Veneno Infantil - DTRL 31

Era o primeiro dia de aula, Giovanna estava muito ansiosa. A escola era o lugar que ela mais amava no mundo. Adorava as aulas e as professoras. Na aula de educação física tinha até recebido uma medalha na natação!

Escolheu uma tiara com laço lilás, guardou cuidadosamente seu estojo de lápis de cor dentro da sua mala nova e assim foi saltitando para o carro.

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As paredes estavam recém-pintadas, carteiras e cadeiras novas, o chão estava brilhando.

Era o primeiro dia de aula, Marina tinha sido transferida de outro colégio. Estava muito tímida, durante toda a aula mal olhava para o lado.

Durante o intervalo, as crianças se juntaram em volta da menina nova para conhecê-la melhor. Perguntavam de onde ela vinha, qual o nome da mãe, do pai, o que faziam, se ela já tinha ido a Disney...

Giovanna ficou tão brava por não estar recebendo toda a atenção que resolveu se sentar sozinha no balanço do parquinho, uma hora eles iriam atrás dela!

Os dias iam passando, e já no final de semana, Marina já estava enturmada, Giovanna cada vez com mais ciúmes dos amigos.

No final do bimestre, a professora costumava dar um presente para os melhores alunos da sala. Uma menina e um menino.

–Silêncio, turma! Agora eu vou revelar quem foram os melhores alunos da sala! Aqueles que tiveram as melhores notas e a maior participação das aulas vão ganhar essas lindas agendas! Sabem quem são? O melhor aluno foi o... Bruno! – A classe inteira aplaudiu – E a melhor aluna? Quem se arrisca? A melhor aluna foi... Foi... Foi... Marina!

A classe toda aplaudiu, gritou e parabenizou os dois alunos. Menos Giovanna, que ficou enfurecida com a revelação, afinal, sempre teve as melhores notas, ela respondia todas as perguntas da professora! Era injusto que o prêmio não fosse dela! Num ataque de raiva, ela jogou um lápis de cor na cabeça da Marina, virou as costas e saiu da sala pisando forte.

–Ai! Quem foi que jogou isso em mim? – indagou Marina pegando o lápis do chão.

–Olha, – Disse Bruno – É a mesma marca de lápis que a Giovanna usava.

O semestre ia passando, Giovanna tenta superar a rival, mas a professora já tinha feito Marina sua preferida. Giovanna estava com tanta raiva que resolveu se vingar.

Giovanna espalhou silenciosamente alguns de seus lápis pelo chão do banheiro enquanto Marina fazia xixi. Ela estava tão distraída que não viu a armadilha, pisou em um dos lápis e caiu com tudo pra trás. Bateu o braço violentamente na pia e a nuca no chão. Com o barulho, o inspetor correu para socorrer Marina. Levou a garota para a enfermaria. Depois dos primeiros socorros a enfermeira dispensou a menina para que os pais a levassem para a emergência fazer um exame na cabeça.

No dia seguinte, Mariana apareceu na aula, estava abatida, o braço enfaixado.

–Mari, tá tudo bem com você? – perguntou Amanda.

–Sim, o braço e a cabeça doem muito, mas o médico disse que não quebrei nada.

–Eu achei isso no banheiro. – Amanda estende a mão com três lápis de cor. – É da mesma marca que aquele que jogaram em você naquele dia, não é?

–Espere, – Marina abre a mochila e retira o lápis – é da mesma marca sim. De quem é?

–A única que usava essa marca de Lápis era a Giovanna. A gente estudou com ela no ano passado. Logo depois das férias, o carro dos pais dela bateu de frente a um ônibus quando eles estavam trazendo ela pra cá. Os três morreram.

–Mais alguém usa esse tipo de lápis?

–Não. Eles são importados e muito caros. O tio dela trouxe da Europa. Ela vivia dizendo que os lápis são de uso profissional e não escolar, como os nossos. Ela também vivia se gabando porque ela era a primeira da classe. Tinha as melhores notas e tudo mais.

–Impossível. Ela está assombrando a escola agora? Não acredito. Mais alguém deve usar os mesmos lápis! Eu vou mostrar pra professora e ela vai achar o culpado!

Marina toma os lápis da mão da Amanda, junta com os dela e leva até a professora.

–Professora, foi nesses lápis que eu escorreguei no banheiro e esse aqui foi que tacaram em mim mês passado. O dono desses lápis que quis me machucar. Ele merece ser expulso da escola!

A professora pegou os lápis da Marina, pediu para que todos os alunos colocassem seus estojos em cima da mesa e procurou, aluno por aluno, quem era o dono dos lápis. Ninguém da classe tinha lápis daquela marca.

–Vou entregar pra diretora e ver se pode ser algum aluno de outra turma, Marina.

–Professora – Disse Bruno – Esses lápis eram da Giovanna. Ela está assombrando a escola!

–Não diga besteiras! Assombrações não existem! E nem a loira do banheiro! Essas histórias são só pra assustar vocês!

