Capela de beira de estrada
Capela de beira de estrada
São Joaquim da Barra, Sexta-Feira da Paixão, doze de abril de 1974
Meu filho querido:
Muitos e muitos anos se passaram desde que o papai recebeu uma herança e, com ela, pode pagar todas as dívidas do nosso sítio, comprar as terras adjacentes, muito gado e garantir seus estudos e o de suas irmãs. Tivemos uma vida farta, mas o preço que paguei foi caro, caro demais. O que ninguém de casa, nem sua finada mãezinha soube, o papai vai te contar aqui. Se você julgar conveniente conte à suas irmãs, embora eu ache que, depois de ler essa carta, você deve queimá-la e procurar esquecer-se do que leu. O papai estava então com trinta anos. Suas duas irmãs mais velhas ainda eram muito pequenas. Você era bebezinho.
Ainda estava escuro quando me levantei, fiz e bebi um pouco de café, peguei a bruaca com comida feita por Silvinha, sua mãe, na noite anterior e saí para pegar o picaço. Prendi-o no esticador, passei a mão várias vezes em seu lombo e falei-lhe algumas palavras com voz calma e suave. Posicionei o baixeiro e joguei lombilho por riba. Coloquei o tapa e o freio bridão, pois o bicho era ainda redomão. Apertei a barrigueira, ajeitei o peitoral, calcei minhas esporas, joguei o pelego na sela e, dando uma derradeira olhada para nossa casinha de adobe, onde você, mamãe e suas irmãs ainda dormiam, sai ao longo da estrada. Era madrugada da Sexta-Feira da Paixão, havia prometido a meus pais, seus avós, que os visitaria nesses dias santos. Eles moravam a quase quarenta quilômetros dali. A viagem era longa, difícil e demorada. Céu negro com esparsas estrelas de brilho parco, mas já desaparecendo sobre os ainda tímidos resplendores do sol incipiente. Estradão deserto e escuro, barulhos misteriosos vindos de suas margens repletas de ramagens floridas e orvalhadas, a transmitir intermitentes tremores de frio, na medida que a brisa matinal soprava brandamente por entre as folhagens. Não tinha pressa, mas não queria me demorar na andadura que o picaço vinha vindo, por causa do sol brabo que o dia prometia. Piquei o ginete com delicadeza e apressei o passo.
Quando radiante o magnífico sol mostrou ao mundo sua face esplendorosa, eu já havia cavalgado bastante chão. A mata foi ficando para trás e, com ela, o gorjear de mil pássaros, o cricri estridente de milhares de insetos, o ruído do caminhar de pequenos animais na mata, como os preás, os catetos, os ouriços, camundongos, cobras, o pipilar de incontáveis filhotes em seus ninhos e o plic plic constante dos pingos da geada que se aquecia, derretia e escoava pelos sulcos das folhas, até outra folha e caía no chão molhado e coberto de folhas mortas. Era manhã no mato.
As fazendas começavam a aparecer e a flora exuberante das margens da estrada foi sendo substituída, em ambos os lados, pelas plantações de feijão, milho, amendoim e muito arroz. Era manhã na roça, escutava-se o cantar rouco de dezenas de galos, vindos de diferentes rumos, gritos de homens no eito, o mugir do gado e o berrar intermitente das cabras e ovelhas. Longe, o cantar lamuriante das rodas de um carro de boi e o grito cantado do condutor. Topei com alguns vaqueiros que conduziam o gado miúdo para um piquete, que eu já tinha deixado para trás, e mais para a frente cruzei com um carreiro em seu veículo lento e constante reproduzindo o som dos cocões numa toada soturna, melancólica e comovente.
— Dia, carreiro!
— Dia, peão!
Segui meu caminho, o carreiro, o dele. Mais ou menos meia hora depois, estava eu a terminar a subida de uma ladeira escarpada quando avistei uma igrejinha enfiada no meio do mato alto da beira da estrada. Estava quase invisível, a única coisa que denunciava sua presença era o tom amarelado destoante do mato verde que sobressaia em pedaços.
— Vou dar uma parada ali! disse comigo mesmo.
