O PADRE PERTURBADO

_Pela graça de teu nome, eu peço que me proteja em minha missão, pois tu és o senhor dos céus e salvador dos homens, me honre com a tua glória e com teu poder e que seja feita sempre a tua vontade.

O jovem padre que vestia uma túnica marrom fazia uma oração de joelhos numa capela escura dentro de uma igreja numa região próxima a Varsóvia, o ano era 1492, a época em que a Igreja Católica estava fazendo uma de suas maiores investidas missionárias, sendo a mesma uma das grandes marcas da história da humanidade, mas para a igreja um de seus períodos mais sombrios.

A capela de São Denis foi criada por um padre francês que estava numa viagem pelo Reino da Prússia e hoje a capela pequena próxima a alguns vilarejos era um ponto de encontro dos padres que faziam parte da Santíssima Inquisição. Era uma capela sombria, feita de madeira e com pouquíssima iluminação, na parte mais afastada tinha a imagem de Cristo crucificado, que era onde os padres faziam suas preces antes de invadir um covil de bruxas.

Era inicio de noite, e o Padre Sebastian estava pronto para invadir mais um vilarejo que segundo o que disseram estava repleto das mulheres pagãs. Em sua mão ele carregava o livro conhecido como "Martelo das Bruxas" cujo o nome original está em latim "Malleus Maleficarum", um livro datado de 1486 criado justamente para Padres durante a Inquisição, hoje sendo considerado um dos livro mais sangrentos da humanidade.

Sebastian era um fiel devoto cristão, desde que era criança foi criado por padres e aprendeu desde novo a seguir a vontade de Deus de acordo com os ensinamentos da Igreja, além de ser um extremo devoto ele também sofria de sonambulismo, o que lhe assustava um pouco quando era criança, mas com o tempo acabou se acostumando. E por sua devoção ser tão grande e pura ele foi selecionado para liderar um grupo de soldados reais e caçar bruxas nas partes mais afastadas do Reino da Prússia. Já fazia três anos que ele era um militante da Santíssima Inquisição e durante todo esse tempo sempre foi impiedoso com todas as bruxas que cruzaram seu caminho, mas tudo mudaria nesta caçada!

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O vilarejo de Póznan era um lugar considerado como refúgio para muitas mulheres que vinham fugidas das grandes cidades de toda a Prússia, talvez fosse um dos ultimos vilarejos restantes. Todas eram mulheres com um pensamento a frente do seu tempo, buscavam independência e serem reconhecidas, eram intelectuais, mas isso para a Igreja era uma ofensa, muitas eram acusadas de Heresia simplesmente por se opor as ideologias pregadas pelo Clero, e isso na época se tornou uma febre, as mulheres estavam abrindo sua mente e contagiando outras por este movimento, muitas eram cristãs, mas não concordavam com muitos pensamentos opressores que eram pregados.

Dentre essas mulheres a que mais chamava atenção era Gal Fiore, ela era uma mulher jovem, linda e muito rebelde, não era do tipo que abaixava a cabeça quando se sentia ofendida.

Gal Fiore, estava conversando com outras 2 moradoras do vilarejo sentadas ao redor de uma fogueira, sobre a Santíssima Inquisição.

_Como eles podem chamar essa caçada de Santíssima? O clero é dominado por homens preconceituosos que julgam tudo aquilo que não é do seu agrado. Disse uma mulher chamada Levianska, uma das mais velhas do vilarejo, com seus quase 50 anos teve uma vida de opressão por parte do pai e do marido, até que quando começou a Inquisição ela largou tudo para trás e foi seguir outras mulheres que assim como ela ansiavam pela liberdade.

_Não só com as mulheres, mas com tudo. Eu tenho um primo, que eu não vejo há muito tempo, segundo ele tem um homem, eu não sei ao certo o nome dele, se não me engano acho que é Leonardo ele mora em Florença, diz que ele é um gênio e que pesquisa as partes do corpo humano a partir de cadáveres, identificando ossos, estudando as peles. Diz meu primo que é um cara excepcional, mas que tem que manter seus estudos secretos, pois se não a igreja o mata, frequentemente ele é ameaçado por cardeais mais radicais. Disse uma outra mulher chamada Olívia, que tinha aproximadamente a idade de Gal Fiore.

_Eu já ouvi falar neste homem, é Leonardo Da Vinci o seu nome. Mas como a Levianska disse, tudo que não é do agrado eles caçam, eles destroem, estão tentando prender o mundo sobre a sua influência com ideologias ultrapassadas. Disse Gal Fiore, tentando se aquecer na fogueira.

