A Menina Morta
Aconteceu tudo muito rápido. Eu andando pela calçada e o carro desgovernado veio em minha direção. Não sei como pulei para dentro de um quintal, cujo portão se encontrava aberto. Respirei aliviado, até ver a menina caída no chão, ensanguentada. O motorista fugiu. Era tarde da noite e ninguém na rua, além de mim e a menina. O que faria uma adolescente sozinha em uma rua deserta naquela hora? Deveria ter doze, treze anos anos. Corri até ela. Gritei por socorro, ninguém apareceu. Peguei o celular e tentei ligar. Sem bateria. Abracei a menina que parecia desfalecida. Abriu os olhos e pediu que não a abandonasse.
- Vou pedir socorro. Já volto.
- Não me deixe sozinha. Se vou morrer, não quero que...
Surgiu um carro e parou.
- Vou pedir socorro. Já volto.
- Não me deixe sozinha. Se vou morrer, não quero que...
Surgiu um carro e parou.
- Por favor ligue para os bombeiros. A menina foi atropelada.
O homem pegou o celular e ligou. Foi embora em seguida. Voltei até a menina que estava consciente. Sorriu. As roupas ensanguentadas. A menina apertou a minha mão e desfaleceu novamente.
O carro do resgate chegou finalmente. Demorou uns quinze minutos que pareceram uma eternidade. A polícia também chegou. Levaram a menina e a mim ao hospital, já que ela não largava a minha mão. Não me deixe, dizia. Não deixei, os bombeiros foram compreensivos. A polícia seguiu o carro do resgate e depois da menina dar entrada no hospital, me levaram à delegacia. Prestei depoimento e fui liberado. Não sabia de quase nada: um carro escuro em alta velocidade, rua pouco iliuminada, noite nublada. Na noite do acidente saíra caminhando sem destino como sempre fazia depois de uma das muitas brigas com Ângela, minha namorada. Ou ex-namorada não sei. Estava tão distraído que nem notei ser tão tarde e muito menos a proximidade da menina ou do carro que a matou.
No dia seguinte fui ao hospital e soube que ela morrera e o corpo foi encaminhado ao I.M.L. que seria entregue aos parentes, posteriormente. Seu nome, Camila. Voltei para casa. Não consegui trabalhar naquele dia. Eu morava sozinho, sendo minha única companhia o Peter, meu cachorro.
Dormi quase o dia todo. Sonhos estranhos, carros, sangue, gritos. Acordei assustado. Saí de casa, já era noite. Quando percebi estava de volta a mesma rua do acidente, novamente deserta. Nesse instante, vi pela primeira vez o fantasma da menina. Uma imagem meio translúcida, pouco nítida, Olhou para mim e sorriu. Um sorriso triste que aos poucos foi se transformando. Sangue, muito sangue no rosto, na boca e outras partes do corpo. Eu fiquei paralisado. A menina foi desaparecendo, sumiu. Quando me recuperei voltei para casa. Não tinha coragem de dormir. Medo de dormir e ter pesadelos com Camila. Apaguei e não sonhei com ela, mas com o acidente.
Comecei faltar ao trabalho. O médico da empresa me afastou por uma semana. Trauma pós acidente. Não queria mais dormir. Não adiantou. A Camila apareceu na sala de casa quando eu tentava assistir a um filme. Paralisei de novo. Sua aparência mudara. Estava pior. Estado de decomposicão. Larvas pelo corpo. Gritei. Vizinhos bateram à porta. Peter desesperado, não parava de latir. A menina sumiu, outra vez. Eu estava em choque. Chamaram uma ambulância e fiquei em observação psiquiátrica.
Ao ser liberado do hospital, comecei repensar tudo. Precisava resolver ou ficaria louco. O que ela queria? Esperei que aparecesse outra vez, o que não demorou muito.
- O que você quer de mim? Me deixe em paz. Eu não te fiz mal algum. Tentei te ajudar.
A aparência de Camila agora era outra. Não havia nem sangue, podridão ou larvas. Apenas palidez.
- Consegui melhorar minha aparência. Não sabia como fazer. Apareci no estado que me encontrava.
Era a primeira vez que falava. Meu medo deu lugar à curiosidade.
- O que afinal você quer que eu faça? Perguntei.
- Duas coisas: primeiro encontre o motorista que me matou; segundo procure a minha mãe.
- Como eu vou fazer isso?
Lembra do cara que ligou para pedir socorro? Pois então, foi ele. Voltou ao local para ver o que tinha acontecido. Pede para identificarem o número da ligação. Não deve ser tão difícil. Agora, quanto a minha mãe, logo eu volto pra falar com você. Tenho pouco tempo.
