Saindo do cárcere
Ele olhou para os seus dedos crispados e viu que um grande chumaço de fios de cabelo se enrodilhavam neles, abriu as mãos e se livrou deles no chão mesmo, sentindo asco por tocá-los. Estava tão tenso que não se deu conta que arrancara aqueles fios brancos de sua própria cabeça.
- Vocês não entendem! - Falou com a voz embargada pelo choro. - Eu juro por Deus que não facilitei nada. Vocês viram a cela trancada. Viram as fitas do circuito interno. - Ele colou o rosto na mesa mais uma vez e desiludido levou as mãos algemadas aos poucos fios que restavam em sua calva.
- Você é quem não entende, Zéfiro! - O detetive a sua frente deu com a mão aberta sobre a mesa para intimidá-lo. - Você cuidava das celas. Só você tinha as chaves. Mesmo que outra pessoa tenha aberto a cela para ele sair, você era o homem de guarda. Compreende? A responsabilidade era apenas sua.
O homem continuou com a testa colada a mesa e seu choro tornou-se convulso. Vendo que de nada adiantaria aterrorizá-lo mais, o outro detetive aproximou-se da mesa e segurando o companheiro pelo braço, carregou-o para fora da sala de interrogatório.
- Zéfiro, - falou antes de sair da sala - nós vamos dar uma outra olhada na cela. Enquanto isso pense um pouco mais sobre o assunto. Tente se lembrar de algo que nos ajude e conseqüentemente, que ajude você também.
A porta foi fechada e o velho homem ergueu a cabeça para ver se realmente estava sozinho. Olhou por um instante para a câmera de vídeo no canto da sala e girando a cabeça, viu sua imagem de perfil refletida no grande espelho da parede. Ele virou-se e tornou a meter a cabeça entre os braços.
- Como eu vou explicar isso? - Sussurrou em um tom praticamente inaudível.
- Diga que eu saí pelas grades, ou que durante um minuto você foi ao banheiro e alguém deve ter aberto a cela.
Ele teve vontade de gritar, mas se controlou. Sabia que apenas ele próprio poderia ouvir a voz de Jonathan.
- É claro! Pelas grades... - ele continuou cochichando, pensando lentamente antes de absorver a bobagem da frase - ... não seja idiota! Você tinha mais de cem quilos e o espaço não era suficiente grande nem para uma criança. - Ele havia elevado o tom de voz por um momento, mas logo se controlou. - E eu não posso dizer que você saiu pela porta da cela. Esqueceu que tudo que se passa no corredor externo é filmado? Para sair você teria que passar pelo corredor externo, seu estúpido.
Jonathan não respondeu e o velho aproveitou o instante de silêncio para pensar. Mentalmente percorreu a cela imaginando todas as possibilidades, por mais estranho que pudessem parecer. Pensou no "boi", o buraco que serve de latrina, mas descartou imediatamente a idéia; o espaço era menor ainda do que o das grades. Pensou também na possibilidade de um possível buraco ter sido tampado, mas era impraticável que isso fosse feito em tão pouco tempo.
- Que bela enrascada, hein? Realmente foi uma bela enrascada. Você sabia que isso poderia acontecer? Sabia que não iria ficar nenhum vestígio? Nenhum corpo?
- Não, Zéfiro, eu realmente não fazia idéia. Você sabe que se eu tivesse alguma idéia sobre isso, teria pensado em outra maneira. Daria um jeito de fazer a passagem durante um banho de sol, ou em uma visita. Me desculpe, mas eu não sabia.
Ele sentiu que tornara a puxar os cabelos e dessa vez largou os fios antes que arrancasse um novo tufo.
- Bem, o que foi feito, feito está. - Ele voltou a sentar-se ereto na cadeira, passou a mão nos poucos fios que lhe restavam arrumando-os um pouco e secou as lágrimas na manga da camisa. - Você tem certeza que pode realizar o truque novamente? – Falou, visivelmente mais calmo e com a voz firme, pouco se importando com o tom dela.
- Sim, eu tenho.
- Então está resolvido.
Ele ergueu-se e deu duas pancadas com os nós dos dedos no espelho a suas costas, local de onde tinha certeza que estava sendo observado. Aguardou por um minuto até que os detetives voltassem e pacientemente contou uma versão convincente sobre como havia aberto a cela, passado com Jonathan pela porta da frente sem que ninguém os visse, depois contou como retornou e trocou as fitas do circuito interno. Jurou que sentira pena do homem. Não queria vê-lo morrer com a injeção. Era contra a pena de morte. Os detetives loucos por uma história que fosse plausível, engoliram cada pedacinho dela e Zéfiro a repetiu para o escrivão que tomou seu depoimento, depois para o juiz que o condenou e por fim para Elias.
Entretanto, para Elias ele contou as duas versões. Contou que já fora carcereiro um dia, assim como ele era. Disse que também cuidara de um corredor parecido com o que Elias guardava. Contou a história de como Jonathan o procurou com a conversa sobre o livro de magia negra que andava estudando. Como ele lhe prometeu que a partir do momento em que entrasse em seu corpo ele não iria mais envelhecer. Deu detalhes do processo e mostrou fotos suas do dia em que fora preso; parecia até mesmo mais jovem hoje do que era na data da prisão. Contou que a única parte que não funcionara em toda a história, foi o corpo de Jonathan ter se desmanchado como pó quando a alma o deixou, coisa com a qual não contavam. Contou até mesmo uma pequena mentira, sobre o fato de que se ele e Jonathan saíssem daquele corpo e entrassem no de Elias, além de não envelhecer, ele poderia ganhar alguma forma de força incrível. É claro que não acreditava nisso, tudo o que ele queria era um corpo para sair daquele lugar.
Na verdade, o que importava para Zéfiro e Jonathan, era que Elias acreditasse.
E ele acreditou.
Fim.
Richard Diegues é escritor, autor do livro "Magia - Tomo I", colaborador dos sites "Círculo de Crônicas" (www.circulodecronicas.com) e NecroZine (www.necrozine.blogspot.com), além de moderador dos Grupos "Tinta Rubra" e "Fábrica de Letras" pelo Yahoo!