_Eu só tenho a esperança de que um dia essa caçada vai terminar e eu estarei viva para ver a igreja pagar por toda essa opressão. Disse Olívia também se aproximando da fogueira.

_Depois de tanto tempo fugindo, eu já não sei mais se acredito nessa possibilidade. Respondeu Gal Fiore enquanto observava se levantar.

Levianska se afastou e olhou em volta e a única coisa que cercava o vilarejo era uma densa floresta que dava um tom sombrio, quase que assustador. Ela olhava para a floresta em volta e intrigada Gal Fiore perguntou:

_Você está bem Levianska?

_O tempo está mudando, eu sinto isso, não sei por quanto tempo mais vamos conseguir ficar escondidas aqui no vilarejo.

_Não fique com esses pensamentos ruins, pois eles atraem coisas ruins. Disse Gal Fiore fitando Levianska com os olhos e com um semblante que demonstrava desconfiança.

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O Padre Sebastian reuniu todos os soldados reais que estavam sob seu comando no meio da floresta e começou a dizer:

_Senhores, hoje estaremos entrando em um vilarejo tomado por bruxas, mulheres pagãs que desonram o nome do nosso Senhor Jesus, que desonram a igreja e os seus ensinamentos, pregando heresia e espalhando o caos para corromper as nossas famílias. Nesta noite nós vamos pegar todas essas bruxas e a levaremos para responder por seus crimes contra Cristo, não deixe que nenhuma escape, nesta noite todas elas queimaram na fogueira.

Os soldados então deram um grito e levantaram suas espadas gritando:

_Viva a igreja, viva a Cristo!

E começaram a caminhar, o vilarejo de Poznan ficava a menos de um quilômetro de onde eles estavam agrupados. Os soldados a passos rápidos começaram a caminhar rumo ao vilarejo com suas espadas em punho e vestidos com armaduras pesadas.

No Vilarejo Levianska era a única que estava do lado de fora, por já ser uma mulher mais velha, estava cansada de fugir e se perguntava até quando a perseguição da igreja iria durar. Até que ela começou a escutar um ruído vindo de dentro das árvores e esse ruído ficava cada vez mais forte, mas era difícil ver, já estava a noite e a única iluminação que o vilarejo tinha era o de velas penduradas do lado de fora das casas. Mas mesmo não conseguindo enxergar Levianska sabia muito bem o que aquele ruído significava, "a guarda real", pensou ela antes de começar a gritar:

_CORRAM! CORRAM! ELES NOS ENCONTRARAM, CORRAM!

Então de uma hora pra outra todas as mulheres começaram a sair de suas casas desesperadas, todas eram mulheres mal vestidas e algumas estavam até sujas, devido a terem que viver escondidas no meio de uma floresta.

Logo quando algumas mulheres começaram a fugir os soldados chegaram no vilarejo, arrombando portas, batendo em algumas que tentavam fugir mesmo com a presença deles.

Gal Fiore quando começou a perceber a movimentação, olhou pela janela de sua pequena casa, que nem móveis tinha, era apenas uma vela e uma escrivaninha, quando ela notou que realmente se tratava dos guardas, pôs se a caminhar para fora da sua casa sem nenhuma vela ou qualquer coisa, como ela morava mais afastadas das demais, era mais fácil para que ela fugisse. Ela sentiu um aperto no coração ao ver os guardas batendo nas mulheres com quem ela vivera tanto tempo e antes de entrar para dentro da floresta e desaparecer de perto do vilarejo ela viu Levianska levando pancadas na cabeça de um dos guardas, aparentemente ela estava discutindo com eles.

Gal Fiore percebendo que não tinha mais nada pra ela no vilarejo começou a correr entre as árvores, sem olhar para trás, a cada passo que ela dava mais a visão do vilarejo ficava distante. Até que ela viu um vulto na altura do seu rosto, ela nem soube identificar o que era, mas foi a ultima coisa que ela viu antes de cair desacordada no chão.

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A cabeça doía e seu corpo balançava, Gal Fiore nem ao menos sabia onde estava, acordou com a luz batendo em seu rosto e talvez seria melhor que continuasse dormindo, pois assim que acordou ela levantou assustada. Ela estava dentro de uma jaula sendo carregada por um cavalo, ela então começou a bater nas grades e um dos guardas reais com o cabo da espada deu uma pancada em seus dedos:

_Seu desgraçado! Bravejou ela.

_Cala a boca bruxa! Respondeu o guarda.

