Sonhos em Europa
“Será que existe vida em Europa?”
Com essa indagação, Rafael Müller retirou-se para sua cama. Conjecturando sobre a lua de Júpiter, tão distante do planeta Terra, orbitando o gigante gasoso, em um silêncio perpétuo, em meio ao éter do espaço. Beijou sua companheira e tentou dormir, mas a curiosa pergunta não lhe saia da cabeça. Era um aficionado por Astronomia e, desde criança, observava as estrelas à noite. Quando adulto, com seu telescópio amador, permanecia em horas de puro deleite, olhando para as crateras da Lua, ou para a silhueta bruxuleante de alguns dos planetas que formam nossa vizinhança cósmica. Distantes; todavia, pelas lentes tão próximas, quase ao alcance das mãos ou dos sonhos.
Havia lido, em um site, uma matéria a respeito de uma futura missão da NASA para aquele satélite natural. Pretendia-se enviar um robô para explorar a superfície gélida daquele mundo frio e sombrio, repleto de geleiras colossais e banhado pelas ondas eternas de radiações mortais do mundo que leva o nome do rei do panteão romano. Há décadas, havia a especulação sobre a possibilidade da existência, mesmo que de formas rudimentares de vida, naquele mundo congelante, desde que se descobrira que, sob as capas de gelo de sua superfície, jaziam oceanos ocultos e profundos. Acredita-se que, naquela lua, batizada com o nome de uma das amantes de Zeus, haveria mais água do que em todo o planeta Terra. Mares insondáveis, em permanente escuridão.
Talvez, fosse o calor tórrido de março, talvez o álcool em seu sangue, ou talvez algo a mais, alguma magia celeste inexplicável e nefanda... O fato é que os sonhos que Rafael teve, naquela noite, foram do tipo que poucos humanos já haviam sonhado alguma vez, se é que aquilo foi de fato um sonho. Müller em seus devaneios, singrou até o vácuo do espaço e cruzou as distâncias siderais até aquele pequeno mundo gélido de superfícies desérticas e estéreis. Sua mente, nos devaneios, atravessou as grossas camadas de gelo e penetrou por entre os abismos profundos. As sombras pareciam eternas, naquele mundo abissal de águas subterrâneas e inimagináveis.
No entanto, uma fosforescência crepuscular começou a emanar das fossas profundas do oceano alienígena, tons brilhantes que oscilavam do verde ao lilás e, ao verde novamente. Um brilho estranho e inexistente na Terra, advindo de milhares de micro-organismos providos de bioluminescência, um cardume incomensurável de minúsculos vagalumes subaquáticos. Em um primeiro instante, essa visão colorida, mostrou-se maravilhosa, uma magnifica pintura surreal de cores e luzes tranquilizantes que tocaram fundo a alma de Rafael. Entretanto, seus olhos vislumbraram, naquela luz crepuscular, a face blasfema de seres hediondos que flutuavam na escuridão, criaturas colossais e amorfas, as quais desvaneceram a visão onírica transformando o sonho prazeroso em um pesadelo terrivelmente vívido.
Através de alguma forma de telepatia, talvez reflexo de sua projeção astral, as lesmas cósmicas lhe transmitiram uma mensagem de ódio, maior do que qualquer mísero humano já lhe ousara proferir, e Rafael pensava conhecer o ódio na pele. Contudo, em seus devaneios nefastos, de relance, Rafael Müller vislumbrou a morte de milhares de inocentes, cujas carnes derreteriam por entre os ossos e alimentariam aquelas nefandas monstruosidades abissais. Claro foi apenas um sonho... Um sonho como poucos homens já tiveram o desprazer de sonhá-lo.
Na manhã seguinte, o calor cálido do Sol afastou qualquer bruma de terror da mente de Rafael, que tentou ignorar aquelas visões, apenas como um pesadelo indigesto. Mas, em seu íntimo, nas profundezas de sua alma, sentia um crepitar de tensão, e um frio no estômago, toda vez que passou a ler ou ouvir sobre a missão da NASA ao gélido e enigmático satélite de Júpiter e, ao dormir, a dúvida sobre o que vira naquele sinistro pesadelo, de uma madrugada tórrida de março, voltaria a lhe assaltar a razão com o horror e, em sonhos, ele sempre retornou à Europa, o congelado e radioativo lar de grotescas lesmas cósmicas.