PERDIDO

A SOMBRA

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CAPITULO

PERDIDO

Criado por.: Vinicius N. N.

A princípio não fiquei convencido, a história que ele me contara naquele bar, parecia pura ficção, e particularmente não gosto de ficções já que sou um jornalista e busco a verdade. Mas, fiquei curioso, a história dele podia não ser real aos meus olhos, mas o modo como ele contava, haviam partes que pareciam tão reais que em certos momentos meus sentimentos nublaram minha razão e eu acreditava nem que por um segundo que aquilo poderia ser verdade. Quando terminamos, ele me mostrou uma série de documentos, fotos, recortes de jornais, e vídeos, alguns daqueles arquivos datavam de mais de cinquenta anos, porém, tudo poderia ter sido forjado. Em seguida, notando que ainda assim não havia acreditado em seu relato, ele me pediu para ficar com aqueles documentos, depois me cumprimentou, apertou minha mão e saiu pela porta sem nunca mais voltar.

Passei dias com um mau estar, tentando me convencer que aquela história não era real. Dias se passaram, e eu estava pesquisando alguns conteúdos para uma notícia, quando encontrei uma reportagem de alguns anos atrás, estava no fundo de uma caixa, na última prateleira do velho galpão de uma emissora de TV que havia me autorizado a trabalhar com aqueles documentos. A reportagem falava sobre diversos assassinatos que haviam ocorrido na cidade de São Paulo por obra de um assassino em série chamado, o assassino rubro. Fiquei atônito lendo aquilo, pois não me recordava de nenhuma daquelas informações ocorridas naquela época. Lembrei da conversa que tive com aquele homem no bar, e me recordei que ele havia explicado que o governo destruiu todas as provas relacionadas aqueles eventos.

Passei três dias analisando aquele jornal e precisava me certificar de sua autenticidade, portanto resolvi procurar o responsável por aquele galpão, contudo não havia responsável, então procurei meu chefe, e o miserável no momento que comecei a contar-lhe sobre aquele documento e as histórias que ouvira, ele começou a gritar euforicamente comigo, me tomou o jornal, rasgando-o na minha frente e me demitiu em seguida, sem justa causa.

Não acreditei que fora demitido só por comentar sobre aquele documento, conclui que alguma coisa estava errada, e então fui até o centro para analisar as informações na integra, falei com algumas pessoas, em lojas, no metro, bares, algumas empresas, até desconhecidos na rua, mas ninguém sabia do que estava falando, alguns ameaçaram até chamar a polícia. Quando já havia desistido, um mendigo, sujo e fedendo a bosta e vomito se aproximou de mim, enquanto estava sentado em um banco a baixo do viaduto do chá. Ele disse que ouvira boatos sobre perguntas estranhas que estava espalhando pelo Anhangabaú, perguntas que o deixaram estarrecido.

Ele parecia ser velho, tinha uma aparência de cerca de sessenta anos, com pele enrugada e caída, mas quando ele me disse sua idade, fiquei abismado e chocado. Aquele homem tinha trinta e dois anos.

Minutos depois de nossa primeira conversa, ele me levou até um lugar mais reservado e começamos a conversar de novo. O mendigo disse que a alguns anos, ocorreram realmente vários assassinatos, mas quando tudo terminou, o governo federal chegou e varreu todas as provas para debaixo do tapete, eles começaram a espalhar mentiras e matar todos aqueles que sabiam a verdade. A maioria das pessoas que conheciam as histórias eram os mendigos, inclusive... a maior parte das pessoas que morreram de acordo com ele, foram os moradores de rua. Um ano depois a população de mendigos havia diminuído drasticamente. Poucos sabiam a verdade, e os sabiam não se atreviam a falar. Logo em seguida, o mendigo olhou no fundo dos meus olhos e disse para mim esquecer esta história, que só conseguiria encontrar dor e sofrimento, além de que minha vida pudesse correr sério perigo. Depois ele me deu um tapa leve no ombro, se levantou e começou a caminhar, até que não pudesse mais velo.