Sumiu, de novo. Pelo menos agora sua aparência não era tão assustadora e eu não tinha mais medo. Na verdade, só um pouco. Voltei ao trabalho. Tudo bem até Camila resolver aparecer no banheiro da empresa. Eu estava sozinho. Não sabia o que fazer.
- Perdeu a noção? Estou no trabalho, vai embora.
- Falando sozinho, irmãozinho? Disse o colega de trabalho, que acabara de entrar.
- Não, pensando alto, eu disse.
Ela havia sumido e meu colega só reforçou o que já diziam de minha sanidade. Fui falar com a polícia sobre o fato de o motorista que ligou comunicando o acidente ser o mesmo que atropelou. Pensei que seria ignorado. Não foi o que aconteceu. Foram investigar, identificaram o motorista que acabou confessando o atropelamento. Disse que havia bebido “um pouco” e ficou com medo do flagrante. Foi indiciado, mas não ficou detido. Foi liberado e no caminho de casa bateu o carro. Ficou muito ferido e ao chegar ao hospital falou de uma garota que apareceu na frente do carro. Estava apavorado. Foi internado para observação. Encontram-no morto. Os médicos diagnosticaram infarto do miocárdio. O estranho era a expressão de pavor. As enfermeiras de plantão escutaram gritos. Ao chegarem ao quarto o paciente estava morto.
- Você viu aquela menina? Disse uma delas.
- Menina? Não. Acho que você está vendo coisas. A ala de crianças é do outro lado.
Fiquei sabendo da história pelo investigador da polícia que acompanhava o caso. E agora, será que a Camila vai ter paz e me deixar em paz? Seria ela a menina do acidente e do hospital? Lembrei da história da mãe. Voltei ficar preocupado.
Passaram algumas semanas. Parecia que as coisas se acalmaram. Ângela me deu o fora definitivo e ficamos apenas eu e o Peter. Este de repente ficou nervoso. Começou latir. Logo lá estava a Camila em nova visita.
- Você de novo? Já estávamos íntimos. O que você quer? Era você no hospital, não? Ela apenas sorriu. Continuava uma imagem translúcida, mas sem a expressão agressiva.
- Esqueceu de minha mãe?
- Não, mas como eu vou encontrá-la? Ela não morava com você?
- Ela saiu de casa faz um mês. É viciada em drogas. Ouvi dizer que ela estava numa construção em ruínas naquela rua que eu fui apropelada e morri. Naquele dia eu ia tentar chegar até lá pra ver se a encontrava. Um amigo meu, também viciado, disse onde a tinha visto. Eu preciso que você vá até lá e a encontre. Seu nome é Amélia. Fale da minha morte. Meus irmãos ficam sozinhos quando meu pai sai para trabalhar eu cuidava deles. Sumiu novamente.
Fui até a casa de Camila. Na delegacia me informaram o endereço após de eu dizer que gostaria de visitar os parentes da menina do acidente. Chegando lá encontrei o Sr. Jorge, pai da Camila. Me identifiquei, falei do acontecido, disse da minha tristeza e pedi um copo de água. Enquanto o homem foi até a cozinha, tirei uma foto, com o celular, de um dos porta-retratos que estavam sobre um móvel. Era da mãe de Camila.
No dia seguinte voltei àquela fatídica rua para ver se encontrava o tal lugar. Não foi difícil. Era um prédio cuja construção fora embargada e se estava em ruínas. Entrei. O cheiro era insuportável. Encontrei pessoas dormindo, sobre efeito de provavelmente de álcool e drogas. Os que estavam despertos me olhavam com desconfiança. Comecei a subir escadas inacabadas. Eram cinco andares, sendo que no terceiro achei que encontrara alguém parecido com a foto. Com dificuldade acordei a mulher. Disse quem eu era, de sua filha e do acontecido. Ela chorou muito. Pedi que viesse comigo e a levei para minha casa. Lá tomou um banho e vestiu algumas roupas minhas. Comeu um lanche que eu ofereci. Estava faminta e adormeceu.
Pedi ajuda a uma de minhas primas para me ajudar comprar roupas femininas. Ela achou que era para alguma namorada e sugeriu roupas sensuais. Tive que inventar uma a história, só assim me indicou coisas mais adequadas. Voltei para casa e Amélia já desperta, ainda estava meio assustada. Então,contei de minha ida a sua casa, e da preocupação do marido e filhos. Não falei das aparições. Ela concordou em voltar para casa, chamei um taxi e a levei. O Sr. Jorge e as crianças a receberam com carinho.
