O ENGENHO MAL ASSOMBRADO
Ao longe eu vejo as ruínas daquele que foi um dos maiores engenho do brejo paraibano, e que um dia, assim como tantos engenhos, foi cenários de dor, sofrimento, intolerância e descaso com o ser humano. Mas “o tempo dar e tempo tira.” A escravidão manchou de sangue a história, deixou marcas profundas gravadas nas páginas do tempo, nódoas de ódio que envergonharam a humanidade. Mas o tempo também envergonha o opressor, mostra que nada aqui é eterno. A imponência e a prepotência têm os seus dias de declínio.
Senti um arrepio percorrer o meu corpo ao me lembrar de uma história que meu avô contava sobre um fato que aconteceu naquele engenho. Ele contou que aquelas terras pertencia ao uma família abastarda e muito conceituada na Paraíba e no estado de Pernambuco. A família era pequena, composta de pai mãe e filha. A menina chamava-se Filomena, era uma criança irrequieta, mimada, porém amável e meiga. O pai, o Senhor Venâncio, sujeito imperioso, petulante, possuía o dom de dominar os negócios. Era reconhecido em todo o Brasil pela qualidade dos produtos que saiam de suas propriedades. A mãe, D. Felícia era uma mulherzinha entediada, insossa, falsa moralista, vestia-se de santa da cabeça aos pés, mas tinha um coração mais frio que uma pedra de gelo, maltratava os pobres sem dó nem piedade. Diziam que os castigos mais cruéis e severos imputados aos escravos, partiam dela.
Foi nesse engenho que nasceu a escrava Acácia. A mãe morreu após sofrer severos castigos quando ainda amamentava a menina e o pai ao tomar para si as dores da mulher foi surrado até a morte. Mas, aos trancos e barrancos a menina sobreviveu na senzala fétida, escura e úmida. Quando estava com seis anos de idade fora levada a casa grande para auxiliar as escravas nos serviços domésticos. Certa manha, ela vinha com o cesto de roupas, distraidamente esbarrou em Filomena, que na época estava com oito anos. Filomena achou engraçado quando Acácia, largou abruptamente o cesto e se encolheu na parede com medo de levar uma sova. Mas Filomena se compadeceu da pobre Acácia e a partir daquele dia passou a nutrir um grande afeto pela pequena escrava. Um dia ela pediu aos pais que Acácia fosse a sua dama de companhia. Eles relutaram, pois não queria a filha na companhia de negros, mas cederam, pois faziam todos os gostos da filha. E, apesar do ódio e desprezo de D. Felícia, as duas meninas tornaram amigas inseparáveis. Filomena tinha uma educação esmerada. Aprendera latim, português, piano e bordado francês com os melhores professores da região. E todos estes ensinamento ela repassava para a sua dama de companhia que prontamente aprendia, superando até a inteligência da própria mestra. Alem dos dotes intelectuais, Acácia tinha uma beleza incomum, não passava despercebida pela sua sensualidade, altivez e porte de rainha. Ela despertava a cobiça e desejo entres os homens e despeito entre as mulheres. A fama dela se espalhou e todos os senhores de engenho queriam comprá-la, muitos ofereciam um alto preço por ela. Mas, o Sr. Venâncio que também a cobiçava em segredo, dizia que a escrava não estava a venda, pois era propriedade da sua filha.
Um dia D. Felícia venda as meninas passeando no jardim, percebendo que o Sr. Venâncio olhava para Acácia de um modo diferente, foi tomada por um ódio mortal, porque desprezava os negros, principalmente Acácia. Então jurou pra si mesma que iria acabar com a vida dela. Um dia, ao ver a escrava sozinha descendo às escadarias da casa grande com um cesto na mão. D. Felícia imediatamente chamou um capataz da sua confiança e ordenou que seguisse e matasse a moça, mas antes de jogar o seu corpo num abismo, arrancasse os seus seios e os trouxessem para ela numa bandeja.
Mais tarde o capataz voltou de mãos vazias, estava coberto de sangue e a língua decepada. D. Felícia esmurrava o homem chamando-o de incompetente. O Sr. Venâncio, sem saber o que tinha acontecido e ao ver o histerismo e descontrole da mulher correu para o quarto da filha para certificar se tudo estava bem, porem não encontrou Filomena e nem sua dama de companhia. Preocupado, ordenou que as procurassem por todo o engenho e arredores, porem não encontraram nenhum vestígios das meninas.
As noites que se seguiram, foram de tormentos agonia, D. felícia consumida pela culpa e o remorso mal conseguia dormir, e quando conseguia acordava aos berros, pois alguém sussurrava em seus ouvidos: “devolva os meus seios que eu devolvo a sua filha”.
O Senhor Venâncio intrigado e inconformado com o sumiço da filha e da sua escrava preferida as procurava obsessivamente como um louco desvairado. O engenho caiu de produção e ele perdeu a credibilidade no mercado. Aos poucos os seus capatazes foram se debandando para outros engenhos, levando com eles boa parte do gado e os melhores escravos.
Não passou muito tempo para que o engenho fosse tomado pelo mato, ninguém sabe o certo o que aconteceu com o casal, pois os poucos escravos que lhe restou foram embora. Débeis e sem ninguém para servi-los, acredita-se que tenham morrido de inanição.
Os moradores da região evitam passar por perto durante a noite, pois acreditam que o engenho é mal assombrado. Dizem alguns que já viram os fantasmas de duas moças correndo na sacada da casa grande.
O que se sabe é que naquelas ruínas existe um mistério que nunca conseguiram desvendar: Quem cortou a língua do capataz? Por que Filomena sumiu? E o que houve com Acácia?