria o que eu quisesse, mas para isso eu deveria fazer um “pacto” com ele. Fiquei de pensar e esqueci o assunto. Passaram-se dois anos até que me apaixonei ardentemente pela garota mais linda do mundo: minha aluna! Só tinha um detalhe: ela não me dava a mínima atenção. Tentei de todas as formas despertar seu interesse por mim: cumprimentava-lhe, todos os dias em que nos encontrávamos, carinhosamente, oferecia-me para ajudá-la nos estudos das outras matérias (eu era seu professor de Matemática) oferecia-lhe presentes, mas nada dava certo, definitivamente Natacha não gostava de mim. Até que olhando na minha estante, mais especificamente num livro que eu estava usando para fazer minha monografia, caiu no chão um pedaço de papel que continha o nome do livro de ocultismo que meu “amigo” havia me indicado para satisfazer todos meus desejos. Resolvi pagar para ver. Adquiri o livro e fiz a cerimônia conforme ele indicava. Invoquei o demônio e ele me garantiu que durante dez anos eu teria tudo que quisesse, mas ao fim desse prazo eu deveria entregar-lhe minha alma. Acabei concordando e ele sumiu na mesma nuvem de enxofre em que surgiu. Resolvi testar o pacto no dia seguinte e pedi para beijar a boca de Natacha. Dito e feito. No dia seguinte não só beijei-a como fiz amor com ela. E tudo foi acontecendo de acordo com minha vontade, era só eu pedir e a coisa acontecia. Isso durou exatamente o prazo estipulado pelo Diabo e amanhã às 21:00 h o prazo se encerra e eu devo cumprir minha parte no pacto dando-lhe minha alma, por isso que estou agora aqui padre, suplicando-lhe que salve minha alma, pois o que fiz foi uma inconseqüência juvenil. Isso é tudo padre. Deus que me ajude.
― Meu filho, vejo uma luz no fim do túnel que é justamente a solução para seu caso. Para vencer o Diabo deve-se usar a vaidade e a arrogância dele contra ele mesmo. Quando você for vê-lo amanhã eu irei com você e tudo se resolverá.
Dito e feito. Exatamente às 21h do dia marcado o Diabo apareceu para cobrar sua parte no pacto, porém surpreendeu-se ao ver que Julien não estava sozinho, mas acompanhado de um homem de capuz com um manto em que se via uma grande cruz e disse:
― Quem é ele? O que faz aqui? Foi então que o padre Ruy López se apresentou:
― Sou aquele que o desafia para uma partida de xadrez cuja vitória assegurará a quem vencer a alma de Julien.
― E quem disse que preciso jogar com você para ter uma coisa que já me pertence? ―disse o Diabo.
O padre replicou: ― Você está com medo de perder para um mero mortal, falso deus?
Tomado de cólera e com sua vaidade ferida o Diabo respondeu: ― Que seja então, mas saiba padreco que nunca perdi uma partida e somente se você me ganhar salvará a alma desse idiota.
O Diabo usou seu poder e fez aparecer as peças e o tabuleiro. Por razões óbvias escolheu o exército negro dando a vantagem da saída ao padre Ruy López. Ficou estabelecido que a partida não teria tempo determinado devendo, portanto, ser jogada até que um dos jogadores abandonasse (hipótese fora de questão, já que os dois queriam vencer!) ou até que um deles levasse o xeque-mate.
O jogo começou. Ruy López usou uma abertura de sua autoria que surpreendeu inicialmente o Diabo. Porém o Diabo foi aos poucos equilibrando o jogo, mas a vantagem da abertura ainda prevalecia.
O Diabo capturou a dama de Ruy López com seu bispo e olhou altivamente para o padre com um sorriso irônico na boca acreditando que já havia ganho, pois ainda tinha sua dama e, devido a ela, possuía ampla vantagem material em comparação com o padre. O homem santo manteve-se impassível à alegria do demônio e deu xeque nele com seu bispo. O Diabo interpôs seu cavalo e cessou o xeque, porém Ruy López movimentou seu cavalo e sem perdão disse ao Demo:
― Xeque-mate! O Diabo surpreso olhou para o tabuleiro e ao notar que as peças após o xeque-mate formavam uma cruz transformou-se imediatamente numa nuvem de enxofre e desapareceu amaldiçoando Julien e o padre.
Julien estava salvo e foi deste modo que a abertura do padre Ruy López de Segura ficou famosa no mundo enxadrístico por ser a abertura que derrotou o Diabo.