ASS: AQTOPJ

Deixemos a saudação para outra ocasião.

Antes de tudo eu gostaria de lhe contar como é aqui. Com “aqui” me refiro ao meu ser. Bem, é vazio, tão ou mais quanto antes. É como estar em uma cela escura, fria e sem ninguém –talvez, onde eu deveria estar- como se aquele pingo de empatia e humanidade que existiam tivessem se esvaído. Isso é tudo.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Cá estou eu novamente.

Creio que devo tê-la deixado curiosa. Quem não ficaria não é?

Você deve se fazer perguntas, como: Será que o carteiro enganou o endereço? Quem me enviou essa carta? E por quê?

Não sou tão sádico assim. Responderei suas perguntas.

O carteiro não se enganou de endereço, essa carta esta endereçada a você, querida Violet. E, aliás, não existe um carteiro.

Quem lhe enviou essa carta? Bom, em breve saberá.

E por que? Deixe-me lhe contar uma pequena história antes.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

A História.

Eu gostaria de ter sido um escritor um dia, gostaria de ter escrito grandes clássicos, romances policiais, dramas etc. Eu achava que seria um sonhador para sempre, um eterno apaixonado por histórias. Eu queria escrever uma história que emocionasse a quem lesse. Passei a vida procurando por esse grande escritor em mim, procurando por todo esse sentimento que eu tentava – sem chance alguma- demonstrar. Não havia o que escrever, não havia o que sentir. Não tinha nada lá e ainda não tem. E agora eu já não tenho mais tempo pra isso.

Oh, me desculpe por toda essa lástima, acabei perdendo o foco. Não é essa a história que você quer saber, querida. Voltando:

Como eu já disse, eu queria ser um escritor, mas não havia sentimento para isso. Então passei um bom tempo chamando isso de “crise criativa”. Que tolice a minha. Eu passava noites na varanda de minha casa, sentado com uma xícara de café buscando a tão sonhada inspiração. Eu não encontrei a inspiração. Encontrei algo mais forte.

Certa noite, sentado no mesmo lugar de todos os dias, eu vi pela primeira aquela garota. Eu a vi pela janela de seu quarto. E ela me parecia tão triste e solitária. Ela ficou sentada em sua cama por horas, olhando para a parede e enxugando o rosto – que era muito belo- e eu fiquei por horas ali, sentado a observando.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Não espere um romance.

Você pode chamar isso de obsessão, mas eu passei dias olhando pra ela toda noite. Eu me viciei naquilo, me viciei em ver seu sofrimento. Eu não entendi os motivos, é claro. E também não me interessavam, eu só adorava apreciá-lo.

Uma noite algo me chamou muita atenção, na escuridão do quarto daquela garota, eu vi alguma coisa brilhar na mão dela quando ela entrou. Eu disse para mim mesmo: “o show vai começar”. E começou, foi um espetáculo. Naquela noite foi diferente, ela se sentou na frente do espelho, passou alguns minutos olhando para si mesma. E eu sei perfeitamente o que ela viu. Então, ela levantou o objeto que estava em sua mão: uma lamina. A qual ela usou para fazer cortes em seu braço.

Eu nunca entendi o motivo. Nunca vou entender. Não faz sentido, ela não se matou.

Ela não morreu, ela apenas se mutilou. Por que?!

Eu me pergunto até hoje: quem cura um sofrimento com outro sofrimento??!

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Eu ainda me pergunto isso.

Na noite seguinte a cena se repetiu. E mais uma vez, eu presenciei. Pela primeira vez em muitos e muitos anos, eu consegui sentir alguma coisa dentro de mim. Eu senti pena daquela garota, eu sabia que tinha de ajudá-la. Eu precisava acabar com aquele sofrimento dela. E eu fiz isso.

Ass: A.Q.T.O.P.J

O dia em que tudo começou.

Lá estava eu, sentado na minha varanda com uma xícara de café, quando ela entrou no quarto. Coloquei minha xícara no chão e paralisado prestei atenção em seus movimentos. Era como uma rotina era exatamente os mesmos passos das noites anteriores. Resolvi então agir.

Eu desci as escadas lentamente e fui até a cozinha, peguei uma faca e sai da casa. Atravessei a rua e parei diante da casa dela. Fiquei olhando por uns minutos e a luz do quarto se apagou. O show havia acabado. E eu voltei pra casa.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Naquela mesma noite.

Naquela mesma noite eu continuei sentado na varanda olhando fixamente praquela janela e pensamentos me ocorriam perturbadamente. Eu não conseguiria dormir se não pudesse ajudá-la. Tenho certeza que qualquer um faria isso.

Então eu repeti aquele mesmo trajeto. E novamente, estava eu, parado enfrente sua casa. Eu não fazia idéia do que eu tinha pensado em fazer, eu apenas andei até lá.

Foi por instinto. É realmente instinto quando você vê alguém sofrendo e sente uma grande vontade de ajudar, você não pensa.

