O PESADELO
Laura viu o sangue de Denis escorrer pelo banheiro, passando por debaixo da porta. Ela tentou correr, porém o chão começou a fazer um movimento retrogrado, puxando-a para trás na direção do escuro. As lâmpadas estouraram, uma seguida da outra, desde o início do corredor até Laura. A gargalhada ressoou, vil e horrenda. A criatura que se ergueu das sombras era um Denis, porém ele estava sem pele, com os músculos a mostra. Ele estendeu a mão na sua direção...
– Não... – Gritou Laura e em seguida ela acordou, estava soando, seu coração parecia que iria explodir de tanto palpitar.
Denis acordou em seguida assustado.
– O que aconteceu?
– De novo! Já é a sexta vez.
– Você está bem?
– O que você acha? Dessa vez eu sonhei com você, alguém lhe trancava em um banheiro, depois seu sangue começava a escorrer por debaixo da porta, então você aparecia, despelado...
– Espera ai. Despelado?
– Isso mesmo! E você estendia o braço na minha direção...
– Precisamos procurar ajuda.
– Eu sei.
Laura permaneceu acordada o resto da noite, até clarear. Denis acordou as seis, ele era supervisor de uma fábrica de cerâmica e trabalhava nove horas por dia para ganhar um salário ridiculamente baixo que nem dava para pagar o aluguel da casa. Laura era fotografa de uma revista de moda.
Aquela manhã foi fria, houve um nevoeiro que cobriu quase toda cidade. A visibilidade era quase zero. Laura caminhava em direção ao ponto de ônibus quando reparou que entre as neblinas existia uma figura cercada de sombras. Ao se aproximar aquilo abriu as pálpebras e seus olhos vermelhos se arregalaram, eram como dois faróis. Um vento sobrou do norte, espalmando-a, seu cachecol voou para longe.
– Laura...
Uma voz rouca e grossa se aproximou.
– É apenas um pesadelo. Isso não existe!
Uma garra molhada de sangue saiu das sombras.
– Venha Laura, estamos esperando você. Queremos ver do que você é feita por dentro.
Laura permaneceu de olhos fechados, e começou a gritar.
– Você não existe. Você não existe. Você não existe!!!
Neste exato momento algo a agarrou e começou a balança-la em movimentos rápidos.
– Ver do que você é feita por dentro...
– Do que você é feita por dentro...
– Por dentro...
– Você não existe! – Gritou Laura abrindo os olhos.
Ao abrir os olhos, viu uma sala branca, forrada de carteiras e mesas, uma ao lado da outra, era um escritório. Laura reconheceu a foto de seu chefe na parede a frente dela e em seguida uma multidão que a cercava. A sua esquerda estava Jonathan Gomes seu superior direto que tentava lhe acudir. Após perceber o que estava acontecendo, um sentimento de constrangimento subiu-lhe a cabeça deixando-a vermelha. Ela então correu dali para o banheiro.
– Laura espere, o que aconteceu. – Falou Jonathan, correndo atrás dela.
Todos estavam comentando o ocorrido.
– Todos voltem para as suas mesas.
Laura estava à frente do espelho, quando notou que seu nariz estava sangrando. Ela portanto pegou um pedaço de papel higiênico e limpou o sangue. Ela estava um tanto tonta e desorientada, e não estava entendendo como havia parado no seu escritório, já que a última coisa que se lembrava era de estar indo para o ponto de ônibus. O relógio apitou, um barulho desconfortável que fez a cabeça dela latejar. Laura subiu o braço e olhou para o relógio, neste momento percebeu que o mesmo estava contando a hora ao contrário.
– Há, há, há, há... – Uma gargalhada ecoou do espelho.
Ela aproximou o ouvido dele e encostou a orelha no vidro frio.
– Quem está ai? – Sussurrou ela.
Após o silencio... o espelho trincou, e uma mão começou a sair de dentro do espelho.
Laura correu até a porta do banheiro, sendo seguida por aquela mão que sairá do espelho. Saindo do banheiro, ouve um clarão...
O primeiro momento foi estranho... meio molhado... ela escutou um som estranho, era como se alguém estivesse batendo as mãos com as costas das mãos, em movimentos rápidos. Em seguida ela ouviu gemidos, eram masculinos e ela reconhecia aquela voz.
– Jonathan...
– Isso fala meu nome!