- Vamos ver quanto tempo ela fica dessa vez. Você conhece alguma clínica de reabilitação que não seja cara? Eu não conhecia, mas iria procurar.
Voltei àquela casa mais algumas vezes. Amélia parecia estar sob controle. Sugeri uma visita ao túmulo de Camila. Fomos. O pai ficou com as crianças. Compramos algumas flores e depositamos no humilde túmulo da menina. Na saída Amélia disse precisar ir ao banheiro. Pedi para que me esperasse na saída do cemitério. Voltei ao túmulo e lá estava a menina. Em seu rosto pálido surgiu um triste sorriso. Acenou e desapareceu, para sempre.
O carro do resgate chegou finalmente. Demorou uns quinze minutos que pareceram uma eternidade. A polícia também chegou. Levaram a menina e a mim ao hospital, já que ela não largava a minha mão. Não me deixe, dizia. Não deixei, os bombeiros foram compreensivos. A polícia seguiu o carro do resgate e depois da menina dar entrada no hospital, me levaram à delegacia. Prestei depoimento e fui liberado. Não sabia de quase nada: um carro escuro em alta velocidade, rua pouco iliuminada, noite nublada. Na noite do acidente saíra caminhando sem destino como sempre fazia depois de uma das muitas brigas com Ângela, minha namorada. Ou ex-namorada não sei. Estava tão distraído que nem notei ser tão tarde e muito menos a proximidade da menina ou do carro que a matou.
No dia seguinte fui ao hospital e soube que ela morrera e o corpo foi encaminhado ao I.M.L. que seria entregue aos parentes, posteriormente. Seu nome, Camila. Voltei para casa. Não consegui trabalhar naquele dia. Eu morava sozinho, sendo minha única companhia o Peter, meu cachorro.
Dormi quase o dia todo. Sonhos estranhos, carros, sangue, gritos. Acordei assustado. Saí de casa, já era noite. Quando percebi estava de volta a mesma rua do acidente, novamente deserta. Nesse instante, vi pela primeira vez o fantasma da menina. Uma imagem meio translúcida, pouco nítida, Olhou para mim e sorriu. Um sorriso triste que aos poucos foi se transformando. Sangue, muito sangue no rosto, na boca e outras partes do corpo. Eu fiquei paralisado. A menina foi desaparecendo, sumiu. Quando me recuperei voltei para casa. Não tinha coragem de dormir. Medo de dormir e ter pesadelos com Camila. Apaguei e não sonhei com ela, mas com o acidente.
Comecei faltar ao trabalho. O médico da empresa me afastou por uma semana. Trauma pós acidente. Não queria mais dormir. Não adiantou. A Camila apareceu na sala de casa quando eu tentava assistir a um filme. Paralisei de novo. Sua aparência mudara. Estava pior. Estado de decomposicão. Larvas pelo corpo. Gritei. Vizinhos bateram à porta. Peter desesperado, não parava de latir. A menina sumiu, outra vez. Eu estava em choque. Chamaram uma ambulância e fiquei em observação psiquiátrica.
Ao ser liberado do hospital, comecei repensar tudo. Precisava resolver ou ficaria louco. O que ela queria? Esperei que aparecesse outra vez, o que não demorou muito.
- O que você quer de mim? Me deixe em paz. Eu não te fiz mal algum. Tentei te ajudar.
A aparência de Camila agora era outra. Não havia nem sangue, podridão ou larvas. Apenas palidez.
- Consegui melhorar minha aparência. Não sabia como fazer. Apareci no estado que me encontrava.
Era a primeira vez que falava. Meu medo deu lugar à curiosidade.
- O que afinal você quer que eu faça? Perguntei.
- Duas coisas: primeiro encontre o motorista que me matou; segundo procure a minha mãe.
- Como eu vou fazer isso?
Lembra do cara que ligou para pedir socorro? Pois então, foi ele. Voltou ao local para ver o que tinha acontecido. Pede para identificarem o número da ligação. Não deve ser tão difícil. Agora, quanto a minha mãe, logo eu volto pra falar com você. Tenho pouco tempo.
Sumiu, de novo. Pelo menos agora sua aparência não era tão assustadora e eu não tinha mais medo. Na verdade, só um pouco. Voltei ao trabalho. Tudo bem até Camila resolver aparecer no banheiro da empresa. Eu estava sozinho. Não sabia o que fazer.
- Perdeu a noção? Estou no trabalho, vai embora.
- Falando sozinho, irmãozinho? Disse o colega de trabalho, que acabara de entrar.
- Não, pensando alto, eu disse.
