A Partitura
Jonatas Simer tinha acabado de se mudar para sua nova casa. Ela era bem antiga, mas muito aprazível. Ficava localizada na Tijuca, bairro de classe média da Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro.
Jonatas estava de férias do seu trabalho. Ele era músico profissional, maestro da orquestra sinfônica do Teatro Municipal, e sabia tocar todos os instrumentos: do violino ao trombone. Ganhava um bom salário, e dinheiro não era problema para ele. A casa para qual se mudara precisava de reformas. Tinha jardim, porão, sótão, quatro quartos (sendo um deles com suíte), sala grande, cozinha ampla, dois banheiros enormes... enfim era uma ótima casa para quem gosta de espaço morar. E ele gostava de espaço!
Arrumando o sótão, Jonatas encontrou, debaixo de uma porção de tralhas, um baú preto com um enorme cadeado no centro. Parecia aqueles baús de tesouro muito comuns em filmes de piratas. Jonatas forçou o cadeado com uma chave de fenda até conseguir abri-lo. Dentro dele havia duas relíquias: um raro violino Stradivarius (fabricado durante os séculos XVII e XVIII, e considerado o melhor violino de todos os tempos!) e uma partitura aparentemente pertencente ao fim do século XVI (Partitura é a linguagem escrita da música. Ela é composta de notas musicais e símbolos que tornam a música única e possibilitam sua fiel reprodução em qualquer época e lugar.)
Jonatas Simer ficou tão curioso com a estranha música contida na partitura, que pegou o violino e começou a tocá-la. A música era inebriante e original. Jonatas não conseguia parar de tocá-la, por mais que tentasse. Após 24 horas ininterruptas de execução da envolvente música, Jonatas Simer se vê numa imensa caverna. Em sua entrada, há uma inscrição em aramaico: “Aqueles que aqui entram, nunca mais saem.” Jonatas Simer, além de músico, era também professor de linguística com PhD em línguas mortas, como o Aramaico e o Latim, mas ficou estupefato com a inscrição, porque não se lembrava de nenhuma menção a ela nos livros que já lera. Fazendo um esforço brutal de memória, lembrou-se, afinal, que já a vira sim. Num livro de Ocultismo e Magia Negra: “Os Sete Degraus para o Inferno.”
Jonatas ignorou solenemente o aviso e o medo, e se embrenhou na sinistra gruta. Havia uma luz no fundo do antro que brilhava de forma intermitente. Para Jonatas Simer era um bom sinal. Sinal que a caverna tinha saída. À medida que Jonatas entrava na cavidade subterrânea, ele via flashes (momentos) de sua vida. Ele se viu no ventre de sua mãe, ainda feto. Viu seu nascimento... Sua primeira mamada... Seu primeiro beijo...
— Será que eu morri e vim parar no Inferno? — perguntou-se, assustado, Jonatas Simer. Uma pergunta que, por enquanto, ficaria sem resposta.
À medida que o maestro entrava cada vez mais na caverna, o calor aumentava substancialmente. Em algumas partes do chão, ele viu a água borbulhando de tão quente. Viu também colunas de fogo dispostas em paralelo, ao longo do caminho, como soldados dispostos num corredor polonês. A luz no fim da caverna continua piscando. Um estímulo para ele continuar o árduo caminho. Subitamente, Jonatas ouve gritos inumanos. Se assusta, mas segue em frente. Parar ou voltar não adiantariam de nada. De repente , Jonatas Simer vê sua mãe ser atropelada e morrer no hospital. Chora copiosamente com a triste lembrança. Adorava sua mãe. Repentinamente, ouve tiros e latidos. Escuta também o barulho de uma sirene. Jonatas tropeça num buraco e cai. Vai caindo sem parar. Cada vez mais dentro do covil. Num buraco que parece sem fim. Enquanto cai vê o magma brilhando ao redor da imensa cratera e morcegos voando tentando se proteger do fogo. — É o fim! — pensa Jonatas Simer um segundo antes do impacto. Então, tudo fica branco. Mais branco que a mais alva luz. Mas o coração de Jonatas Simer continua batendo! Batendo forte... no peito de outra pessoa.