Toto
Gabriela chorava baixinho no berço, ela tem quase quatro anos.
Sabe que a briga é por sua causa.
O pai e a mãe divorciados há um ano, se encontram regularmente.
Apenas para brigar por causa da garota.
Frederico é fanático pela religião que segue.
Rosa, a mãe de Gabriela é atéia.
Os dois se davam muito bem até Frederico começar acreditar que a menina estava possuída pelo demônio.
A pequena garota sempre havia sido serena.
Não chorava, não ficava doente e nunca dava trabalho.
Frederico insistia em levá-la ao culto, Rosa se recusava.
Sendo Pastor, Frederico citava trechos e mais trechos da bíblia velha e amarelada.
Mirna e Gabrielle apenas escutavam.
As brigas foram ficando mais e mais freqüentes passando da agressão verbal a física.
Pouco depois se separaram.
Gabrielle tem um bicho roxo que não se parece com nada.
Sua cabeça amorfa é cheia de areia.
Tem oito patinhas pregadas debaixo do corpo cada um com uma botinha branca.
Os sapatinhos do brinquedo vivem encardidos de tanto a pequenina arrasta-lo para lá e para cá.
Nem o pai e nem a mãe se lembram de ter dado aquele brinquedo.
É um bicho feio e sinistro, mas quando Frederico de dispôs a jogá-lo fora Gabrielle ficou histérica.
Naquele dia a discussão fica mais forte na sala. A menininha tapa os ouvidos para não escutar.
- Mirna PRESTE ATENÇÃO! Lembra do CACHORRINHO? – Frederico berra.
Ela cruzou os braços.
- Ele morreu. Caiu no tanque. – tentava manter a calma.
O Pastor não desistiu.
- E o gato Mirna? O lindo gatinho?
- Sumiu, sei lá foi roubado ou fugiu! – ela estava quase chorando.
Maldita hora em que deixou seu ex-marido entrar em casa.
Ele se exaspera balançando os braços.
- É isso que eu quero dizer! Nada vivo dura muito tempo com ela! Só aquela coisa roxa!
Frederico está se exaltando.
No quarto os olhos do bichinho começam a brilhar.
- Gabrielle... Gabrielle... - chama o bichinho roxo.
- O que foi Toto? Agora não é hora! –a pequena pôs as mãos na cintura como via sua mãe fazer.
Os olhos dele começam a se apagar.
- Dessssssssculpe Gabi... Nós converssssssssaremos maissssssss tarde...
Ela põe o dedinho na boca, indecisa.
- Espere Toto. Fica comigo. – pediu.
Os olhos da menininha começam a brilhar também.
- O que vocccccccccccê têm Gabi?...
- Estou triste. Papai e mamãe estão brigando de novo.
A criatura balança a cabeça de modo estranho.
- Quer que ossssssss faççççççççça parar? – indaga.
A menina sorri sinistramente no berço.
- Sim Toto, eu quero.
A pequena lula roxa desce pelo cercado do berço indo na direção da sala.
Some na curva da porta.
Após alguns segundos a conversa vira uma violenta discussão.
Os dois gritam cada vez mais alto.
Frederico acerta um murro no rosto da mulher.
Esta pega uma faca que aparece misteriosamente ao alcance de suas mãos.
Esfaqueia o ex-marido no pescoço.
Frederico saca um calibre vinte e dois, arma que não tem e dá um tiro no olho da ex-mulher.
Ela cai sem vida imediatamente, ele agoniza um pouco.
Ainda consegue ver Toto rastejando de volta para o quarto.
De volta para os bracinhos de Gabrielle.
Os dois estão mortos.
Alguns minutos depois a polícia invade a casa, pois os vizinhos ligaram.
Denuncia de tiros.
Revistam a casa e vêem a pequena menina no quarto.
Ela chora baixinho com o dedo na boca.
Abraçada a um bichinho roxo.
Uma policial paga Gabrielle no colo.
Após entrarem na viatura ela abre os olhos agora vermelhos.
Pôs o dedinho na boca em sinal de silêncio para Toto.
Iam passear.
Fim