Aproximei-me da porta de entrada. Era uma pequena capela, dessas que as famílias constroem quando alguém próximo morre nesses cafundós esquecidos e perdidos. Uma capelinha abandonada já há muito tempo, a caiação branca estava desbotada, tendendo ao amarelo fosco da areia da estrada usada em sua construção. O mato adentrava seu interior e quebrava pouco a pouco o piso de cimento queimado com vermelhão. O melão-de-são-caetano agarrava-
-se às suas paredes, subia até o teto e enrolava-se nos caibros e vigas, as paredes estavam trincadas com o reboco soltando e o telhado, deteriorado, dormia placidamente sobre ripas podres. Bem rente à parede lateral direita, um flamboyant vistoso, mas ainda novo, ia cravando suas raízes por baixo do alicerce, deslocando a construção original e assenhorando-se do lugar.
O picaço alvoroçou-se e, girando assustado sobre si mesmo, sapateava e dava corrupios, não querendo aproximar-se da capela. Acalmei-o com palavras e agrados no pescoço, mas o bicho estava amedrontado e inquieto. Então, afastei-me uns cinco metros da porta da igrejinha, apeei, amarrei o cavalo num mourão da cerca marginal, peguei o facão e cortei bastante do mato da entrada. Voltei ao cavalo e peguei minha tralha. Com o facão na cinta, o embornal e o cantil na mão, tirei o chapéu, fiz o sinal da cruz e entrei na igrejinha para comer um pouco do frango com farofa que minha Silvinha, sua finada mãe, me preparara no dia anterior. Confirmei a resistência dos bancos e sentei-me num deles que ali estavam.
Abri a bruaca, tirei uma toalha de algodão bordada e desfiada nas pontas, que sua mãe confeccionava com esmero, estendi-o no chão, colocando a comida e o cantil em cima. Mal comecei a comer, quando alguma coisa me chamou a atenção. Levei um susto enorme e senti um arrepio gelado no espinhaço. Um homem estava sentado num dos bancos, próximo do altar quase destruído, olhando fixamente para mim, com o semblante carregado e nada amistoso, diria que com ódio mesmo. Senti um novo arrepio de medo, pois percebi a malevolência que aquele olhar transmitia. Quando percebeu que eu o havia descoberto sorriu largamente e me cumprimentou:
— Bom dia, vivente! – Abriu mais ainda o sorriso, denunciando uns dentes muito brancos e perfeitos.
Era um homem magro e alto, acima do meu um metro e setenta e cinco, tinha cabelos muito pretos e olhos assustadoramente azuis, assustadores, pois eram de um azul carregado, translúcido e palpitante, um azul que eu nunca vira antes, olhos que denunciavam rancor, fúria e aversão. Tinha queixo quadrado de aparência firme e determinada, sua pela era de uma cor amorenada, mais devido ao sol que à nascença, nariz reto e boca de lábios grossos e sensuais. Trajava um terno de linho branco, muito bem talhado, muito novo e exageradamente limpo. Era um homem de boa aparência e de maneiras educadas. Era um homem que me causava certo mal-estar, certa ansiedade e um patente medo. Não gostei dele. Como foi que não o vi ao entrar na capelinha? Essa pergunta trovejou em meu cérebro e novamente um arrepio gelado perpassou pela minha espinha, como um corisco em céu nevoento.
— Bom dia! respondi por pura cortesia.
— De passagem ou mora aqui perto?
— De passagem, estou a ir visitar meus pais. Emendei:
— Até mais ver, já vou embora.
Juntei a comida, enrolei-a na toalha, pus dentro da bruaca e dei um passo rumo à porta, mas o cavalheiro estranho me chamou:
— Vivente...
— Meu nome é Argemiro Peixefrito de Alencar. Cortei rapidamente sua fala.
Ele deu uma gargalhada e voltou a falar:
— Senhor Peixefrito, seus pais podem não estar em casa. Sua viagem pode não terminar muito bem. Seu cavalo pode afrouxar. Uma tempestade pode cair e arruinar sua jornada. Muitos embaraços podem acontecer. Eu peço-lhe um pequeno favor, apenas quero que me escute por uns poucos minutos e garanto que esse tempo não influenciará o tempo de sua viagem e, além disso, o senhor pode ganhar alguma coisa que mudará para sempre sua condição financeira. Tenho em meu poder uma riqueza imensa e posso compartilhar uma parte dessa fortuna com o senhor. O que me diz?
