O telhado
A chuva foi, aos poucos, parando. O barulho que ela fazia no telhado cessou. O frio trazido por ela fez com que João permanecesse debaixo dos cobertores. Já estava tarde e o sono se aproximava. Ele adormeceu e sonhou. Sonhou que estava andando a cavalo na estrada que ligava a fazenda até a cidade. Seu cavalo era de um marrom brilhante.
Acordou assustado com o barulho da pedra no telhado. E de novo o estrondo pareceu quebrar a telha. E mais uma vez. Saiu correndo e foi até a porta da sala. Seu pai estava lá, branco feito cera de vela.
- É o tinhoso. – disse o pai assustado. Um barulho, parecendo uma gargalhada de escárnio, cortou a noite fria. O pai rezou um credo e João se tremia feito um bambuzal ao vento.
Foi contar aos amigos sobre o ocorrido em casa, no outro dia depois da escola.
- Isso é coisa de Saci! – Falou Ricardo, filho do dono da fazenda que seu pai trabalhava. – A égua do meu pai acordou com os pelos do rabo todos embaraçados.
- Que saci o que. Isso é coisa do belzebu. Ainda mais em época de quaresma. – Juliana, com ar entendido entra na conversa.
- Belzebu ou Saci, só sei que estou com medo. Vou conversar com o padre Zezinho e contar o que aconteceu.
João saiu da aula e foi até a igreja falar com o sacerdote. Contou o ocorrido ao homem.
- Isso deve ter sido o vento, menino, que fez voar umas sementes no seu telhado. Lembra como ventou ontem?
Era, provavelmente, o vento. João voltou pra casa e naquela noite evitou pensar no acontecido. Tarde da noite escutou alguém chamando na porta:
- Chico, ôo Chico, abre pra mim. – Seu pai foi até a porta e não havia ninguém lá. O homem se embranqueceu como vela, tal qual a noite anterior, rezou um credo e foi se deitar.
As pedradas comeram soltas no telhado. João tremia sob os cobertores. Iniciou-se uma série de batidas na porta da cozinha. E alguém a gritar por Chico.
- Vá-se embora, homem. Vá-se embora! Não quero nada com você, não. – Gritava o pai de João.
Seu Chico pegou o facão e foi abrir a porta. Não havia ninguém lá. Apenas uma noite negra e escura de março. João seguindo o pai pelo escuro, com a mãe e o irmão no colo, foi dar no quintal com um vento a balançar seus cabelos.
A risada de escárnio fez-se ouvir no fundo do mato.
- Chico, ôo Chico, eu tô aqui pra te buscar. – A gargalhada continuou. O pai valente de João correu pra casa. Foi trancar a porta enquanto os barulhos de pedra batiam na telha.
Na manhã seguinte, João foi com o pai tirar leite das vacas. O homem caiu no meio do curral. Sequer foi preciso se apressar para ir ao hospital. Mais tarde vieram a saber: infarto fulminante. Alguém havia vindo buscá-lo!