Semanas depois tentei procurar aquele homem que conhecerá no bar, mas me lembrei que ele não tinha revelado nenhuma informação sobre sua pessoa. Antes daquele dia, nós só havíamos nos falado por e-mail, mas também nada descobri, já que o remetente era alguém intitulado, “J”. Tentei procura-lo por muito tempo, até pedi a um desenhista para retratar seu rosto baseado em minhas lembranças, contudo ainda assim isso não me levou a nada, nem ao menos um vestígio dele.

Acabei desistindo, terminei em uma mesa, bêbado e frustrado. Foi ali, de bruços na própria saliva que descobri o que realmente deveria fazer. Surgiu a ideia de contar ao mundo a história que ele me dissera naquele bar. No dia seguinte juntei todos os documentos que ele havia me deixado naquele dia e comecei a escrever, redigindo suas palavras.

O ponto inicial ao qual me recordo era a chegada daquele homem a São Paulo. Qual era mesmo o nome dele? Vejamos, deve estar em algum deste papeis... Ah, aqui está! O nome dele era Jonny, se estes registros estiverem certos. Torço para que essa história não se torne macabra a ponto de aterrorizar lhes pelo resto de suas vidas, mas esta história é real e precisa ser contada.

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Jonny caminhava descalço pela rodovia Bandeirantes próximo ao KM 112, vestia uma jaqueta marrom rasgada com um bordado rústico de uma moto em chamas estampado nas costas, calças jeans escuras e luvas negras feitas de couro. Ele tinha um metro e setenta, olhos acinzentados, cabelos castanhos escuros e pele morena clara. Na mão direita carregava uma folha de papel amassada ao qual não ameaçava largar.

Aparentava estar tonto, quase que catatônico, em choque. Sua mente não conseguia recordar-se como havia chegado naquele lugar. Seus olhos castanhos estavam cansados e seus lábios secos endureciam.

Mesmo contra sua vontade, algo o empurrava naquela direção...

Garoava naquele dia e o céu permaneceu nublado, e no horizonte era possível ver clarões mudos caindo sobre a mata, em violentas descargas de energia azul e branca que rapidamente iluminavam a estrada. Seus pés sangravam, a marca de sua pegada podia ser vista de longe, vários pontos vermelhos seguindo paralelos, não podia mais andar sem remeter-se a uma dor indiscreta. Porém, seu pensamento estava longe... suas memorias dançavam caoticamente, ele tentava organizá-las, mas algo não o deixara. Uma sombra nublava seus pensamentos, quanto mais tentava lembrar, dois olhos vermelhos o perseguiam entre suas lembranças.

Seu coração pulsava de forma acelerada. O suor que escorria por todo corpo era frio, chegando a congelar sua pele.

A garoa já durava cerca de meia hora e o asfalto começara a encharcar-se de água. Ele levantou a cabeça para o alto e reclinou-se olhando para o céu, neste exato momento, as gotas de água tornaram-se rubras.

O peso que carregava no peito se tornou insuportável, não pode se sustentar em pé daquele jeito. Suas forças foram drenadas por sentimentos angustiantes e seguidamente acabou por cair no chão sem força, mantendo-se de bruços, com o rosto no asfalto gelado, respirando vagarosamente próximo ao meio fio.

Jonny continuou caído durante várias horas, ninguém se prontificou a ajuda-lo, muitos até paravam, porém rapidamente ignoravam-no e seguiam com desprezo, como se ele não fosse nada.

Em um determinado momento, uma mulher cruzou a rodovia, dirigindo um corsa branco. Como não estava tão longe, ele pode ouvir a conserva que ela tivera com sua filha em relação a situação que encontrava-se e ficou decepcionado.

– Mamãe, tem um homem deitado ali no chão. Será que ele este bem! – Perguntou uma garotinha dentro do carro, olhando pela janela traseira embasada.

– Não olha não filha, volta pro seu lugar, é só um vagabundo! – Gritou a mãe.

Sem esperanças, ele somente aguardava o inevitável, sozinho no relento. As luzes tornaram-se dispersas, e as imagens confusas. Porém, no âmbito daquela situação, surgiu uma luz... que transpôs-se sobre seus olhos fazendo-o reagir, salvando-o. Quando a luz se aproximou, seu calor e brilho o cobriram, e ele pela primeira vez naquela noite escura, ele pode sentir conforto e segurança.