— O que o senhor quer de mim? Não o conheço, não sei seu nome, nem imagino como é que o senhor poderia estar dentro desse cubículo de igrejinha sem que eu não o tivesse visto. Existem muitas histórias nesse mundo e eu conheço algumas, o senhor não é um homem comum, senhor...?
— Ludibel
— Ludibel de quê?
— Ludibel Marcelino Marcolino Ludibel, Ludibel Marcelino Marcolino Ludibel, Ludibel Marcelino ... Ele repetia seu nome com um misto de escárnio e seriedade, parecia zombar de mim, mas expressava semblante dramático e sisudo.
— Já entendi, senhor Ludibel, já entendi.
Ele abriu um grande sorriso e deu um passo em minha direção, eu dei outro passo rumo à porta:
— Senhor Peixefrito, eu sei que as coisas não andam boas lá em sua casa e que o senhor está empreendendo esta viagem não só para visitar seus pais, mas também para pedir-lhes dinheiro emprestado para pagar a dívida do banco e livrar-se de uma ação de reintegração de posse de seu sítio. Eu posso lhe arranjar esse dinheiro sem que o senhor tenha que devolvê-lo no futuro. Para isso, eu só peço um favorzinho.
— O senhor está caçoando de mim. Ninguém empresta dinheiro sem que, no futuro, não o reclame de volta e com juros.
— Senhor Peixefrito, senhor Peixefrito, não vou lhe emprestar nada. Vou pagar por um serviço que o senhor de boa vontade me fará e me dará sua palavra que o fará bem feito. É um trabalhinho de nada, mas o que ganhará como paga fará do senhor um homem muito bem situado na vida e livre de dívidas.
— E o que é esse serviço, para ser tão bem remunerado?
Ele deu uma gargalhada exageradamente alta e bateu palmas. Por detrás do que um dia fora um altar, saiu uma criança maltrapilha, suja, descabelada e chorosa. Era uma menina de pele clara, mas estava muito encardida, olhos azuis e cabelos loiros. Chorava e resmungava palavras ininteligíveis que mais pareciam imprecações, blasfêmias, xingamentos. Não olhou para mim, nem para Ludibel, mantinha os olhos fixos no chão, ou melhor, nas pontas dos pés descalços e judiados.
Saltei para mais perto à porta já quase fora da igreja e puxei o facão.
— Valha-me Deus! É o cão danado que fala comigo? Santa Maria da Misericórdia. Gritei e risquei o chão com o terçado de aço.
— Senhor Peixefrito, se eu quisesse causar-lhe algum mal não estaria aqui conversando amigavelmente e negociando com o senhor. Nada tenho contra sua pessoa. Faça o trabalho para mim e vá em paz e um tanto rico.
— Qual é o trabalho? Perguntei ainda com o facão em riste, mas com muito medo.
— Levar essa criatura – respondeu, apontando para a menina que ainda chorava e pronunciava palavras inaudíveis, com a cabeça baixa – até a próxima igreja, que deve estar a uns doze ou treze quilômetros. Deixe-a na porta e vá-se embora. A gema e a pepita, que são a paga do serviço, o senhor leva já. O que me diz?
— Me deixe ver a pedra e a gema, falei desconfiado.
Ele tirou do bolso interno do paletó um diamante do tamanho de um ovo de passarinho e de uma bolsa de couro, que estava amarrada em sua cintura, uma pepita de ouro bruto de quase um quilo.
— Leve a criatura e essa fortuna será sua.
