O Dragão de Antycítera 2

... E então, ao aproximar-se do Oráculo, perguntou-lhe:

-Isso é a vida?... A minha existência resume-se na dura arte de viver, dia após dia, por aqueles e aquilo que eu amar, na certeza premente que os perderei um a um, esfacelando-se como areia diante de mim? Onde a memória de cada ato e de cada ser, assombrarão-me por todos os miseráveis dias que eu ainda existir. A ironia sussurra em meus ouvidos, dizendo-me que as gotas de meu suor se transformarão em lágrimas e em sangue... E que tudo não passou de uma tola ilusão vã. Que tomou cada dia da minha vida, do início ao fim dela, dia após dia...

E o Oráculo, com um dócil vento em seus cabelos longos, como se não fosse a primeira vez que respondesse aquilo, disse:

-A memória... é um pensamento. E você como tal, como um pensamento que sabe de si, é por si mesmo, e por direito, a memória da criação. Não! Você não vive dias miseráveis. Pois cada dia que vive, não apenas foi escolha sua, como já o viveu incontáveis vezes, e cada uma delas de forma diferente. Pois lhe digo, guerreiro, você já subiu e desceu essa montanha mais vezes do que possas contar. E ainda mais: Você já viveu a glória maior de todas as almas, e já repousa no mais alto lugar do universo, assistindo a sua própria existência. Só não se lembra disso agora! A sua vida, como a entende, é a memória de seu Ser Maior... Lembrando-se, rememorando-se, de cada dia, de cada segundo, da sua existência infindável! Eu já disse, não há começo e nem fim! Mas o que há é a sua memória imortal de si mesmo, lembrando, e sorrindo, e chorando, assistindo a si mesmo, vivendo de novo e de novo, cada mínima partícula de existência que teve. E assim, dessa forma, você nunca perde nada. Porque você jamais perdeu alguma coisa. Você já chegou ao ápice da jornada, só não sabe disso. Cada coisa que amou, cada Ser que conheceu, estão com você, pois tudo é perene, como uma memória que persiste, como um pensamento. Pois você é os dois, e ainda mais. A memória não existiria sem você para tê-la. Então, se a sua vida existe agora, de alguma forma ela é uma memória, de um Ser que você não pode compreender ainda.

Então, o guerreiro olhou para o lado, para o fundo dos olhos do dragão que aprendera a amar. E nos reflexos daqueles olhos, viu e compreendeu cada um dos seus dias. Pois tudo que parte de uma fonte, a luz, os reflexos, os sons, as memórias... jamais se perdem... mas se propagam em direção ao infinito. Não seria diferente com a vida.

O Oráculo aproximou-se de novo, e colocando as mãos por sobre os ombros do guerreiro, concluiu:

-E assim como quem escreve uma história, você é o homem, o dragão, o oráculo, e a montanha...

London
Enviado por London em 26/05/2017
Reeditado em 26/05/2017
Código do texto: T6009654
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