SAMANTHA MANDA ABRAÇOS
 
Assim que encerrei o show, me despedi do público e fui para o camarim receber, como de costume, dez fãs escolhidas pela produção para os autógrafos e as selfies de praxe. Estou exausto, mas tenho que ser afável. Não posso decepcioná-las. Meu sucesso depende delas.
 
As garotas entraram com cara de alegria e curiosidade. Quebrei o gelo, agradeci pela presença e cada uma foi falando seu nome para mim. Uma delas me chamou atenção, Samantha Fontes. Foi assim que ela se apresentou. Moça alta, lábios carnudos, já havia despertado meu interesse durante o show. O tempo todo ela ficou próxima ao palco, dançando e cantando todas as canções do meu repertório.
 
Fui tirando selfies e atendendo uma por uma, deixando Samantha por último. Não gosto de ter relacionamentos com fãs, mas acho que hoje abrirei exceção.
 
Quando Samantha se aproximou, foi perguntando:
 
— Por que você me deixou por último?
 
— Porque você é especial para mim.
 
— E o que é ser especial para você?
 
— É aceitar meu convite para me acompanhar até o hotel.
 
— Aceito, mas em troca, quero que você faça uma coisa por mim.
— Depende. Se puder, eu faço.
— Seu próximo show é em Mutum, minha cidade. Quero que você diga que eu, Samantha Fontes, mandei um abraço a todos os meus conterrâneos. Se você fizer isso por mim, eu aceito o teu convite.
 
Prometi que faria, anotei na agenda do meu celular. Ela sorriu prazerosamente e me acompanhou pelo resto da noite, fazendo-me viajar pelas searas do prazer.
 
Tudo preparado para eu entrar em cena novamente.
 
O parque de exposições de Mutum estava lotado. Meu celular tocou. Samantha enviou uma mensagem, não sei como ela conseguiu meu número particular, lembrando-me da promessa. Não vou esquecer. Talvez isso até aumente minha empatia com o público local. Uma garota tão bonita. Deve ter sido muito popular quando morou aqui.
 
Após a terceira música, resolvi fazer o combinado:
 
— Tenho um recado muito especial. Um recado de alguém daqui dessa terra. Samantha Fontes manda um abraço para todos vocês de Mutum.
 
Não entendi nada daí em diante. O céu ficou escuro, o ar pesado, o público emudeceu perante o nome mencionado. Eu não sei como, mas o rosto de Samantha apareceu no telão. Sua voz tomou conta dos alto-falantes.
 
— Eu disse que voltaria para me vingar.

Uma gargalhada ensurdecedora ecoou nas colinas em volta do parque. O rosto do técnico de som estava pálido. A mesa não atendia o seu comando. Samantha seguia gargalhando e o público atônito. Os cavalos começaram a relinchar em suas baias, os portões do parque fecharam e um forte vendaval se aproximou. Pude ver do palco os carros sendo suspensos no estacionamento. O pânico tomou conta de todos naquela noite. A energia elétrica desapareceu. Garrafas de bebidas nas barracas começaram a se estilhaçar em direção às pessoas. Corri para o meu camarim e fiquei encolhido em um canto, tremendo de frio e medo. As vacas saíram das cocheiras e, furiosas, avançavam contra a multidão. Pessoas tentavam saltar os muros, mas sentiam braços fortes puxando-as de volta. Mesmo sem energia, a gargalhada gutural nas caixas de som tomava conta do local. O vendaval rodeava toda a área e entrou derrubando os brinquedos do parque de diversões, fazendo as ferragens se debruçarem sobre aquele mar de cabeças. Uma nuvem de poeira tornava a atmosfera mais tenebrosa. Gritos de desespero contrapunham às gargalhadas. O ambiente festivo virou um inferno. Ouvi dizer que na nuvem de poeira dava para ver o rosto dela. Estranho mesmo foi quando, dessa nuvem, começou a chuviscar sangue. A multidão corria sem direção. Atropelavam-se. As saídas não abriam apesar de não estarem com cadeados. Nem a força de toda aquela massa humana empurrava os portões. Nas poucas brechas de fuga, os corpos se espremiam. Recebi a informação que já havia gente pisoteada. Saldo final do tumulto inexplicável: Trezentos e oitenta e três mortos e milhares de feridos que lotaram o pronto-socorro da cidade. Todo o serviço de saúde foi usado, improvisaram o ginásio poliesportivo e muitos foram levados para as cidades vizinhas.
 
Passei o resto da noite sem dormir. No dia seguinte, um dos organizadores da festa esteve no hotel e explicou quem era Samantha Fontes. Segundo o que me contou, ela foi uma garota que aprontava o diabo a quatro na cidade. Usava drogas e praticava sexo deliberadamente. Abusava dos seus dotes físicos. Quando foi estuprada e esfaqueada, há sete anos, ninguém quis socorrê-la, nem mesmo a polícia. Morreu tentando entrar no pronto-socorro, mas encontrou as portas fechadas. Em seu último suspiro, jurou vingança e soltou uma gargalhada mais forte que trovão, como as que se ouviram ontem no parque.
Assim que o homem de baixa estatura terminou de contar esses fatos, meu celular recebeu uma nova mensagem de Samantha me agradecendo por ter transmitido o recado aos seus conterrâneos. Busquei sua foto na pasta apropriada para mostrar ao organizador da festa, mas não havia mais aquela imagem glamorosa de Samantha como havia até ontem. No lugar da moça alta de lábios carnudos, apenas um rosto desfigurado já em decomposição. Solucei seco e guardei o celular. Jurei para mim mesmo: — Não levo mais nenhuma fã para o hotel após o show.




 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 17/06/2017
Reeditado em 11/07/2020
Código do texto: T6030200
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