Quem conheceu a Dona Vitória vai se lembrar do fato. E quem não conheceu não vai estranhar porque se lembrará de pelo menos uma pessoa semelhante. Ela era o arquétipo da mulher centralizadora, dominadora, que simboliza bem o protótipo da matriarca que não abdica da sua autoridade nem depois de morta.
Enquanto o marido foi vivo ela infernizou sua vida com cenas constantes de ciúme e uma marcação tão cerrada em cima do cara, que o fazia motivo de chacota entre os amigos e os companheiros de trabalho.
Diziam que ele não dava um suspiro sem a autorização dela. No entanto, o coitado do Seu Antonio era o sujeito mais pacato que existia na cidade. Não tinha boca para nada. Não reclamava de coisa alguma, não falava mal de ninguém, estava sempre dizendo sim para todos, era uma alma que nascera para concordar com tudo e nunca contestar nada. Odiava conflitos e situações complicadas. Mas mesmo assim, a Dona Vitória sempre cismava que ele poderia passá-la para traz. Por isso não dava tréguas para o infeliz, controlando-o de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Seu Antonio estava acostumado com isso e não ligava. Só não gostava quando ela começava a armar barraco, por conta de um bom dia que ele deu para a vizinha, uma olhadinha para as pernas da mocinha que passou de mini saia em frente a eles, pelo sorriso sem vergonha que a fulana deu para ele e por ai adiante. Nessas ocasiões, ele que odiava conflitos, saia de perto e deixava a mulher falando sozinha. E ela odiava isso. Queria que ele retrucasse, que brigasse, que reagisse, mas que nada. Quando um quer dois não brigam, dizia ele proverbialmente, e dali saia para a rua, dar uma volta. “Quando você se cansar dessa besteira, eu volto”, dizia ele.
A morte do Seu Antonio pegou Dona Vitória no contrapé. Ela não tinha mais o marido para infernizar. Então mudou de alvo. Começou a pegar no pé do Toninho, seu filho de vinte e dois anos. Até então ela tentara exercer seu matriarcado sobre o filho, mas sem muito sucesso. O rapaz simplesmente não lhe dava a menor bola. Quanto mais ela tentava controlá-lo, mais ele a contradizia. Só que antes ele tinha o pai para dividir com ele a chatice das diatribes da mãe. E como ela preferia ficar chateando o pai, ele sempre escapava pela tangente, deixando a mãe falando sozinha. Agora, entretanto, ele passara a ser o alvo principal dela.
O pior de tudo isso era a bronca que ela pegara da Martinha, sua noiva. No começo, quando ele trouxe a menina pela primeira vez à sua casa, ele só notou um pouco de frieza por parte dela. Mas não foi malcriada nem criou nenhum tipo de constrangimento para a moça. Apenas ignorou-a. Toninho conhecia bem a mãe e não se importou com isso.
“Ciúmes de mulher que pensa que outra mulher vai levar o seu filho embora”, pensou ele. Toda mãe, em algum momento da vida do filho, quando ele começa a se interessar por outra mulher, tem, em algum grau, esse sentimento. Isso naturalmente passaria com o tempo.
Não passou. Ao contrário, com o passar do tempo só piorou. Dona Vitória não perdia oportunidade de criticar a menina. Era desajeitada, preguiçosa, tinha uma voz desagradável, não sabia cozinhar, parecia meio largada, era muito “dada” com os amigos dele etc...
Fez de tudo, disse tudo que era possível mostrar e inventar para que o Toninho largasse a Martinha, mas o tiro saiu pela culatra. Quanto mais ele torpedeava o namoro deles, mais crescia neles a vontade dos dois se casarem logo. Ela, para dar um troco naquela bruxa, ele para escapar das garras dela.
Assim, eles acabaram se casando antes do previsto. Dona Vitória ficou fula de raiva. Recusou-se a ir ao casamento, falou um monte de impropérios para a nora, brigou com o filho, fez as chantagens emocionais de praxe (chorou, inventou doenças, reclamou do abandono em que estava sendo deixada, prometeu se matar, etc.), mas nada adiantou. Eles sabiam com quem estavam lidando. E assim foi durante um ano. Dona Vitória tentando envenenar a relação deles e eles cada vez mais apaixonados, e cada vez mais se afastando dela.
Até que Dona Vitória acabou morrendo de verdade. Não se sabe se por alguma doença que a acometeu, ou pela tristeza de ter ficado sozinha e perdido a razão de sua existência, que era atormentar a vida dos seus parentes. Ninguém se preocupou em saber. Na verdade, até o Toninho sentiu um alívio com a morte da mãe. Já não teria que aguentar mais os comentários maldosos dela, os seus achaques e as suas chantagens emocionais.
Durante um ano Toninho e Martinha viveram felizes e unidos. Já estavam até tentando aumentar a família.
Mas um dia ele recebeu um telefonema estranho de uma mulher que se dizia amiga dele. Não quis se identificar, pois segundo ela disse, era também amiga da Martinha. Mas não se conformava com o que ela estava fazendo com ele.