Era o que eu sonhava. Aquele dinheiro me daria a liberdade, a independência financeira. Pagaria tudo que devia e ainda seria muito rico, muito rico mesmo, mas uma coisa me inquietava: Estaria eu negociando com o inimigo de Deus? Bobagem – Justificava-me – Ele é apenas um homem que quer se livrar dessa criança indecente, suja e chorona. Afastei os pensamentos contrários e disse:
— Está bem! –
Ele sorriu, encarou-me com um sorriso de satisfação e, pegando uma corda, fez um laço, passou no pescoço da criança e me deu a outra ponta. Antes que eu pudesse divergir, entregou-me a bolsa e a gema e rematou:
— Siga em paz, ninguém verá a criatura. Aproximou-se de mim, pediu licença e saiu. Vi-o dirigir-se para o outro lado da estrada e, num momento, desviei os olhos para a menina, que estava agora olhando fixamente para mim e ainda a resmungar e a chorar. Tive um novo arrepio. Quando voltei o olhar para a estrada, o tal sujeito havia desaparecido.
Se alguém me vir arrastando essa criança por uma corda, vou ter problemas com as pessoas e depois com polícia. Fiquei com esse pensamento a me incomodar, mas me lembrei do que o homem havia me falado: “ Ninguém verá a criatura! ”. Puxei a criança delicadamente e ela, sem resistência, acompanhou-me para fora da capela. Lá na cerca, o redomão sobressaltou-se e rodou nas patas recusando-se a se deixar montar. Acheguei-me com jeito e com agrados e consegui acalmá-lo um pouco. Ajeitei o tapa, coloquei a bruaca no lombo do bicho, posicionei a criatura fora do alcance de suas vistas, soltei-o, montei-o e me pus na estrada puxando a criança pela corda, desesperado para sair dali.
Depois de andar uns oito ou dez quilômetros, encontrei alguns trabalhadores que almoçavam à beira da estrada. Cumprimentaram-me animadamente, mas ninguém pareceu se dar conta da criança resmungona que eu arrastava pela corda, agora amarrada na cincha. Abanei a mão e segui no trote rápido com que eu já vinha vindo, desde que saí da capela da beira da estrada. Com grande alívio, avistei a igreja de que o senhor Ludibel me havia falado. Risquei a espora no redomão, que estremeceu e apertou o passo. Parei em frente da igreja que, por sinal, era muito diferente da outra. Esta era limpa e bem cuidada. A pintura era nova e o jardim ao seu redor era arrumado e florido. Apeei, soltei a corda da cincha, liberei o laço do pescoço da criança, empurrei-
-a com suavidade, rumo à porta de entrada da igreja. Virei as costas e rapidamente montei o picaço e afastei-me sem olhar para trás.
— Missão cumprida! Comemorei.
Cheguei à casa dos meus pais com o sol a pino. Nada disse a eles do que havia acontecido comigo durante a viagem. Viera ali para passar os três dias santos, mas algo me incomodava, importunava-me e não me deixava em paz. Meus velhos se aperceberam e me inquiriram querendo saber se lá em casa tudo estava bem de verdade. Eu aquiescia e sossegava-os, mas meu mal persistia. Tanto me desgostou e transtornou que à noite já não me continha de tanta vontade de ir-me embora. Na manhã seguinte, Sábado de Aleluia, pedi perdão aos meus velhos, inventei uma desculpa mentirosa e fui embora.
Andei uns quinhentos metros e quase caí do cavalo tamanho o susto que levei: a criatura, a menina chorona, resmungona e encardida estava amarrada pelo pescoço na argola da cincha do picaço e resmungava e chorava como nunca. Senti que ia perder a razão e os sentidos. Tirei o chapéu, olhei para o alto e rezei a “Salve Rainha”, tremendo de medo e angústia, com a cabeça abaixada e os olhos firmemente fechados retendo lágrimas de desespero que se esforçavam para sair. Terminei a prece e lentamente olhei para trás. A menina desgrenhada estava a olhar para mim e a rir-se entre xingamentos e imprecações:
— Reze, desgraçado, reze para a merda de seus santos, reze para Ludibel, reze, desgraçado! E pôs-se a rir e ria e ria e depois gargalhou, xingou e blasfemou.
