UM FANTASMA NO HOSPITAL
Paulinho nascera com aquela doença horrível. Ela tinha um nome estranho. Chamava-se protoporfíria eritropoiética, uma espécie de deficiência imunológica que o impossibilitava de se expor á luz do sol. Todos os dez anos de sua jovem vida foi aquele sofrimento. Só conseguia sair de casa á noite, como se fosse um vampiro. Durante o dia, só podia sair usando óculos escuros, um casacão longo e escuro, como aqueles usados pelos judeus ortodoxos, com uma máscara no rosto e o corpo todo coberto. Qualquer luminosidade que atingisse seus olhos provocava intensa dor. Exposto ao sol, sua pele arrebentava em dolorosas bolhas d’água, que se tornavam horríveis feridas.
Por conta disso Paulinho era um menino extremamente infeliz. Não tinha amigos e passava os dias na penumbra do seu quarto, protegido por janelas com vidros escuros, olhando os outros meninos passando na rua com suas mochilas em direção á escola. E como sonhava poder sair para a rua e jogar bola com eles!
Um dia Paulinho cansou-se daquela vida reclusa e resolveu enfrentar o sol. O resultado foi catastrófico. Sua pele ficou cheia de bolhas como se ele tivesse se queimado em um incêndio. Seu rosto inchou como se ele tivesse lutado boxe e levado diversos socos nele.
Foi parar no hospital. Na sua cama, com os olhos vendados, o corpo todo enfaixado, como se fosse uma múmia, Paulinho só pensava em morrer. E era exatamente isso que os médicos estavam achando que ia acontecer, pois o tratamento não estava funcionando. Paulinho só piorava, mesmo com a quantidade cavalar de antibióticos e antiinflamatórios que estavam aplicando nele.
Todo bom médico sabe que quando o paciente não quer viver, não há remédio que funcione. O organismo não coopera e a homeóstase, essa capacidade que o nosso organismo tem de repor células mortas e recompor-se de ferimentos, deixa de funcionar. Em conseqüência, o organismo enfraquece e morre. É por isso que a melhor sabedoria que um médico tem é a sua capacidade de injetar no paciente, não o remédio certo, mas sim uma grande vontade de viver.
Era o contrário do que estava acontecendo com Paulinho. O garoto estava numa cama de hospital, praticamente imobilizado e cego. E sabia que se ficasse curado, sua situação não iria mudar. Ao voltar para casa continuaria prisioneiro num quarto escuro, sem poder sair para lugar nenhum durante o dia. E á noite, o que há na noite para um menino fazer? Quem quer viver desse jeito?
Sua cama estava colocada no fundo de um quarto, protegida por um tapume de plástico, que impedia a passagem da luz. O médico pensou que se Paulinho tivesse um amigo, alguém que, pelo menos conversasse com ele, talvez o menino pudesse apresentar alguma reação positiva. Então ele mandou colocar no mesmo quarto outro menino, quase da mesma idade dele, que ali estava, se tratando de um câncer.
A diferença entre esse menino e o Paulinho, estava no fato de o Marquinhos (esse era o nome do garoto), ser extremamente ativo e falador. Falava o tempo inteiro. Falava dos amigos, da escola, das brincadeiras de rua, de tudo. No começo, Paulinho não gostou muito daquela companhia. Ele não podia se mover, nem falar, nem ver. E o Marquinhos tagarelando, falando de tudo que via e tinha feito, coisa que ele não podia ver nem fazer, por isso, além da mágoa, também sentiu inveja.
Mas os dias passaram e Paulinho, vendo que não tinha outro jeito, acabou se acostumando com a tagarelice do companheiro de infortúnio. O Marquinhos era mesmo um excelente conversador. Ele descrevia tudo que acontecia no quarto, e também contava para o Luisinho o que ele via através da janela deles, que dava para a rua. Descrevia as pessoas que passavam na rua, os carros, as lojas, as casas, enfim, falava como se um mundo muito bonito existisse além daquela janela. E assim eles passaram várias semanas no hospital, e Paulinho aprendeu a ver o mundo pelos olhos do Marquinhos. Acostumou-se tanto com essa nova faceta da sua vida que começou a sentir vontade de viver de novo e de curar-se, para um dia, poder ver com os próprios olhos e sentir, com seus próprios sentidos, todo aquele mundo que Marquinhos lhe descrevia com tantas nuances e prodigalidades.