– Você está bem? – Seu corpo... o que aconteceu? Você precisa ir a um hospital! Deixe-me leva-lo no meu carro! – Disse a voz feminina em relance.

Uma força tomou seu corpo. – Vamos... você precisa se ajudar também. Tente se levantar!

Jonny permaneceu imóvel por alguns minutos, até conseguir reunir as forças necessárias para estender-se. Em sequência, mãos cruzaram seu pescoço e a parte lateral de seu abdômen, acrescentando-lhe estrutura para conseguir se manter em pé e caminhar.

Logo a frente existia um Cadillac preto, ano 2017 de belas rodas cromadas. Mesmo com uma visão embasada, ele notou... percebeu no exato minuto que nunca entrara num carro tão luxuoso como aquele.

Ao sentar-se na poltrona, sua visão turvou-se, as linhas de luz do para-brisa se cruzaram e a escuridão sujou a realidade, fazendo-o desmaiar. Contudo, uma voz ressuou em sua mente febril. – Vai ficar tudo bem. – E aquela voz foi se dissipando em seus pensamentos.

As horas voaram, passaram despercebidas enquanto Jonny estava desmaiado, neste meio tempo, uma mulher chamada Aline levou-o até o pronto socorro mais próximo, o hospital central dos bandeirantes.

Aline era alta e com um ótimo condicionamento físico. Ela aparentava ter saído de um filme, seus cabelos eram loiros reluzentes, seus olhos eram azuis cor de mar e seu rosto formoso era praticamente aquilo que todo homem queria ver depois de acordar. Aliás, suas curvas sutilmente pretensiosas, completava sua imagem, poderiam até achar que ela era uma modelo. Mas, porque uma mulher como ela poderia ser tão altruísta a ponto de se responsabilizar pelo bem estar de um estranho. Enfim, ela não sabia, mas seu destino estava prestes a mudar, no momento que desceu daquele carro para ajuda-lo ela iniciou uma série de eventos em sua vida que levariam a sua iminente morte, mas isto será contato mais à frente.

Bem, Jonny acordou trinta e quatro horas depois, com uma terrível dor em todo o corpo. – O que... – Questionou-se. – Aonde estou?

Aline estava sentada em uma cadeira aveluda com retoque marrom claro, meio desbotado. Seu queixo se levantou e seus olhos brilharam, lacrimejando, ela acabara tirando um cochilo. – Finalmente... graças a deus acordou. Fiquei tão preocupada! – Disse Aline esfregando os olhos.

– Fique calmo Jonny, você está em um hospital. Eu lhe achei caído a beira da estrada quase morto... tive de lhe trazer as pressas. O médico, disse que se demorasse mais algumas horas, poderia ter entrado em um estado hipotérmico e morrido de frio.

– Como você sabe o meu nome?

– A sua identidade estava no bolso direito, junto a um maço de cigarros e um relógio quebrado, precisei dela na hora que fui fazer a sua ficha! – Respondeu ela.

Jonny estava confuso. De certa forma não acreditava que alguém poderia salva-lo, diante de tanta ignorância neste mundo.

Aline se levantou, ergueu as pernas e se espreguiçou discretamente. Cruzou o quarto em seis passos longos e se aproximou da cama aonde Jonny estava deitado.

– Meu nome é Aline Salles Westerman. – Apresentou-se.

Ela encostou a ponta dos dedos em seu braço descoberto, sem querer. Seu toque foi tão gélido, que o fez se arrepiar todo. Jonny entreolhou Aline, contudo algo tirou sua atenção, uma sombra cresceu em sua retaguarda. Percebendo aquilo se aproximar, ele gritou.

– Cuidado!!! – Assustou-se Jonny empurrando-a para longe.

Jonny a empurrou para esquerda na direção da porta, com a intenção de faze-la fugir, porém a hora a luz do quarto piscou e a sombra sumiu em um piscar de olhos.