– Isso mesmo. Vai...
Laura percebeu que estava em pleno ato sexual, com Jonathan. Ela o empurrou, ele forçou e a segurou com força, ela novamente o empurrou, dando-lhe um tapa na capa, ele finalmente largou ela, Laura saiu de cima dele nua e caiu da cama.
– O que está acontecendo Laura. Eu já estava quase lá.
– Mais que merda é essa.
Laura olhou para o ambiente, era a casa de seu chefe.
– Laura...
Suas roupas estavam espalhadas pelo quarto. Laura recolheu-as e as vestiu.
– Laura...
– Isso é errado, eu tenho namorado.
– Eu sei você terminou com ele hoje!
– Eu não terminei com ele.
– Não. Você terminou. Finalmente revelou nosso amor. Não se lembra que seu quase arranquei a pele dele de tanto surra-lo após ele tentar te machucar.
A voz dele ficou lenta e grossa, como a da criatura que vira antes.
– Arranquei a pele dele ...
– A pele dele ...
Ele se levantou da cama nu. Laura notou que seus olhos começaram a brilhar, num tom avermelhado.
– Venha para nos... estamos esperando... – Falou ele novamente com aquela voz alterada, chegando a ser quase demoníaca.
Os olhos dele explodiram e começaram a escorreu por seu rosto, em seguida, sua pele começou a dissolver ficando apenas o esqueleto.
Laura saiu da casa dele quase pelada, ainda vestindo a calcinha.
Já era de noite e as ruas estavam escuras. Ela olhou os nomes das ruas; Rua caminho do inferno, Rua treze, Rua sangue de demônio, Rua da morte, Avenida do horror e Rua insana. Laura percebeu que estava em pesadelo.
– Laura, estamos chegando.
Ela olhou para esquina da rua da morte e viu um homem vestido de branco com uma toca preta na cara, segurando uma faca. O homem corria como um atleta, mesmo Laura tento vantagem do distanciamento, em menos de dois minutos ele a alcançou. Ele segurou seu braço e enfiou a faca no meio da sua mão e depois puxou a faca, rasgando sua mão e a abrindo no meio.
– Doí? – Perguntou o sádico de branco.
Laura somou forças no joelho e chutou com o máximo de forças seu pênis. Ele começou a gritar, ela portanto correu, espirrando sangue para todos os lados. Durante a fuga ela entrou em uma casa aberta e novamente ouve outro clarão, ainda mais forte.
Uma voz pairou por sua mente.
– Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo, o teu bordão e o teu cajado me consolam. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda. Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias...
A visão que antes estava embasada por conta do clarão começou a ficar nítida. Em seguida, ela ouviu uma serie de pessoas chorando e murmurando.
Ela logo notou que estava num enterro. As pessoas ao seu lado estavam com os olhos fechados. Levantando-se, Laura seguiu até o altar aonde estava o padre, também de olhos fechados. O caixão estava logo a frente, totalmente preto, com uma frase escrita na Borda. Laura Marilia dos Santos, 1984 – 2017, querida e amada por todos.
Logo que começou a se aproximar, ela olhou para a mão, e percebeu que a mesma não estava mais machucada, porém seu corpo tremia. Aproximando-se o suficiente, Laura encostou sua mão na tampa do caixão e a empurrou. Quando olhou para dentro, viu-se deitado naquele caixão, com o corpo pálido e com um enorme buraco no peito, aonde deveria estar o coração.
– Venha conosco Laura. Venha conosco. Conosco... – Todos que estavam sentados começaram a repetir está palavras, e em seguida elas abriram os olhos, e todas, exceto o padre estavam com os olhos vermelhos.
Neste momento o cadáver que havia no caixão abriu os olhos e agarrou seu braço.
– Esse é seu destino. Venha conosco... estamos lhe esperando Laura.
Em seguida o padre a empurrou na direção do caixão.
– Saia daqui, deus não quer uma aberração como você. Uma aberração como você. Uma aberração.
O padre lhe empurrou e ela acabou sendo puxada para dentro do caixão.
Laura acordou novamente, talvez uma última vez...
Ela esfregou seus olhos e viu Denis entrar no banheiro. Logo em seguida o sangue dele começou a espirrar por debaixo da porta, escorrendo para fora... Laura sabia que aquilo era semelhando... mas não se lembrava...