Já fazia mais de um mês que eles estavam no hospital. Uma noite, por volta das duas da madrugada, Paulinho acordou com Marquinhos passando as mãos no rosto dele e tocando seus olhos como se estivesse fazendo uma prece. Perguntou-lhe o que estava acontecendo. Marquinhos lhe disse que, pela manhã, ele iria embora. Mas que ele não se preocupasse, porque também logo estaria curado e voltaria para casa, para viver uma vida normal. Sua voz revelava alguma tristeza. Paulinho imaginou que essa tristeza vinha do fato de que eles não iam se ver mais. Ele também ficou meio triste, pois estava perdendo o amigo, aquele que fora os seus olhos e seu contato com o mundo. Mas logo se recuperou pensando que, se o amigo estava tendo alta, era porque ele estava curado. E ele estava se sentindo muito bem. Logo voltaria para casa. Trocaram endereços e prometeram se encontrar mais tarde, quando Paulinho também tivesse alta.
Naquela noite, ele dormiu bem. E pela manhã acordou se sentindo melhor ainda. O médico já havia notado que, desde que ele recebera a companhia de Marquinhos, tinha apresentado uma sensível melhora. As feridas do seu corpo estavam quase cicatrizadas, a visão estava voltando, o quadro geral dele era bastante animador.
Três dias depois ele também teve alta. E naquele mesmo dia pediu ao pai que o levasse para visitar Marquinhos. Estava ansioso para encontrar o amigo.
Os pais de Marquinhos o receberam muito bem. Lembraram-se que ele havia sido companheiro de quarto de Marquinhos no hospital. Mas pareciam estar muito tristes. Paulinho então contou-lhes como o amigo tinha sido o responsável pela sua melhora no hospital, descrevendo o mundo que havia lá fora e falando das coisas que via. E como fora a última conversa que eles tiveram ás duas horas da madrugada, três dias atrás,quando Marquinhos teve alta. Perguntou onde estava Marquinhos agora, pois ele estava doido para ver o amigo.
Os pais de Marquinhos estavam ouvindo tudo aquilo sem dizer uma única palavra. Pareciam estupefatos. Apenas suas bocas e seus olhos iam mostrando cada vez mais espanto á medida que Paulinho ia contando todas essas coisas. Foi então que eles saíram do seu estupor e gritaram, concomitantemente:
– Pare com essas mentiras. Isso não é possível – disseram eles – rompendo numa explosão de lágrimas. – Marquinhos não podia ver nada disso que você está falando. Ele era cego de nascença e faz mais de quinze dias que ele morreu!
Paulinho nascera com aquela doença horrível. Ela tinha um nome estranho. Chamava-se protoporfíria eritropoiética, uma espécie de deficiência imunológica que o impossibilitava de se expor á luz do sol. Todos os dez anos de sua jovem vida foi aquele sofrimento. Só conseguia sair de casa á noite, como se fosse um vampiro. Durante o dia, só podia sair usando óculos escuros, um casacão longo e escuro, como aqueles usados pelos judeus ortodoxos, com uma máscara no rosto e o corpo todo coberto. Qualquer luminosidade que atingisse seus olhos provocava intensa dor. Exposto ao sol, sua pele arrebentava em dolorosas bolhas d’água, que se tornavam horríveis feridas.
Por conta disso Paulinho era um menino extremamente infeliz. Não tinha amigos e passava os dias na penumbra do seu quarto, protegido por janelas com vidros escuros, olhando os outros meninos passando na rua com suas mochilas em direção á escola. E como sonhava poder sair para a rua e jogar bola com eles!
Um dia Paulinho cansou-se daquela vida reclusa e resolveu enfrentar o sol. O resultado foi catastrófico. Sua pele ficou cheia de bolhas como se ele tivesse se queimado em um incêndio. Seu rosto inchou como se ele tivesse lutado boxe e levado diversos socos nele.
Foi parar no hospital. Na sua cama, com os olhos vendados, o corpo todo enfaixado, como se fosse uma múmia, Paulinho só pensava em morrer. E era exatamente isso que os médicos estavam achando que ia acontecer, pois o tratamento não estava funcionando. Paulinho só piorava, mesmo com a quantidade cavalar de antibióticos e antiinflamatórios que estavam aplicando nele.
Todo bom médico sabe que quando o paciente não quer viver, não há remédio que funcione. O organismo não coopera e a homeóstase, essa capacidade que o nosso organismo tem de repor células mortas e recompor-se de ferimentos, deixa de funcionar. Em conseqüência, o organismo enfraquece e morre. É por isso que a melhor sabedoria que um médico tem é a sua capacidade de injetar no paciente, não o remédio certo, mas sim uma grande vontade de viver.