De uma forma velada e subreptícia ela disse que a Martinha estava passando ele para traz. Deu detalhes do caso. Disse que quando ele saia para o trabalho, pela manhã, um cara costumava entrar na casa deles, pela janela do quarto do casal. Ficava lá algumas horas e depois saia pela mesma janela.
“Se você quer saber a verdade” disse ela, pode verificar por si mesmo. Basta ficar de tocaia de manhã para ver. Sua mulher deixa a janela aberta para ele entrar.”.
Foi então que no dia seguinte, lá estava o Toninho, espreitando. Acoitara-se atrás de um muro, de onde podia ter uma vista completa da sua casa, e principalmente da janela do seu quarto.
Não demorou meia hora. Viu quando Walderez abriu a janela do quarto e olhou para fora, como se estivesse respirando o ar da manhã. Notou que ela deixara a janela aberta. Cinco minutos depois um homem chegou no portão, olhou sorrateiramente para todos os lados, abriu-o, entrou no pequeno jardim, esgueirou-se cuidadosamente pelo beiral da casa, como se temesse ser visto e pulou para dentro do quarto pela janela que Martinha deixara aberta.
O que aconteceu depois todo mundo, naquela cidade, ainda se lembra. Os jornais estamparam manchetes garrafais e comentaram durante o fato durante a semana inteira.
"Marido psicopata mata a esposa e depois se suicida".
A polícia não teve muito trabalho para classificar o caso. Levantou os telefonemas recebidos pelo Toninho e concluiu: Foi uma tragédia familiar, causada por ciúmes. Não adiantava procurar as razões. Afinal, Não sobrara culpados para punir.
Só não conseguiu identificar quem teria sido a estranha mulher que denunciara o adultério de Martinha. E nem o motivo de o rapaz ter invadido o cemitério na noite anterior, roubado o esqueleto da mãe e colocado sobre a própria cama do casal. E mais: vestira-o com uma roupa do falecido pai e colocara nele um bigode postiço. O túmulo da Dona Vitória, violado e vazio, comprovava o roubo dos restos mortais dela. Mas o mais estranho de tudo isso era o fato de que um casal amigo ter jurado que, a noite anterior ao crime, o Toninho passara com eles, em sua casa, afogando a mágoa de ter sido corneado pela mulher que tanto amava. E que saíra de lá por volta da seis da manhã, diretamente para o serviço. Portanto, nunca poderia ter invadido o cemitério e roubado o corpo da mãe. Pelo menos não naquela noite em que o cemitério fora invadido. Esse mistério não foi solucionado até hoje.
Enquanto o marido foi vivo ela infernizou sua vida com cenas constantes de ciúme e uma marcação tão cerrada em cima do cara, que o fazia motivo de chacota entre os amigos e os companheiros de trabalho.
Diziam que ele não dava um suspiro sem a autorização dela. No entanto, o coitado do Seu Antonio era o sujeito mais pacato que existia na cidade. Não tinha boca para nada. Não reclamava de coisa alguma, não falava mal de ninguém, estava sempre dizendo sim para todos, era uma alma que nascera para concordar com tudo e nunca contestar nada. Odiava conflitos e situações complicadas. Mas mesmo assim, a Dona Vitória sempre cismava que ele poderia passá-la para traz. Por isso não dava tréguas para o infeliz, controlando-o de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Seu Antonio estava acostumado com isso e não ligava. Só não gostava quando ela começava a armar barraco, por conta de um bom dia que ele deu para a vizinha, uma olhadinha para as pernas da mocinha que passou de mini saia em frente a eles, pelo sorriso sem vergonha que a fulana deu para ele e por ai adiante. Nessas ocasiões, ele que odiava conflitos, saia de perto e deixava a mulher falando sozinha. E ela odiava isso. Queria que ele retrucasse, que brigasse, que reagisse, mas que nada. Quando um quer dois não brigam, dizia ele proverbialmente, e dali saia para a rua, dar uma volta. “Quando você se cansar dessa besteira, eu volto”, dizia ele.
A morte do Seu Antonio pegou Dona Vitória no contrapé. Ela não tinha mais o marido para infernizar. Então mudou de alvo. Começou a pegar no pé do Toninho, seu filho de vinte e dois anos. Até então ela tentara exercer seu matriarcado sobre o filho, mas sem muito sucesso. O rapaz simplesmente não lhe dava a menor bola. Quanto mais ela tentava controlá-lo, mais ele a contradizia. Só que antes ele tinha o pai para dividir com ele a chatice das diatribes da mãe. E como ela preferia ficar chateando o pai, ele sempre escapava pela tangente, deixando a mãe falando sozinha. Agora, entretanto, ele passara a ser o alvo principal dela.