Mas naquela hora eu pensei: como eu poderia ajudá-la senão assim?

Eu sentia que aquilo era tudo que ela precisava. Então me apoiei no portão da casa e escalei até a sacada do quarto dela. Foi tão simples, a janela estava aberta. Era meu destino estar ali.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Um novo show protagonizado por mim.

Eu fui até a cama dela e a observei. Ela dormia tranquilamente, era linda. Tinha traços delicados, uma pele que parecia seda e longos cabelos negros. Fiquei alguns instantes petrificado por sua beleza. Até que ouvi um barulho vindo do lado de fora do quarto e voltei ao normal.

Resolvi então que era a hora de dar continuidade ao trabalho da moça. Passei a faca de leve em seu braço, eu queria que ela estivesse acordada pra ver o seu anjo da guarda. No mesmo minuto que a faca tocou sua pele seus olhos abriram.

Ela me sentiu ali, tenho certeza.

Ela ficou paralisada, com os olhos arregalados e a pele gelada como a lamina daquela faca. Coloquei a mão sobre sua boca e senti uma lagrima tocar meus dedos. Aquilo me deixou muito angustiado e com muita raiva. Era aquilo que eu deveria parar!!

Então já estava na hora. Dei-lhe um beijo na testa e disse: “Eu guardei por você todas essas noites. E hoje lhe darei a paz”. E em seguida cravei-lhe a faca no coração. Ela tentou falar algo, mas a única coisa que saiu foi um gemido quase que sussurrado e eu vi seu ultimo suspiro.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Antes de partir.

Antes de sair de lá eu tirei a blusa cheia de sangue, limpei seu corpo com ela mesma. Que pele macia. Fui até a gaveta e peguei uma camiseta limpa e a vesti. Cobri seu corpo com o cobertor, parecia que eu havia voltado no tempo e a via quando entrei naquele quarto. Ela estava dormindo. Só que agora, em paz. Eu destranquei a porta do quarto e me dirigi para a janela, antes de sair eu olhei pro lado e a ultima coisa que vi daquele quarto foi um livro em cima da escrivaninha, intitulado de “Diário de Megan”.

Megan era seu nome. “Adeus, Megan”.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

O que eu sentia?

Eu não havia só dado paz a Megan, eu tinha trazido paz a mim também. Eu a ajudei a sair daquela vida angustiante. Eu fiz o que ela tanto queria e não tinha coragem de fazer. Na verdade, eu me sentia ótimo. Pela primeira vez na vida eu tinha dado um final pra uma história. Eu me sentia Deus.

O corpo foi encontrado na manha seguinte, chamaram a policia. Mas não havia o que investigar. Ela havia se suicidado!

Aquilo era suicídio. Aquela vida era suicídio. Eu apenas dei um final pra tudo aquilo.

Mas não foi o que publicaram no jornal. “Que monstro faria isso com uma garota tão jovem como ela, ela tinha a vida toda pela frente”.

Monstro?? Eu sou o vilão agora?

Eu fui o herói da Megan. Ela não tinha uma vida toda pela frente, a vida dela já havia acabado quando a vi pela primeira vez.

Você também não acha, Violet?

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Foi isso.

Voltando ao presente. Eu vou esclarecer tudo pra você.

Você já sabe quem eu sou?

Claro que sabe. Eu sou todas as pessoas. Eu sou o carteiro que lhe entrega a carta, eu sou o policial que investiga o crime, eu sou a mãe ausente, eu sou o pai que abandonou o filho, eu sou a cura, sou seu herói. Eu sou você, Violet. Quando você se olha no espelho, você me vê, você vê aquele vazio.

E eu também posso ver isso.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Não tema.

Eu sei exatamente o que você sente, eu sei o que são todas essas lagrimas que você derrama toda noite.

Você deve se perguntar se me conhece pois eu sei seu nome. Ainda não me conhece, querida. Eu apenas escuto sua mãe bater na porta e gritar todo santo dia: “abre essa merda, Violet”. Enquanto você se encolhe na cama aos prantos, eu escuto seus soluços.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Você não sente medo.

Você ainda recebe as cartas, não sente medo. Você sabe que eu sou a luz, não é?

Depois de muito tempo tentando me tornar um escritor e escrever belas histórias, eu me tornei a história e você faz parte dela.

É uma bela história, você não acha?

Ass: A.Q.T.O.P.J.

Por que? Era essa a questão que faltava.

Porque eu as envio? Porque eu não escrevi pra Megan também?

Megan era mais simples. Ela nunca ligou pra quem estava lá ou não. Porque ela sabia que ser sozinha fazia parte dela, ela sabia que o sofrimento seria pra sempre. Você ainda não sabe disso, criança. Você precisava saber.

Ass: A.Q.T.O.P.J.

É chegado o dia, Violet.

“Eu guardei por você todas essas noites. E hoje vou lhe dar a paz.”

Não tranque a janela hoje. Será mais fácil.

Ass: Aquele Que Te Olha Pela Janela.