Giovanna estava sentada no fundo da sala, e ficou surpreendida com que estava ouvindo. Como assim ela era uma assombração? As lembranças do dia do acidente vieram à tona.

Giovanna entrara no carro, e alguns minutos depois, seus pais conversavam animadamente sobre alguma coisa. A mãe de Giovanna vira para a filha e diz:

–Temos uma novidade! Você vai ter um irmãozinho! Não é o máximo?

–Como assim? Eu não quero – disse a menina espantada – Não quero dividir nada com ninguém!

–Não seja egoísta! Sua mãe está grávida, você terá um irmão! Vai ser muito bom, quem sabe assim, você fica menos mimada. Ele vai ser tão inteligente e esforçado quanto você, afinal, um pouco de competição entre irmãos é saudável.

–Ninguém nunca será melhor que eu! Nunca!

Giovanna se lembra de ter pulado para a parte da frente do carro, e começar a bater na mãe. O pai tenta segurar a menina, e nesse descuido, o carro entra na contramão. Ela se lembrou do barulho dos freios do carro, da buzina do ônibus, e de seu corpo voando livremente, enquanto os cacos do para-brisa rasgavam sua pele até suas costas baterem violentamente no ônibus.

No intervalo, Marina entrou no banheiro e viu mais um lápis, ela pegou, olhou para seu reflexo no espelho.

–Giovanna, se você está aí, por que eu? O que eu te fiz?

A luz do banheiro se apaga e a pouca luz que entra pela janela mostra o reflexo de outra menina no espelho – Você nunca será melhor que eu! – Marina grita bem alto, as luzes se acendem e o inspetor corre até o banheiro.

–Se assusta não, menina, a luz só piscou. Tá chovendo muito hoje. Não precisa ficar com essa cara branca não.

Marina abraça o inspetor e começa a chorar desesperadamente. Ele a leva até a enfermaria, a enfermeira dá um copo de água para a menina, mas nada parecia acalmar a garota!

–O que eu faço agora? – Marina se pergunta.

–Se você não for mais a primeira da classe, a Giovanna deve parar de te seguir. – Amanda concluiu.

–Não. Não posso fazer isso. E daqui a um mês já é férias e ela não vai me importunar em casa. Nisso a gente pode descobrir uma forma de acabar com isso.

Sempre que estava sozinha, Giovanna achava uma forma de machucar Marina. Lançava coisas, deixava lápis pelo chão, empurrava o balanço violentamente. Tudo poderia ser usado como uma forma de machucar a menina.

No último dia de aula, a mãe de Marina foi buscá-la com um presente. Quando Marina abre o embrulho:

–Que linda tiara!

–Sim, eu comprei na lojinha aqui da escola, achei uma gracinha!

No meio das férias, A família de Marina sempre ia a um jantar com os avós dela. Era a ocasião perfeita para a menina estrear o presente da mãe. Colocou um casaco por cima do vestido, e a tiara com laços lilás combinou perfeitamente!

Tarde, aquela noite, a família chegou, Marina foi direto para seu quarto trocou de roupa, e quando olha para sua cama, encontra um lápis de cor. Giovanna achou uma forma de segui-la até em casa!

Suas férias foram perturbadoras, cheia de quedas e paranoias. Chegou a passar o dia inteiro deitada sob as cobertas para ter certeza que não se machucaria. Seus pais perguntavam qual era o problema, mas ela sempre se recusava a dizer.

De volta à escola, Marina logo contou para seus amigos todos os acontecimentos do mês.

–Mas como ela te seguiu durante as férias? – indagou Amanda

–Não faço ideia! Vocês precisam me ajudar a me livrar dela!

Em uma manhã, Bruno corre em sua direção e diz:

–Encontrei! Você vai se livrar de Giovanna.

No intervalo, o garoto mostra um livro de capa preta para as meninas.

–Minha irmã está namorando um cara bem mais velho, que gosta dessas coisas de fantasmas e demônios. Perguntei se ele poderia nos ajudar, e ele me deu esse livro. Olha aqui: “Aqueles que foram ceifados bruscamente sempre encontram refúgio no lugar onde eram mais felizes, até que sua alma encontre paz e assim sigam para luz. Mas quando essa alma não encontra paz, ou é muito apegado a alguém, alguma coisa ou alguma situação, esse espírito não segue seu caminho, e sua estadia de frustrações os tornam espíritos das trevas. Esses espíritos se tornam extremamente obsessivos e vingativos” Aí o livro continua falando como eles são maus etc. “Um espírito das trevas fica preso a um local, a menos que um objeto pessoal seja carregado de bom grado por um vivo, assim, o espírito consegue ser livre dos locais de aprisionamento.”.

–Mari, os lápis.

–Mas eu sempre guardei os lápis, Amanda. Por que ela só me assombrou nas férias?

–O objeto tinha que ser mais íntimo. – Disse Bruno – como uma peça de roupa.

–Mas como eu teria uma peça de roupa dela? Nunca a vi em vida! A não ser que – Marina tira a tiara da bolsa. – Minha mãe comprou no último dia de aula, aqui na lojinha da escola. Será que isso pertenceu a ela?