Após se erguer, Aline virou-se e olhou para a direção a qual ele tinha apontado, mas a mesma não percebeu nada estranho, só uma prateleira vazia, uma parede azul escuro com um relógio digital e uma placa escrita “Um pequeno gesto de carinho pode mudar uma vida”.

– Mas o que foi isso? – Como pode me agradecer desse jeito... me empurrando. Por acaso você ainda está drogado? – Perguntou ela em fúria.

Ele a ignorou levando os lençóis e jogando-os para longe, pretendendo se levantar.

– Você não vai sair daqui! Fique deitado e me conte o que estava fazendo na rod... – Aline começou a tossir, apanhou rapidamente um lenço do bolço e colocou entre os lábios, depois tentou esconder entre o punho.

Jonny se levantou da cama e em seguida caiu, por conta de seu estado delicado. Ele tentou se debruçar em um carrinho de alumínio, mas acabou piorando a situação já que o carrinho foi empurrado para frente e sua diagonal guinou na tomada do controle de posição da cama que acabou caindo no chão e acionando o abaixamento. Quando Jonny veio ao chão, seu braço entrou nas engrenagens da cama que começou a esmaga-lo entre duas colunas verticais de aço que manobravam, descendo e desdobrando.

Aline correu e tentou puxar o braço de Jonny, porém o mesmo já encontrava-se prensado. Ela tentou pegar o controle, porém ele estava em baixo da cama, quanto mais ela tentava alcança-lo, mais seu braço era esmagado. Após, a cama chegar em uma determinada posição, o braço dele começou a ser pressionado de uma forma insuportável e por conta da enorme força que estava sendo exercida, diversos cortes se abriram por todo o braço e começaram a expelir sangue para todos os lados, inclusive no rosto e nas roupas de Aline.

Ao apanhar o controle seu coração se reconfortou, e a mesma apertou o grande botão vermelho no centro dizendo, “Pare”.

Contudo... não funcionava e em desespero começou a apertar continuadamente, até notar que o cabo havia sido cortado por algumas engrenagens. Em seguida, ela só ouviu um barulho... forte e agudo, um som de osso quebrando.

Aline se jogou para trás e deu o maior grito que pode.

Logo em seguida chegaram os paramédicos. Eram eles, uma enfermeira ruiva, com belos olhos verdes, dois homens, um alto de meia idade e cabelos grisalhos e outro jovem, mediano com cabelos pretos. Eles reiniciaram a cama com um mecanismo de emergência acoplado na parte lateral esquerda. O tempo parecia que havia parado, Jonny gritava alucinado, sentindo uma dor excruciante, o som de sua voz se perdia naquela sensação de agonia. Aline olhou para seu rosto e viu sua expressão, o mesmo não conseguia parar de gritar. Quando a cama subiu e seu braço saiu das ferragens, ele estava totalmente dobrado para baixo com uma fratura exposta, aonde seu osso saia pelo lado esquerdo do braço.

Ela permaneceu imóvel, em pânico, lembrando-se daquela cena. Por alguns instantes sua pupila ficou vidrada, e sua respiração parou. Contudo, Aline sabia como reter uma situação de choque.

A enfermeira que aparecera, tentou mantê-la calma, porém a situação havia sido muito forte. A enfermeira chamava-se Elisa Alves Ferreira, uma mulher educada, vestida com uma camisa branca, cabelos pretos e olhos cor de mel, porém o que mais chamava atenção nela era seu batom vermelho vibrante que envolvia seu rosto.

– Aline, você precisa ficar calma. Não perca o controle. Ele vai ficar bem.

Elisa a abraçou para tentar reconforta-la, mas no momento que o fez, ela se lembrou de sua mãe.

No passado quando Aline era criança, sua mãe era uma mulher ébria e sempre que voltava do trabalho, ela a agredia fisicamente. Por muitos anos essa tortura durou, até sua mãe morrer no outono de 1998 de uma gripe fatal. Anos depois ela descobriu que sua mãe era daquele jeito, pois era frustrada com a vida e o único meio de diminuir seu sofrimento era afligindo dor a outra pessoa.

Lembrando-se do passado, seus olhos se encheram de lagrimas e ela começou a chorar.

