Olhe o Deserto (conto)

Olhe o Deserto (conto)

Miguel chega de carro em um pé sujo de estrada com sua namorada Isabela. Quando entram no lugar os caras olham pro casal serrando os olhos, eles não gostam de gente jovem por ali. O casal senta numa mesa e acendem seus cigarros.

- Olha só - ele diz - Eu não preciso que você fique me falando quando devo ou não roubar uma porra de uma loja! Você tá me entendendo?!

- Só tenho medo que você acabe machucando alguém.

- A única pessoa que pode sair ferida nessa situação é você.

Um velho chega com um bloquinho de anotações e fica olhando pra janela que tem no lado da mesa. As mãos dele tremem, efeito da velhice, e o peso da realidade fazem com que seus olhos fiquem praticamente fechados, as rugas também ajudam. Miguel olhou pra ele meio sem entender se ele anotaria o pedido ou era só um maluco. Disse:

- Uísque velhote.

- Dois - Isabela completou.

O velhote, sem olhar pro bloca de folhas, anotou o pedido, isso demorou quase um minuto, e depois saiu.

- Se tu me acha um peso tão grande - ela disse - Por que ainda está comigo?

- Sexo.

- Só sexo?

- E o que mais seria? Tu é um lixo de pessoa.

- Não sou eu que fica roubando lojas por aí.

- Não, mas fica chupando pau como se fosse língua em qualquer esquina.

- Vai à merda.

- Já tô nela.

Os dois se calam e esperam o uísque. Quando terminaram os cigarros o velhote chegou e deixou o uísque sem olhar pra nada, só pra janela. Depois que ele saiu Miguel ficou curioso em saber que porra o velho tanto olhava, se pôs de pé e olhou pela janela. Disse de pé:

- Que porra esse velho ver de dão bom nesse deserto?

- Eu não sei - ela respondeu com desdém.

- Olhar pro deserto é melhor do que olhar pra te – ele disse rindo.

- Vai à merda.

Ele sentou novamente e bebeu um pouco. Ascendeu um cigarro e ficou ali olhando pro nada. "Até que aquele deserto não é tão feio assim" ele pensou "Acho que vou dá uma outra olhada". Isabel disse:

- O que foi?

- Quê?

- Tu tá em outro mundo aí.

- Quero olhar o deserto de novo.

- Quê?

Ele se levantou e ficou olhando o deserto.

- Tu tá maluco? - ela perguntou e puxou ele.

- Espera aí vadia - ele tirou a mão dela - Só quero olhar esse deserto de merda.

- Que se foda - ela disse e deu um trago.

Isabel deu uma olhada no rosto dele e ele sorria. "Parece o sorriso que ele dá quando fuma um verdinho" ela pensou "Tenho que sair de perto desse maluco". Deu gole e olhou o bar ao seu redor, todos os caras estavam olhando Miguel e segurando suas risadas.

- Que merda é essa? - sussurrou.

Dai os caras começaram a gargalhar. E gargalharam e gargalhavam cada vez mais alto até que Isabel começou a ter medo deles. Ela pegou no braço de Miguel e disse:

- Eu quero ir embora daqui.

- Desculpa amor - ele disse devagar - Agora não dá.

Quando olhou viu que ele não piscava e não parava de sorrir, sorrir de um jeito meio escroto.

Os caras se levantaram e foram em direção à mesa.

- Olhe o deserto - eles diziam todos juntos - Olhe o deserto.

- Não cheguem perto eu não atiro em vocês.

Daí ela tirou da parte de trás das calças de Miguel uma pistola. Destravou a arma, ela sabia atirar, e apontou pros caras escrotos do bar. Quando eles chegaram perto o suficiente ela percebeu que eram todos velhos, velhos decretos pra falar a verdade.

Ela atirou num primeiro. Bang! O velho cai e os outros pareceram não ligar. Eles ficavam repetindo numa mesma voz:

- Olhe o deserto, olhe o deserto.

O que levou o tiro começou a se levantar. Ela ficou totalmente apavorada ao ver que o cara tava com a metade do cérebro pra fora. Apavorada com o visão começou a atirar.

Bang! Bang! Bang! Bang! Bang! As balas acabaram. Ela apelou pro seu companheiro dizendo com desespero:

- Amor, amor. Por favor, me ajuda.

Ele virou o rosto pra ela com aquele sorriso estranho e largo. Disse:

- Olhe o deserto querida!

Daí pegou a cabeça dela com força.

- Olhe o deserto, olhe o deserto,... - ele começou a falar rápido pra ela.

Logo os outros chegaram e forçavam ela a olhar o deserto. Ela não sabia bem o que aconteceria se ela olhasse, mas de toda forma tentou evitar se debatendo. Os caras eram mais fortes do que ela, acabaram domando-a, mas ela não desistiu e ficou com os olhos fechados. Miguel a soltou e deixou só os de mais a segurando. Ela estava virada pra janela de frente com os olhos fechados. Ele disse:

- Amor, abra os olhos.

Ela não obedeceu e tentou se debater, foi em vão.

Miguel pegou uma faca e encostou na barriga dela. O ferro gelado a fez gritar. Dele disse:

- Se não abrir os olhos vou abrir teu bucho.

Ela não disse nada, só se debateu e gritou. Algum velhote tampou a boca dela e Miguel encravou a faca. A dor foi insuportável e ela pensou que ia morrer, talvez fosse mesmo.

Depois que o sangue escorreu por um tempo ela começou a achar que ia desmaia e quase que sem querer abriu os olhos de leve. Miguel com um movimento rápido fez ela olhar o deserto. Quando ela viu aquela vastidão toda sua dor sumiu. Os velhos a soltaram e os dois, Miguel e Isabel, sentaram-se à mesa como se nada tivesse acontecido. Continuaram a beber o uísque e a fumar cigarros.

Os caras voltara as suas mesas, inclusive o que tava com o cérebro pra fora, e o velho do bloquinho de papel chegou pra eles, ainda sem olha-los e disse com uma voz que a tanto tempo não falava:

- Hoje é por conta da casa.

O velho tossiu.

- O deserto está mais bonito do que o normal hoje não é mesmo?! - Miguel disse.

O velho em fim tirou os olhos enrugados da janela e olhou pra ele. Deu um sorriso largo e demoníaco. Disse:

- Que bom que você consegue entender.

JMichel
Enviado por JMichel em 15/06/2017
Reeditado em 15/06/2017
Código do texto: T6028198
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