A solicitação de amizade
Pedro chegava todas as noites em casa muito cansado do seu trabalho. Contador em um grande escritório, passava o dia em frente ao computador, analisando planilhas, fazendo cálculos, preparando prestações de contas enfim, cercado por números. A sua rotina era “pesada”, como se diz no Nordeste. Diante de tantos afazeres burocráticos sobrava pouco tempo para a sua paixão: visitar o mundo virtual, onde podia conhecer novas pessoas e, quem sabe, conseguir uma namorada. Sempre tinha a expectativa de conhecer uma bela menina, inteligente e bem empregada.
Naquela noite ele chegou a casa onde morava com os pais. Após tomar banho e jantar, sentou em frente ao seu computador de mesa dentro do quarto de dormir, bem à vontade. Quem sabe conheceria uma menina legal naquela noite. Ao acessar o Facebook se deparou com uma solicitação de amizade. O coração bateu mais rápido ante a expectativa. Mas ao clicar com o mouse, sentiu uma grande frustração.
Na foto de exibição de Francisca Celestina, nome da pessoa, aparecia uma mulher muito magra. Cabelos longos e negros pendiam da cabeça grande com uma testa proeminente. Olhos fundos e mortiços, com olheiras que se destacavam. Ela não sorria e como a foto foi tirada em um ambiente pouco iluminado, o seu aspecto era assustador. Quem a fotografou parecia ser mais alto, pois ela olhava em direção a foto como se estivesse abaixo de quem a registrou. Pedro sentiu o peso da decepção e deixou a solicitação pendente. Ficaria ali até um dia, quando decidisse excluir. Continuou a usar as redes sociais e esqueceu a mulher ossuda.
No dia seguinte, o mesmo ritual, banho, jantar, computador. E mais uma vez o olhos meio mortos de Francisca o vidravam. Deixou-a de lado. Mas na noite seguinte, lá estava a solicitação novamente. “Como podia ser?”, se perguntou. Solicitações de amizade não aparecem constantemente na tela do computador após serem visualizadas. Dessa vez rejeitou o pedido na expectativa de não vê-la mais. Atitude que não adiantou, pois em cada acesso noturno, Francisca Celestina insistia em ser amiga de Pedro. Este, por sua vez, não queria papo. Configurou o Facebook para que ela não mais lhe enviasse solicitações. Agora ficaria tranquilo.
“Que mulher estranha, por que fazia tanta questão de tê-lo como amigo? Por que tanta insistência? Por que ele iria querer uma pessoa tão feia como amiga? Não havia nada demais no Facebook dela além de fotos onde ela aparece só, triste, feia e ossuda”, concluiu.
Mesmo após as providências para que ela não mais o perturbasse, se assustou ao ver a solicitação de Francisca no seu computador na noite seguinte. Já era muito tarde, quase 23h00. Depois de uma sensação de mal-estar, foi tomado pela curiosidade sobre essa mulher que parecia ser um “hacker”, pois havia conseguido solicitar a sua amizade mesmo bloqueada.
Ao aceitar o pedido e começar a correr a página da nova “amiga”, o sangue gelou nas veias de Pedro. Nas fotos que exibidas em toda a página, havia dezenas de rapazes com punhos e tornozelos amarrados em macas de hospital, seminus, em ambientes mal iluminados. Em algumas fotos o rosto deles estampava terror, em outros pareciam desacordados, ou pior, mortos. Muito sangue jorrava de cortes profundos abertos no ventre de cada um, e ao lado destes, hora segurando facas, serrotes, bisturis, uma figura magra e ossuda. Com um sorriso diabólico no rosto, expondo os grandes dentes amarelos, às vezes olhando para a câmera, toda embebida em sangue, noutras cortando as vítimas, Francisca Celestina revelava o que realmente era...Um demônio. Um mostro que parecia sequestrar jovens para torturá-los até a morte. A personificação da frustração mais diabólica após anos de rejeição. Havia desistido dos homens para amar a dor que eles sentiam.
Em uma dessas fotos, ela exibia vísceras recém-retiradas de uma das vítimas, cujo rosto marcado pelo horror, contemplava a morte.
Pedro deu um grito e saltou para trás, derrubando a cadeira, que fez um baque surdo ao atingir o chão. Segundos depois seus pais chegaram ao quatro para saber o que tinha acontecido com o filho, mas se depararam com o computador desligado, a cadeira inerte e o quarto vazio. O terror os dominou. Começaram a procurar Pedro pela casa. Ligaram para o seu celular que chamou dentro do quarto. Ligaram para os amigos, colegas de trabalho, patrão. Ninguém sabia onde ele poderia estar.
Nem o próprio Pedro sabia dizer onde estava. Com as mãos e pés amarrados em uma maca de hospital, usando apenas cuecas, mal conseguia enxergar com forte luz direcionada para o seu rosto. Ele percebeu que havia uma câmera fotográfica digital sobre um tripé, um pouco atrás da luz, e que alguém ou alguma coisa a manuseava, pronto para fotografar.
Não era possível saber quem estava ali, porém, foi fácil reconhecer Francisca Celestina se aproximando com um bisturi, começando imediatamente a abrir a sua barriga, enquanto ele gritava.
Durante a tortura, ela disse apenas:
- Obrigado por ter aceito a minha solicitação de amizade.
Fim.
Armo Wolf/ Jailson Dias