–Possível, se o espírito quiser sair do local de aprisionamento, ele pode incluir coisas pessoais em locais para serem achados por vivos, e assim serem levados. Tá no livro. Aí, tem esse capítulo aqui: “Prendendo ou destruindo o espírito das trevas” Em resumo, Prender o espírito é armazenar a alma dele em um objeto onde ele não possa sair, e destruí-lo é acabar com aquela alma para sempre.

–Quero destruí-la! – Disse Marina sem pestanejar.

–Mas Marina, se a gente não conseguir fazer o ritual direito, pode ter consequências! – Bruno falou com medo na voz.

–Quais consequências?

–No livro não diz. Só diz que há consequências.

–Nós não vamos errar!

–Mas Marina, não é muito cruel pensar em destruir a Giovanna de uma vez? – Perguntou Amanda, com os olhos marejados.

–Ela já saiu daqui uma vez, se a gente a aprisionar ela pode fugir de novo. Destruir é certo que ela nunca mais vai assombrar ninguém.

Marina ficou lendo e relendo o ritual a todo o momento durante aquela semana. Se livrar de Giovanna havia se tornado uma obsessão. O ritual de aprisionamento e destruição eram muito parecidos. Ambos precisavam de um pentagrama feito de sal, um objeto que pertenceu ao espírito para invocá-lo, um espelho para refletir a alma e velas.

Para o ritual dar certo, ela tinha que decorar perfeitamente a reza, pois não poderia ser feito leitura no momento da cerimônia. Com medo de dizer as palavras erradas, Marina tomou algumas aulas de latim com o namorado da irmã de Bruno, Johny. Pegou algumas velas da despensa da cozinha e se lembrou de um espelho com moldura antiga que guardava em sua penteadeira.

Os pais de Bruno sempre viajavam de final de semana e deixavam-no aos cuidados da irmã, Carol. Com a ajuda dela e do namorado, convenceram os pais das duas meninas a deixarem elas participarem de uma festa do pijama. Dessa forma, eles conseguiriam realizar o ritual, a meia noite, sob a supervisão de Johny.

Começaram arrumar tudo, conforme escrito no livro. Desenharam o pentagrama de sal no quintal, colocaram as velas no local certo, um pouco antes da meia noite acenderam elas. E a meia noite em ponto, a cerimônia se iniciava. Segurando a tiara e o espelho, Marina recitava toda a reza que tinha decorado. O tempo fechava e o vento começava a uivar forte. Marina aumentava a sua voz, conforme o barulho do tempo aumentava. Lágrimas rolavam do rosto de Amanda, mas ela ficou firme em sua posição. Bruno estava tão amedrontado que mal respirava.

Marina se pôs no centro do pentagrama, e rezava alto, logo, o espírito de Giovanna se materializou, e todos podiam ver a menina bem atrás da Marina.

Marina, então, ergue o espelho com as duas mãos e verifica se Giovanna estava olhando, e sim, os olhos de Giovanna estavam presos ao espelho, ela não conseguia desviar o olhar. Marina fecha os olhos, e se concentrou para não abrir novamente, enquanto continua recitando as reza. Sabia que em hipótese alguma poderia olhar para aquele espelho enquanto a reza não indicasse o fim do ritual.

Nuvens encobriram o céu, e uma tempestade de relâmpagos iluminavam a noite. Quanto mais altos os trovões soavam, mais Marina aumentava a sua voz. E quando estava falando a última palavra do ritual, um relâmpago cortou o céu e atingiu o espelho nas mãos da garota.

Todos foram lançados para longe de suas posições. A chuva começou a cair forte, Johny correu para acudir Marina, que tinha sido jogada contra a parede do quintal com muita violência. Ela ainda segurava a tiara com toda força.

–Garota, você está bem?

–Eu… acho que sim…

–Você não abriu seus olhos antes de dizer a última palavra, abriu? Você olhou o espelho?

–Eu… eu… acho que não…

–Vamos todos pra dentro.

Carol ajudava as crianças a se livrarem de suas roupas molhadas e verificava se tinha algum ferimento aparente, que pudesse colocá-los em maus lençóis com os pais. Mas apenas alguns poucos arranhões foram encontrados. Nada que crianças não costumam fazer.

Enquanto isso, Johny arrumava o quintal.

Quando entrou, esticou o espelho, intacto, para Marina.

–Isso é seu.

A Menina olhou para o reflexo e sorriu.

No dia seguinte, Marina entrou no quarto, retirou um retrato da parede e colocou o espelho no lugar. Olhou para ele e sorriu novamente.

Na manhã seguinte, a mãe de Marina entra no quarto, como todos os dias, dá um beijo na testa da menina e diz com sua voz suave:

–Hora de acordar, Marina. Vamos pra escola?

A menina abre os olhos e se espreguiça longamente.

Veste o uniforme da escola, termina de se arrumar e antes de ir tomar café da manhã, ela olha para o espelho mais uma vez.

–Marina, posso me acostumar com esse nome novo.

Sai do quarto enquanto o reflexo de Marina a assiste partir em prantos.