2

SETE SEMANAS DEPOIS

Aline cozinhava um Bife a Rolê de frango, quando decidiu ligar a televisão da cozinha. Apanhando o controle, ela se inclinou para a direita e virou o braço cerca de 80º graus na direção da TV e a ligou. O primeiro canal que surgiu foi um noticiário, ao qual reparou uma reportagem que lhe chamou atenção.

– 27 de novembro de 2016. O que parecia ser uma casa abandonada na esquina da Rua Santa Isabel se mostrou um dos mais macabros cenários da história de São Paulo. Já são quatro horas da tarde deste domingo e este já é o decimo terceiro corpo encontrado pela polícia federal. A maioria dos corpos foram encontrados dentro das paredes, sob os azulejos da sala, debaixo de moveis antigos e até dentro de várias caixas. Os peritos forenses dizem que a maioria dos corpos aparentavam estar naquele lugar a mais de cinquenta anos.

As pessoas estão começando a chamar este lugar de a casa da morte. Diversas pessoas e principalmente vizinhos já prestaram depoimento, contudo ninguém se lembra de ter visto alguém frequentando a residência nestes últimos anos. O policial Jonathan Marcondes Filho diz que quando chegou na casa, após um telefonema suspeito que está sendo investigado, encontrou um ambiente que o mesmo descreve como sendo sinistro. Porém, o que realmente devemos nos perguntar neste momento é... Quem fez isso e onde ele está? Quem será o próximo? A polícia conseguira encontra-lo? Todas estas notícias você acompanhara aqui conosco, no canal 18.

Enquanto assistia, uma agonia profunda remeteu-se em seu coração, sua respiração tornou-se turva e sua pele começo a suar. Então o telefone tocou. Ela levou um susto tão grande que soltou a colher no chão, acabou se desequilibrando e teve de se segurar na mureta ao seu lado para não cair no chão. Aline tomou folego e se recompôs.

Um de seus filhos chamado Felipe Henrique correu apressado e apanhou o telefone. Felipe era um garoto de não mais que sete anos, tinha os olhos de sua mãe, mas era atrevido, sempre se intrometia em tudo.

– Mamãe, mamãe, mamãe, alguém tá ligandú! – Vociferou o garoto sem parar, correndo na sua direção.

– Que isso Fe! Não está vendo que a mãe está no fogão, eu já mandei não fazer isso enquanto estiver na cozinha. – Questionou-o em um tom ligeiramente alterado e abafado.

– Mas mãe, alguém tá ligandú! – Continuou ele.

– Dá o telefone pra mamãe, filho!

– Não! Voche bigo comigo.

– Me dá esse telefone agora Fe... não quer me deixar nervosa! Quer?

Felipe se esgueirou lentamente na direção de Aline e entregou o telefone com uma cara de decepção.

Aline olhou de relance para Felipe, tomou o telefone e o direcionou ao ouvido.

– Alô, quem é?

– Alô... é a Sra. Salles? – Perguntou uma voz masculina aguda.

– Ela mesma, quem fala por favor?

– É do hospital geral dos bandeirantes, meu nome Marcos Vicente, sou responsável pela área de recuperação do hospital...

– Aconteceu alguma coisa com o Jonny?

– O médico acabou de lhe dar alta. Tínhamos instruções de avisar a senhora quando ocorresse. Infelizmente ele saiu às pressas, pedimos que aguardasse sua chegada, mas como ele estava de alta e as contas já haviam sido pagas, não podíamos segura-lo.

– Eu não acredito! – Disse ela colocando a mão sobre o rosto. – Você sabe ao menos se ele falou algo aonde estava indo?

– Infelizmente não! Mas, uma das enfermeiras encontrou um papel que ele deixou caído no chão...

Aline ficou muda por alguns instantes, sem se atrever a perguntar.

– O que tinha neste papel? – Perguntou com medo da resposta.

– Um endereço. Rua Aperema, número 118. Contudo, existe uma outra palavra do outro lado da folha. No início ninguém havia compreendido por conta da caligrafia, mas realmente...

– Realmente o que?

– Estava escrito... Sombra.

