Reunião (Extra)Ordinária
Cada um de nós recebeu o SMS de um número desconhecido:
ATENÇÃO!
Convoco a todos vocês para uma reunião.
PS. Ressalto que NÃO é um convite.
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Acordei naquele galpão, Maísa conversando comigo algo sobre crescer e multiplicar. Sempre tenho um pé atrás com essa menina...
Eric num canto com uma caixa, não sei se do medo ou de ovos. Alda, logo atrás, trazia uma garrafa de cachaça com um gênio dentro num braço e Fantasma no outro. O gato estava todo ressabiado, mas em pouco tempo já estava subindo no teto e dançando tango com o gato Merwel. Iolanda num canto do galpão com o macaco chinês e um frasco de lírios olhava admirada a destreza dos gatos. Gabriel com seu livro sobre humanos e fascistas, ia se distrair nisso enquanto esperava.
Carlos, acompanhado da vó Luíza, cada um com fones de ouvido, deixavam-se embalar ao som de Iron Maiden. Como Carlos odeia gatos, a vó Luíza teve muito trabalho para impedi-lo de tirar o chicote da mochila. É, a que conta várias estórias, essa mesma.
A Cris trouxe uma resposta e tanto para todos os dilemas do Carlos com os gatos. Desde que descobriu a lógica das palavras, a moça anda toda prosa. Logo depois da Cris, vi Gilson com as três pedras na mão e um cálice de vinho na outra, ansioso pra contar a história que Romero não contou.
John conversava sozinho, lembrando as aventuras de Johnathan Pilsen. Falava, ria, aplaudia. Lee correndo com suas duas amigas, Madeleine e Isabella, as três com asas de borboleta simulavam voos e corriam na intenção de volitar. Maya disse que as três estavam lindas de matar, e ofereceu a boneca maldita a Isabella, porém, em seu íntimo considerava-as almas perdidas. Apesar de toda essa confusão de Lee, Maya, Madeleine e Isabella, não dava pra não notar Fátima e Cíntia. Mesmo estando entre flores e sombras, seria impossível não vê-las, pois estrelas da manhã não podem se esconder.
Anna Júlia, a caçulinha, com um cisne negro num braço e o gato no outro, estava muito brava com esse último por ter comido o peixe.
Vanessa era a face do luto, com seus longos e negros cabelos encobrindo o rosto, e se recusava a ver a lua clara. Pouco atrás estava Felipe, confuso, falando de guerra, dizendo que tudo estava uma bagunça, profetizando o fim dos tempos.
No frio da madrugada vi o Edinardo, emocionadíssimo porque descobriu a verdadeira face de Valentim Sant-Clair.
Estávamos eufóricos, curiosos, amedrontados. A cachaça da Alda agradou bastante; o gênio ficou bem bravo com isso, gesticulava e xingava, afinal estavam destruindo sua residência. Eric não quis abrir a caixa de jeito nenhum, continuávamos sem saber o que estava dentro dela. Fantasma e Merwel continuavam sua dança, Carlos olhava de soslaio para eles. Vó Luíza pegou a mochila e não soltava por nada, isso depois de colocar o neto de castigo num canto do galpão. Gilson sentou no chão perto da porta e cantarolava uma música do Skank, Suavemente, acho.
Estávamos entretidos pelo pavor, sem entender, sem se localizar. Nem percebemos quando surgiram três encapuzados na porta do galpão. Só tomamos conhecimento quando um deles começou a falar com voz de Tio Patinhas:
—Olá meus amigos! Quero jogar um jogo com vocês. Pena que não estão todos aqui. Pena de morte pra eles. Fui bem explícito quando disse que era uma convocação. – E soltou a gargalhada mais sinistra que o Tio patinhas podia dar.
Cutuquei a Iolanda e disse:
— Pela voz de Tio Patinhas tenho a impressão de que esse é o Sid.
Ao olharmos estavam em pé na porta um encapuzado de vermelho, um de roxo e um de preto. O que estava falando, o de roxo, continuou com a mesma voz esganiçada:
—Vamos ao Jogo da Forca. Antes devo apresentar minhas duas amigas: Diana Caolha e a ardente Janaína, que me auxiliarão. Vamos às instruções.