Senti ânsias de chicoteá-la com o rebenque, de esganá-la. Esporeei o redomão e deixei a brida livre, o animal sentiu a picada e, empinando as patas dianteiras e com as orelhas apontadas para frente, espichou o passo e galopou velozmente. Não olhei para trás para ver se a criatura ainda estava amarrada, ao invés disso tornei a esporear o picaço, que se rebelando com a dor saltava e escoiceava, enquanto galopava desesperadamente num frenesi assustador. Tomei tento e fui puxando as rédeas vagarosamente até o redomão ir-se sossegando. Quando ele parou, eu olhei para trás. A criatura não estava mais lá. Suspirei aliviado e, afagando o pescoço do cavalo, pus-me a andar a passo lento.
Cheguei à igreja onde tinha deixado a menina, mas não encontrei coragem para entrar. Piquei a montaria e prossegui. Uns grunhidos e um choro diabólico fizram-me olhar para trás. Lá estava a criatura do diabo. Continuei meu caminho, não iria forçar o animal em outra corrida. Quando chegasse perto de casa, se essa coisa ainda estivesse amarrada no meu cavalo, o facão ia fazer estrago. Eu cumprira minha promessa de deixar a criança na igreja. Fora isso, não prometera nada. Agora era o facão e a Winchester que entrariam em cena.
Faz quarenta anos que isso aconteceu. Faz quarenta anos que essa coisa me persegue onde quer que eu vá. Em casa, nas ruas, dentro do carro, em minha cama, nas festas, no trabalho, nos bares, nos bancos e mesmo nas igrejas. Não importa onde esteja, a coisa está sempre ao meu lado, resmungando e chorando, praguejando, xingando, blasfemando contra o sagrado nome do Senhor, encarando-me e rindo de mim e do meu medo. Quarenta anos! Fui a centros espíritas, a terreiros de umbanda, a benzedores, pastores e padres. Fiz promessas e orações, jejuns, sacrifícios de caminhadas até famosos santuários e cheguei até ao autoflagelamento, mas nada, nada mudou. A desgraçada criatura não saiu de perto de mim. Passei por mentiroso e até por doente das ideias, por louco. Claro! Somente eu a via, ninguém mais enxergava a praga, a infeliz guria.
—Lembra que sua irmã me levou a um psiquiatra?
Um dia, no auge da revolta, pensei matar a menina com o facão ou atirar em sua cabeça à queima-roupa com o revólver. Matei-a dezenas de vezes e, por dezenas de vezes, ela reapareceu para mim, sempre escarnecendo, xingando, blasfemando contra o nome do Senhor, exortando-me a rezar para que ela desaparecesse e depois rir por eu não alcançar a graça. Levei-a dezenas de vezes às duas igrejas da estrada, mas ela de novo voltava, sempre xingando, resmungando e chorando. Somente eu a via. Somente eu vi essa coisa do demônio por quarenta anos. Não tive sossego nem de noite nem de dia, ela estava grudada em mim, resmungando, xingando e blasfemando por infindáveis quarenta anos.
Disse-me que Ludibel eram três nomes resumidos: Lúcifer, Diabo e Belzebu. Disse-me, ainda, que eu precisava morrer e que, depois de morto, retornar à igrejinha e, com sorte, encontrar alguém que adentrasse o local e aceitasse pegá-la e levá-la até a outra igreja. O favor, como o anterior, seria pago com a gema e a pepita que, por certo, estariam comigo, quando chegasse a ocasião. Continuando, acrescentou que isso vinha acontecendo há muitos anos. Fez essa revelação e riu de mim e de minha ganância.
— Reze, desgraçado, reze! Então, xingou, chorou, blasfemou e me enlouqueceu.
— Filho, meus desejos estão expressos num documento entregue ao Dr. Paulo Porcogordo Siqueira, nosso advogado. Procure-o, reclame o documento e o testamento. Acerte tudo direitinho com suas irmãs e diga a elas que o papai sempre as amou. Com a graça e a bondade de Deus, espero um dia me reunir com sua mãe.
A desgraçada está sentada aqui a meu lado, na minha cama, olhando-me e rindo, olhando-me e rindo, xingando-me e rindo e, depois, chorando e rindo. O Parabellum quarenta e cinco está ao alcance de minha mão. Adeus e que Deus te abençoe, meu filho.
Seu pai,
Argemiro Peixefrito de Alencar.