Aline sentiu um calafrio congelar seus movimentos...

– Tudo bem, obrigado. Não tenho tempo pra isso!

– Espere um momento, quer que façamos-s al... – Aline desligou o telefone antes dele terminar.

– Filho, mamãe vai sair. Seu irmão vai tomar conta de você até eu voltar.

– Aonde você vai, mamãe? – Perguntou Felipe.

– Mamãe não pode falar agora filho, vai ver o senhor dinossauro!!!

– Senhor Dinossauro. Senhor Dinossauro. Senhor Dinossauro. – Felipe começou a gritar.

Senhor Dinossauro era um canal de teve infantil ao qual Felipe adorava. Ele passava várias horas assistindo este canal, era a única coisa que conseguia entretê-lo.

Aline cruzou a cozinha e foi até a sala, chegou nas escadas e gritou por Carlos o filho mais velho dela. Um adolescente de quinze anos de idade.

– Carlos, saia já desse quarto e desça aqui.

Nada aconteceu.

– Carlos, você tá me ouvindo!!! – Gritou Aline mais alto.

Nada aconteceu de novo.

– Carlos, você quer que eu suba ai em cima!!! – Esgoelou-se

Carlos abriu a porta com toda força que pode e desceu a escada pisando firme e pesado, com uma cara de aborrecido e nervoso.

– Você vai cuidar de seu irmão hoje!

– Mas mãe! Hoje eu ia sair com o pessoal.

– Hoje você vai é ficar em casa cuidando do seu irmão. E não quero ter de falar de novo.

Carlos olhou para Felipe com um olhar desprezível, em seguida subiu as escadas e voltou ao quarto.

– E não se esqueça de tomar seus remédios.

Aline correu para o quarto, tirou a roupa e vestiu o mais rápido que pode uma camisa de seda fina preta, uma saia marrom decotada e calçou um sapato de couro escuro com um pequeno salto. Ela estava apressada, quando ia saindo da garagem com seu carro, quase quebrou a portão ao fazer uma manobra errada.

Enquanto dirigia colocou o endereço no GPS e partiu para os extremos da zona norte. O endereço a levará até o parque estadual Alberto Löfgren na vila Amélia. Ela saíra de casa as quatro horas da tarde daquele domingo gélido e só conseguiu chegar em seu destino por volta das sete da noite, por conta do transito desfavorável. Era uma noite de lua nova, as nuvens negras bloqueavam a luz das estrelas, enegrecendo toda cidade e nublando seu caminho, mesmo com os faróis acessos era difícil enxergar. Ao chegar em seu destino, Aline saiu do carro e caminhou um pouco pelas trilhas do canteiro, mesmo não tendo certeza se iria encontra-lo.

Mesmo vagando pelo escuro, ela se sentia segura, pois estava armada. A alguns anos ela tirou uma licença de porte de arma de fogo, pois em 2009 foi vítima de um sequestro relâmpago que a deixou muito abalada. Geralmente usa uma pistola Taurus 9 milímetros que a guarda no coldre do tornozelo, porém sua casa possui um cofre aonde ela guarda duas escopetas, uma pistola ponto 40 preta e uma espingarda. Depois daquele incidente, seu fascínio por armas se tornou incontrolável para sua autoproteção.

Enfim, o barulho da floresta era calmo, alguns pássaros cantavam entre as copas das arvores e as cigarras reproduziam seu som depreciativo que Aline odiava. Uma brisa fria espalmava do norte, entretanto as arvores abafavam o frio proveniente. Quando a luz dos faróis do carro não conseguiam mais iluminar o ambiente aonde estava, ela resolveu ascender uma pequena lanterna que tinha no bolso direito.

Ao ligar a lanterna viu uma silhueta entrando na floresta, logo a frente.

Aline se assustou, mas percebeu no mesmo segundo que era Jonny.

– Jonny! é você!

Sua voz se dissipou no vento sem resposta, ecoando pela mata. Momentos depois ela resolveu segui-lo, embora sua razão estivesse relutante.

– Jonny, volte aqui por favor...