Ela havia sumido e meu colega só reforçou o que já diziam de minha sanidade. Fui falar com a polícia sobre o fato de o motorista que ligou comunicando o acidente ser o mesmo que atropelou. Pensei que seria ignorado. Não foi o que aconteceu. Foram investigar, identificaram o motorista que acabou confessando o atropelamento. Disse que havia bebido “um pouco” e ficou com medo do flagrante. Foi indiciado, mas não ficou detido. Foi liberado e no caminho de casa bateu o carro. Ficou muito ferido e ao chegar ao hospital falou de uma garota que apareceu na frente do carro. Estava apavorado. Foi internado para observação. Encontram-no morto. Os médicos diagnosticaram infarto do miocárdio. O estranho era a expressão de pavor. As enfermeiras de plantão escutaram gritos. Ao chegarem ao quarto o paciente estava morto.
- Você viu aquela menina? Disse uma delas.
- Menina? Não. Acho que você está vendo coisas. A ala de crianças é do outro lado.
Fiquei sabendo da história pelo investigador da polícia que acompanhava o caso. E agora, será que a Camila vai ter paz e me deixar em paz? Seria ela a menina do acidente e do hospital? Lembrei da história da mãe. Voltei ficar preocupado.
Passaram algumas semanas. Parecia que as coisas se acalmaram. Ângela me deu o fora definitivo e ficamos apenas eu e o Peter. Este de repente ficou nervoso. Começou latir. Logo lá estava a Camila em nova visita.
- Você de novo? Já estávamos íntimos. O que você quer? Era você no hospital, não? Ela apenas sorriu. Continuava uma imagem translúcida, mas sem a expressão agressiva.
- Esqueceu de minha mãe?
- Não, mas como eu vou encontrá-la? Ela não morava com você?
- Ela saiu de casa faz um mês. É viciada em drogas. Ouvi dizer que ela estava numa construção em ruínas naquela rua que eu fui apropelada e morri. Naquele dia eu ia tentar chegar até lá pra ver se a encontrava. Um amigo meu, também viciado, disse onde a tinha visto. Eu preciso que você vá até lá e a encontre. Seu nome é Amélia. Fale da minha morte. Meus irmãos ficam sozinhos quando meu pai sai para trabalhar eu cuidava deles. Sumiu novamente.
Fui até a casa de Camila. Na delegacia me informaram o endereço após de eu dizer que gostaria de visitar os parentes da menina do acidente. Chegando lá encontrei o Sr. Jorge, pai da Camila. Me identifiquei, falei do acontecido, disse da minha tristeza e pedi um copo de água. Enquanto o homem foi até a cozinha, tirei uma foto, com o celular, de um dos porta-retratos que estavam sobre um móvel. Era da mãe de Camila.
No dia seguinte voltei àquela fatídica rua para ver se encontrava o tal lugar. Não foi difícil. Era um prédio cuja construção fora embargada e se estava em ruínas. Entrei. O cheiro era insuportável. Encontrei pessoas dormindo, sobre efeito de provavelmente de álcool e drogas. Os que estavam despertos me olhavam com desconfiança. Comecei a subir escadas inacabadas. Eram cinco andares, sendo que no terceiro achei que encontrara alguém parecido com a foto. Com dificuldade acordei a mulher. Disse quem eu era, de sua filha e do acontecido. Ela chorou muito. Pedi que viesse comigo e a levei para minha casa. Lá tomou um banho e vestiu algumas roupas minhas. Comeu um lanche que eu ofereci. Estava faminta e adormeceu.
Pedi ajuda a uma de minhas primas para me ajudar comprar roupas femininas. Ela achou que era para alguma namorada e sugeriu roupas sensuais. Tive que inventar uma a história, só assim me indicou coisas mais adequadas. Voltei para casa e Amélia já desperta, ainda estava meio assustada. Então,contei de minha ida a sua casa, e da preocupação do marido e filhos. Não falei das aparições. Ela concordou em voltar para casa, chamei um taxi e a levei. O Sr. Jorge e as crianças a receberam com carinho.
- Vamos ver quanto tempo ela fica dessa vez. Você conhece alguma clínica de reabilitação que não seja cara? Eu não conhecia, mas iria procurar.
Voltei àquela casa mais algumas vezes. Amélia parecia estar sob controle. Sugeri uma visita ao túmulo de Camila. Fomos. O pai ficou com as crianças. Compramos algumas flores e depositamos no humilde túmulo da menina. Na saída Amélia disse precisar ir ao banheiro. Pedi para que me esperasse na saída do cemitério. Voltei ao túmulo e lá estava a menina. Em seu rosto pálido surgiu um triste sorriso. Acenou e desapareceu, para sempre.