O Golem.
Golem é uma criatura criada por outro ser humano para servi-lo. No Brasil não se precisa disso, porque, geralmente, aqui, a classe menos favorecida já serve a mais favorecida, de tal forma tão intensa e servilmente, que criar um golem, embora relativamente fácil, aqui seria totalmente desnecessário.
Mas não na terra de Manolus. Isso foi há um certo tempo, é claro, mas ficou gravado na história de um povo, e é bom que se conte.
Era uma vila de camponeses, lá pelos idos de mil duzentos e pedrinha... E a vida era sobremaneira difícil, nada comparado com os dias de hoje no bRAZIl, mas ainda assim, difícil.
Você tinha que acordar bem cedo para não morrer de frio até às dez da manhã. Acendida a fogueira para aquecer a casa, tinha que correr para pescar ou caçar, para não morrer de fome até às três da tarde... Já “comido”, tinha que se preparar para o desjejum da noite e para dormir, para não acordar morto. Se já não tivesse sido comido por alguma fera ou morrido pela picada de um mosquito. Isso tudo dentro de uma cabana de dois cômodos, no meio do bosque, e com nove bocas para sustentar.
Dia a dia, a mesma rotina... e com vinte e seis anos nessa época, você era um ancião de cabelos brancos e banguela.
Um mago que passara pela vila, num belo dia, e vendo aquela situação no mínimo degradante, ensinou Manolus a fazer um golem.
Para quem quiser fazer, é fácil (Se você já não estiver explorando algum pobre coitado desvalido) ... Eu mesmo tenho três golens, e o segundo deles está digitando está história enquanto eu a dito, os outros dois, nem me perguntem...
O mago deixou as instruções, e Manolus as seguiu como pôde, ou seja, mal e porcamente! Primeiro, juntou a lama errada. Era para ser lama de rio, com água corrente. Como o rio que ele conhecia era apenas um riacho cheio de pedras, ele juntou lama da lagoa, que é água parada. Era para ele colocar amor e dedicação ao esculpir a forma desejável... Mas como ele fez tudo às pressas, ficou parecendo uma marionete de arame. E era para escrever o nome “Emeth” na testa da criatura, mas como a testa da criatura era pequena - assim como a cabeça de Manolus - só deu para escrever “Eme”... A merda estava feita!
No início a criatura cumpria o seu papel. Pescava, acendia a fogueira, fazia uma sopa horrível de cenouras... e vigiava a casa a noite. Mas com o tempo começou a querer também ser como o seu amo. Também queria comer, queria nadar, queria ter sentimentos... E então, eis que ...
E então, eis que a criatura passou a cobiçar cada parte do corpo responsável por um sentido ou sentimento que ela desejava ter. Ora, com o tempo ela passou a perceber que o amor, por exemplo, brotava do coração. O paladar, da língua... A sabedoria e a inteligência, do cérebro... (quanto a isso Manolus podia ficar despreocupado). E assim, de observação em observação, o golem decidiu que tinha meios de se tornar humano!
Um dia, não muito tarde a partir dali, um dos filhos de Manolus acordou sem os olhos, desesperado, gritando que havia trevas por todos os lados! Houve correria e desespero, e em meio ao sangue que ainda vertia, perceberam na janela a cabeça do golem observando... !gora com olhos próprios!
Não era preciso ser um gênio para entender o que estava acontecendo. Trancaram-se todos dentro de casa, e por longos dias acompanhavam o ruído do golem lá fora, tentando entrar, arranhado a porta como um cão...
Por um tempo conseguiram afastá-lo, mas um dia, quando a noite caiu e todos dormiram, inclusive um dos filhos que deveria ficar de prontidão, uma outra criança despertou, agora sem o couro cabeludo!
Foi uma outra correria, não entendiam como a criatura entrara... e lá fora, degustando o sofrimento dentro da cabana, a criatura de barro dançava, agora com uma sinistra e pegajosa peruca loira.
E assim, conforme os dias iam passando, surgira um banguela... um desnarizado (talvez essa palavra não exista), um sem orelha... sem língua... Até sem bilau. Porque, pelo que me constou depois, o golem queria era ser macho...
Até que perceberam que faltavam apenas duas coisas para satisfazer o desejo terrível da criatura em ser humana. Um cérebro e um coração!
Manolus ainda não havia sido violado, e a sua esposa também não. A coisa estava tensa. Um espirro na escuridão era a certeza de um sopapo na orelha... de quem ainda a tinha...
Nove dias sem sair da cabana... quatro sem comer... Até que alguém bate a porta:
Toc, toc... - Sempre quis escrever essa onomatopeia...
Manolus abriu a porta, embora o golem não costumasse bater antes de entrar, Manolus também não costumava usar muito o cérebro, como visto.
Era o Mago! Sim, lá estava ele. Contemplando aquela cena dantesca, dos moradores da cabana brancos como fantasmas, por não verem a luz do sol já a algum tempo, e magros como pescoço de peru, por não comerem nada há dias.
Um sorriu-lhe sem os dentes, o outro, estava sem as orelhas, a outra, sem cabelo... e aquilo parecia que as portas do inferno haviam sido abertas.
-Onde está ele? Onde está ele? - quis saber Manolus.
-Partiu, foi-se para sempre.- respondeu-lhe o mago.
-Como pode, ele não completara a sua transformação! Ainda faltam-lhe o coração e o cérebro.
-Não Manolus, meu filho. Você se engana, a transformação do golem está completa... Ele desejava ser um humano, e tornou-se um. Primeiro, antes mesmo de roubar-lhes a primeira orelha, quando cobiçou, desejou e invejou... Ali, já era um humano completo... Quanto ao cérebro e ao coração... São usados por poucos, principalmente os dois ao mesmo tempo...