Era o contrário do que estava acontecendo com Paulinho. O garoto estava numa cama de hospital, praticamente imobilizado e cego. E sabia que se ficasse curado, sua situação não iria mudar. Ao voltar para casa continuaria prisioneiro num quarto escuro, sem poder sair para lugar nenhum durante o dia. E á noite, o que há na noite para um menino fazer? Quem quer viver desse jeito?
Sua cama estava colocada no fundo de um quarto, protegida por um tapume de plástico, que impedia a passagem da luz. O médico pensou que se Paulinho tivesse um amigo, alguém que, pelo menos conversasse com ele, talvez o menino pudesse apresentar alguma reação positiva. Então ele mandou colocar no mesmo quarto outro menino, quase da mesma idade dele, que ali estava, se tratando de um câncer.
A diferença entre esse menino e o Paulinho, estava no fato de o Marquinhos (esse era o nome do garoto), ser extremamente ativo e falador. Falava o tempo inteiro. Falava dos amigos, da escola, das brincadeiras de rua, de tudo. No começo, Paulinho não gostou muito daquela companhia. Ele não podia se mover, nem falar, nem ver. E o Marquinhos tagarelando, falando de tudo que via e tinha feito, coisa que ele não podia ver nem fazer, por isso, além da mágoa, também sentiu inveja.
Mas os dias passaram e Paulinho, vendo que não tinha outro jeito, acabou se acostumando com a tagarelice do companheiro de infortúnio. O Marquinhos era mesmo um excelente conversador. Ele descrevia tudo que acontecia no quarto, e também contava para o Luisinho o que ele via através da janela deles, que dava para a rua. Descrevia as pessoas que passavam na rua, os carros, as lojas, as casas, enfim, falava como se um mundo muito bonito existisse além daquela janela. E assim eles passaram várias semanas no hospital, e Paulinho aprendeu a ver o mundo pelos olhos do Marquinhos. Acostumou-se tanto com essa nova faceta da sua vida que começou a sentir vontade de viver de novo e de curar-se, para um dia, poder ver com os próprios olhos e sentir, com seus próprios sentidos, todo aquele mundo que Marquinhos lhe descrevia com tantas nuances e prodigalidades.
Já fazia mais de um mês que eles estavam no hospital. Uma noite, por volta das duas da madrugada, Paulinho acordou com Marquinhos passando as mãos no rosto dele e tocando seus olhos como se estivesse fazendo uma prece. Perguntou-lhe o que estava acontecendo. Marquinhos lhe disse que, pela manhã, ele iria embora. Mas que ele não se preocupasse, porque também logo estaria curado e voltaria para casa, para viver uma vida normal. Sua voz revelava alguma tristeza. Paulinho imaginou que essa tristeza vinha do fato de que eles não iam se ver mais. Ele também ficou meio triste, pois estava perdendo o amigo, aquele que fora os seus olhos e seu contato com o mundo. Mas logo se recuperou pensando que, se o amigo estava tendo alta, era porque ele estava curado. E ele estava se sentindo muito bem. Logo voltaria para casa. Trocaram endereços e prometeram se encontrar mais tarde, quando Paulinho também tivesse alta.
Naquela noite, ele dormiu bem. E pela manhã acordou se sentindo melhor ainda. O médico já havia notado que, desde que ele recebera a companhia de Marquinhos, tinha apresentado uma sensível melhora. As feridas do seu corpo estavam quase cicatrizadas, a visão estava voltando, o quadro geral dele era bastante animador.
Três dias depois ele também teve alta. E naquele mesmo dia pediu ao pai que o levasse para visitar Marquinhos. Estava ansioso para encontrar o amigo.
Os pais de Marquinhos o receberam muito bem. Lembraram-se que ele havia sido companheiro de quarto de Marquinhos no hospital. Mas pareciam estar muito tristes. Paulinho então contou-lhes como o amigo tinha sido o responsável pela sua melhora no hospital, descrevendo o mundo que havia lá fora e falando das coisas que via. E como fora a última conversa que eles tiveram ás duas horas da madrugada, três dias atrás,quando Marquinhos teve alta. Perguntou onde estava Marquinhos agora, pois ele estava doido para ver o amigo.
Os pais de Marquinhos estavam ouvindo tudo aquilo sem dizer uma única palavra. Pareciam estupefatos. Apenas suas bocas e seus olhos iam mostrando cada vez mais espanto á medida que Paulinho ia contando todas essas coisas. Foi então que eles saíram do seu estupor e gritaram, concomitantemente:
– Pare com essas mentiras. Isso não é possível – disseram eles – rompendo numa explosão de lágrimas. – Marquinhos não podia ver nada disso que você está falando. Ele era cego de nascença e faz mais de quinze dias que ele morreu!