Aline seguiu Jonny por dentro da floresta, se esgueirando entre arvores, arbustos secos, poças de lama, formigueiros e áreas cobertas por bosta de animal, abrindo caminho com as próprias mãos nuas. Enquanto tentava alcança-lo, os arvoredos espinhosos a arranhavam, o caminho acidentado a fazia escorregar entre pedras lisas, machucando seus pés, acabou perdendo até seu sapato que caíra dentro de uma fenda.

Minutos depois houve um clarão no céu e um raio despencou sobre uma arvore não tão longe dali, próxima a uma cascata que ascendeu-se em fogo. As labaredas que fagulharam-se ao redor, chamaram sua atenção e seus olhos foram preenchidos por um brilho vibrante. Neste momento ela o perdeu de vista.

Quanto retomou a consciência...

– Jonny. Aonde você está? Por favor apareça.

Uma voz sem direção respondeu.

– Vá embora, está correndo perigo!

– Eu não tenho medo. Por favor apareça, eu só quero lhe ajudar.

Não entendia no começo como uma mulher tão representável poderia estar atraída por um homem que nem era tão vistoso assim. Mas, o verdadeiro motivo estava para ser revelado.

Aline olhava para todas as direções, porém nem ao menos conseguia encontrar o caminho de onde havia vindo. Minutos depois a bateria da lanterna começou a falhar.

– Não... agora não. – Disse Aline batendo na lanterna.

A bateria não durou muito, somente mais alguns passos até a luz se apagar por completo.

Ela estava perdida, seus passos desencontravam-se na escuridão. Era difícil caminhar daquele jeito, sem luz, esbarrando nas arvores e caindo quase que toda hora, fora os tombos e escorregões frequentes. Aquela situação durou cerca de uma hora, até seu senso de direção a levar para o sudoeste até um local iluminado naturalmente aonde conseguiu enxergar uma zona descampa. Naquele momento não pensou outra coisa a não ser correr para luz, e ao chegar numa determinada proximidade ela avistou alguém parado a frente de um tipo de tumulo.

Quando se aproximou o suficiente, viu que realmente era Jonny.

Aline saiu da floresta, surgindo entre um grande tronco pálido oco cercado de vegetação arbórea. Ela estava nervosa,

– Ei! O que está fazendo aqui, pelo amor de deus? – Perguntou Aline, após surgir entre as arvores.

– Eu... eu... – Jonny não conseguia responder.

Jonny ainda estava vestido com a mesma jaqueta rasgada de quando ela o encontrou, contudo desta vez seu braço encontrava-se engessado. Aline reparou em seu braço, e seu coração foi preenchido de culpa. Ela se culpava de não ter conseguido evitar aquele acidente.

– Que lugar é esse?

Jonny permaneceu mudo.

Aline chegou mais perto e notou que aquilo, ao qual Jonny estava observando era realmente um tumulo. Uma sensação de medo começou a induzi-la a sacar a arma.

– Meu nome... – Ressuou Jonny.

– O que?

– Meu nome é Jonny Roger de Almeida! – Completou.

Aline reparou que seu rosto estava marcado de dor e sofrimento. Era o mesmo rosto de quando perdeu o marido em 2012, após uma troca de tiros próximo a sua casa, após um confronto entre um assaltante contra alguns policiais.

Ela parou ao lado de Jonny e olhou para o tumulo. Mesmo no escuro ela percebeu que não havia nenhuma gravação no entorno da lapide, nem ao menos um nome.

– De quem é esse tumulo?

– Eu não sei! – Respondeu ele, com uma voz tensa.

– Por que está aqui então?

– Eu também não sei! – Respondeu ele lacrimejando.

– Amanhã irei me entregar!

– Você vai o que?

– Já deve estar em todos os noticiários. Uma casa cheia de corpos...

Aline se lembrou da reportagem que tinha visto.

– Fui eu... Eu ajudei a coloca-los naquele lugar.

Aline olhou para seu rosto, enxugou suas lagrimas e segurou sua mão o mais forte que pode.

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PRÓXIMO CAPÍTULO http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/5980000

Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 16/04/2017
Reeditado em 04/05/2017
Código do texto: T5972498
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