Após essas palavras, sem apresentar quem era quem, cada um dos três tomou um ponto estratégico do galpão, só então notamos que tinham algo como um controle remoto de tamanho médio nas mãos. O louco, ou a louca, não sabíamos quem era, disse:
—Você lembra, Eric, que conversamos sobre gases paralisantes? Quando perguntei da possibilidade de fazer um caseiro com eficácia garantida, você me deu uma fórmula rindo e brincando sobre o assunto. E você, Marcilene, lembra quando conversamos sobre os efeitos da paralisação no corpo humano e com quanto tempo começa a causar danos ao coração e ao cérebro? Era uma pesquisa que estava fazendo para nossa brincadeira. Estou cansado de todos vocês! E a última edição do desafio me deixou exausto, e como se isso não bastasse tinha gente até querendo me jogar no Paraopeba, né, Gilson? Mas como sou uma pessoa legal e justa, em nome dos bons tempos, quem sobreviver ao jogo, sairá daqui vivo. O detalhe que torna o jogo mais emocionante é que a chance é uma só. Quem errar vai para a câmara paralisante que está bem aqui fora. Minhas ajudantes guiarão vocês até ela. Agora chega de explicações.
Nessa conversa, ficou claro que o encapuzado de roxo era o Sid.
A essa altura já estávamos todos mais do que apavorados, o terror brotava de nosso poros em forma de suor frio, nosso cabelos eriçados, pernas trêmulas, alguns vomitaram de medo. Maya desmaiou, mas ninguém tinha condição de socorrer ninguém. A encapuzada de preto acionou com o controle remoto um telão na parede oposta à porta, onde surgiram sete traços horizontais.
—Começaremos com você, Gilson. Uma letra.
O cara tremeu, o bigode vibrou, as pedras caíram no chão, o cálice despedaçou-se no concreto.
— A – falou o bigodudo.
Suspense. Medo. Horror.
Os encapuzados só respiravam. Naquela guerra de nervos, a voz do Tio Patinha soou irritada:
—Tem. No penúltimo traço. Mais uma letra.
—O.
As criaturas encapuzadas iniciaram uma dança frenética e macabra para dizer:
—Não tem.
As amigas de Tio Patinhas caminharam lentamente com seu balé esquisito para o lado de Gilson. O medo nos impediu até de gritar, só lágrimas e tremores expressavam nosso pavor diante da cena.
—Ninguém escapa do gás paralisante, ele não vai viver para contar o que sofreu.
Gilson, com os olhos arregalados, cabelos em pé, saiu esperneando, mas não dava para fugir da força descomunal daquelas criaturas. Também fugir pra onde? Estava tudo fechado desde que as três figuras entraram.
—Maísa.
—Não! Minha menina não! – Gritei atordoada.
—Não seja hipócrita! – berrou Tio Patinhas. – você disse várias vezes que ela é uma filha bastarda, que seus verdadeiros amores são os outros filhos...
—Você está sendo cruel! Não precisava dizer isso a ela.
Olhei para Maísa, que me encarava cheia de ódio:
—Você disse isso mesmo? Eu sou bastarda? Você não me ama?
— Não é bem isso, filha...
—Chega dessa conversa! Sou eu quem escolhe aqui e eu disse que é Maísa. Pronto.
Minha menina olhou para mim com os olhos cheios de lágrimas.
—Uma letra, mocinha.
—B.
Dança macabra, mas dessa vez foi diferente. Maísa não expressou nenhuma emoção. Entregou-se ás carrascas e saiu de cabeça erguida.
Minha cabeça girou, fiquei sem ar, não me sentia. Espasmos de dor por todo meu corpo. Somente um pensamento: não tinha que ser assim, minha linda menina poderia melhorar, tão jovem! Porque eu tinha que dizer aquelas coisas sobre ela? Meus pensamentos foram interrompidos por uma escuridão sem precedentes pra mim. Sumi.
—Mãe! Mãe! – Ouvi uma voz longe, que me chamava insistentemente. Reconheci nela meu filho, mas não o localizava.
Quando consegui abrir os olhos ele disse:
—Viaja, não, mãe. Que estória é essa de Maísa? Alguém queria matá-la? Que que foi isso?
Com o suor a escorrer por minha face, olhei para todos os lados e não havia galpão nenhum. Muda peguei meu celular e não tinha nenhum SMS de número desconhecido. Fui ao zap e também não havia nenhuma Iolanda, nem John, nenhum desses amigos. Não tinha o grupo do desafio.
Não havia também site chamado Recanto das Letras.
Não tinha nada. Só eu era real. Ou não.
Uma singela homenagem aos amigos do desafio de terror aqui do Recanto