O pior de tudo isso era a bronca que ela pegara da Martinha, sua noiva. No começo, quando ele trouxe a menina pela primeira vez à sua casa, ele só notou um pouco de frieza por parte dela. Mas não foi malcriada nem criou nenhum tipo de constrangimento para a moça. Apenas ignorou-a. Toninho conhecia bem a mãe e não se importou com isso.
“Ciúmes de mulher que pensa que outra mulher vai levar o seu filho embora”, pensou ele. Toda mãe, em algum momento da vida do filho, quando ele começa a se interessar por outra mulher, tem, em algum grau, esse sentimento. Isso naturalmente passaria com o tempo.
Não passou. Ao contrário, com o passar do tempo só piorou. Dona Vitória não perdia oportunidade de criticar a menina. Era desajeitada, preguiçosa, tinha uma voz desagradável, não sabia cozinhar, parecia meio largada, era muito “dada” com os amigos dele etc...
Fez de tudo, disse tudo que era possível mostrar e inventar para que o Toninho largasse a Martinha, mas o tiro saiu pela culatra. Quanto mais ele torpedeava o namoro deles, mais crescia neles a vontade dos dois se casarem logo. Ela, para dar um troco naquela bruxa, ele para escapar das garras dela.
Assim, eles acabaram se casando antes do previsto. Dona Vitória ficou fula de raiva. Recusou-se a ir ao casamento, falou um monte de impropérios para a nora, brigou com o filho, fez as chantagens emocionais de praxe (chorou, inventou doenças, reclamou do abandono em que estava sendo deixada, prometeu se matar, etc.), mas nada adiantou. Eles sabiam com quem estavam lidando. E assim foi durante um ano. Dona Vitória tentando envenenar a relação deles e eles cada vez mais apaixonados, e cada vez mais se afastando dela.
Até que Dona Vitória acabou morrendo de verdade. Não se sabe se por alguma doença que a acometeu, ou pela tristeza de ter ficado sozinha e perdido a razão de sua existência, que era atormentar a vida dos seus parentes. Ninguém se preocupou em saber. Na verdade, até o Toninho sentiu um alívio com a morte da mãe. Já não teria que aguentar mais os comentários maldosos dela, os seus achaques e as suas chantagens emocionais.
Durante um ano Toninho e Martinha viveram felizes e unidos. Já estavam até tentando aumentar a família.
Mas um dia ele recebeu um telefonema estranho de uma mulher que se dizia amiga dele. Não quis se identificar, pois segundo ela disse, era também amiga da Martinha. Mas não se conformava com o que ela estava fazendo com ele.
De uma forma velada e subreptícia ela disse que a Martinha estava passando ele para traz. Deu detalhes do caso. Disse que quando ele saia para o trabalho, pela manhã, um cara costumava entrar na casa deles, pela janela do quarto do casal. Ficava lá algumas horas e depois saia pela mesma janela.
“Se você quer saber a verdade” disse ela, pode verificar por si mesmo. Basta ficar de tocaia de manhã para ver. Sua mulher deixa a janela aberta para ele entrar.”.
Foi então que no dia seguinte, lá estava o Toninho, espreitando. Acoitara-se atrás de um muro, de onde podia ter uma vista completa da sua casa, e principalmente da janela do seu quarto.
Não demorou meia hora. Viu quando Walderez abriu a janela do quarto e olhou para fora, como se estivesse respirando o ar da manhã. Notou que ela deixara a janela aberta. Cinco minutos depois um homem chegou no portão, olhou sorrateiramente para todos os lados, abriu-o, entrou no pequeno jardim, esgueirou-se cuidadosamente pelo beiral da casa, como se temesse ser visto e pulou para dentro do quarto pela janela que Martinha deixara aberta.
O que aconteceu depois todo mundo, naquela cidade, ainda se lembra. Os jornais estamparam manchetes garrafais e comentaram durante o fato durante a semana inteira.
"Marido psicopata mata a esposa e depois se suicida".
A polícia não teve muito trabalho para classificar o caso. Levantou os telefonemas recebidos pelo Toninho e concluiu: Foi uma tragédia familiar, causada por ciúmes. Não adiantava procurar as razões. Afinal, Não sobrara culpados para punir.
Só não conseguiu identificar quem teria sido a estranha mulher que denunciara o adultério de Martinha. E nem o motivo de o rapaz ter invadido o cemitério na noite anterior, roubado o esqueleto da mãe e colocado sobre a própria cama do casal. E mais: vestira-o com uma roupa do falecido pai e colocara nele um bigode postiço. O túmulo da Dona Vitória, violado e vazio, comprovava o roubo dos restos mortais dela. Mas o mais estranho de tudo isso era o fato de que um casal amigo ter jurado que, a noite anterior ao crime, o Toninho passara com eles, em sua casa, afogando a mágoa de ter sido corneado pela mulher que tanto amava. E que saíra de lá por volta da seis da manhã, diretamente para o serviço. Portanto, nunca poderia ter invadido o cemitério e roubado o corpo da mãe. Pelo menos não naquela noite em que o cemitério fora invadido. Esse mistério não foi solucionado até hoje.