Gal Fiore ao perceber que depois de tanto tempo fugindo, não adiantou de nada ela tinha sido capturada e ao olhar ao redor viu muitas mulheres com quem ela conviveu durante certo tempo presas em outras grades. Levianska que também estava presa, não olhava para lado nenhum, apenas para o chão. Gal Fiore começou a sentir uma mistura de desespero e ódio. A vontade que ela tinha era de gritar, tentar força de algum jeito os guardas a libertarem ela, mas ao perceber que se aproximavam da cidade de Varsóvia, ela sentiu um forte frio na barriga e já sabia que a essa altura ela não teria mais que algumas horas de vida e então o sentimento de ódio foi totalmente tomado pelo desespero que a fez cair em lágrimas.

_Chora mesmo bruxa, o inferno lhe espera para toda a eternidade. Dizia o guarda que lhe deu uma pancada na mão.

Gal Fiore a essa altura já nem se importava mais com a provocação dos guardas.

Ao chegarem na cidade todas as bruxas foram levadas para praça pública onde toda a população da cidade estava. Os guardas tiraram uma a uma de suas jaulas e as amarraram. Gal Fiore ao ver a enorme pira que foi feita bem no centro da cidade, começou a chorar desesperada, e foi nesse momento que lentamente veio caminhando o padre Sebastian, as bruxas foram colocadas uma do lado da outra, algumas choravam, outras carregavam o ódio nos olhos e outras nem sequer expressavam alguma reação. Sebastian com seus cabelos loiros que refletiam a luz do sol, e seu rosto jovem não mostrava o quão impiedoso ele era. E bruxa a bruxa ele foi encarando. Até que ao passar por todas ele sorriu e começou a discursar para a população de Varsóvia que ali estava reunida:

_Nesta manhã vocês serão agraciados caros cidadãos, nesta manhã o serviço feito em nome de Deus será feito. Essas mulheres pagãs serão queimadas e mandadas direto para o inferno, sendo assim condenadas por viver uma vida de heresia e adoração satânica!

E assim que o padre terminou de dizer a população começou a ovacioná-lo. Até que revoltada com a cena Gal Fiore disse:

_Esse serviço não é feito em nome de Deus e sim em nome dos homens que usam o nome do senhor Jesus Cristo para cometer essas atrocidades e conseguirem manter a mente tranquila.

A população ao escutar o que Gal Fiore disse, parou de ovacionar o padre, e ele se sentiu ofendido pela "bruxa" chamar Jesus de senhor como se ela realmente o adorasse, então foi caminhando em direção a ela e deu um tapa na cara dela a derrubando no chão e gritou:

_COMO OUSA BRUXA?! CHAMAR O FILHO DE DEUS DE SENHOR?!

Ao terminar de exclamar ele começou a dar vários chutes sequenciados na barriga dela, gritando:

_VOCÊ VIVEU UMA VIDA DE HERESIA, DE PAGANISMO, DE SATANISMO E AGORA RESOLVE CHAMAR JESUS DE SENHOR?! BRUXA! TU QUEIMARÁS NO FOGO DO INFERNO!

Depois de chutá-la ele fez um sinal para que os guardas a levantasse e então ele assustou ao ver que ela estava sorrindo e disse:

_Eu não sou bruxa, sou cristã!

Ao escutar aquilo, o padre sentiu como se alguém tivesse enfiado uma faca em sua barriga e deu outro tapa na cara dela, deixando a população horrorizada. Ele até pensou em bater mais nela e fez um sinal para que um dos guardas a levantasse de novo e então ainda sorrindo

Gal Fiore disse:

_Eu peço para o MEU senhor Jesus Cristo neste momento, que você seja assombrado com este momento para o resto de sua vida!

O padre se assustou com a ousadia da bruxa e disse para um dos guardas sem tirar os olhos de Gal Fiore:

_Guarda ascenda a pira, essa daqui vai ser a primeira a ser jogada no fogo.

Então os guardas pegaram Gal Fiore e a colocaram amarrada no em cima da pira e então com três tochas eles ascenderam a lenha que começou a queimar. Gal Fiore sentiu sua pele derretendo, começou a ver seu corpo se queimando por completo, mas ela não deu sequer um grito, apenas ficou fitando Sebastian com os olhos e sorrindo.

Sebastian olhou aquela cena espantado, ele nunca tinha passado por nada parecido.

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Mais tarde Sebastian estava dentro da igreja matriz de Varsóvia, nos aposentos do padre, que eram aposentos até luxuosos para a época. Ele estava dormindo tranquilamente, até que ele sentiu uma sensação estranha, sentiu seu corpo quente, então se levantou com os olhos arregalados, ele tava assustado, passou a mão por todo o seu rosto, estava tudo estranho. Ele estava tendo um pesadelo, mas ele não conseguia se lembrar com o que. Ele respirou se acalmou e disse para si mesmo:

_Estou com sede.

Então se pôs de pé, calcou uma sandália vestindo um pijama branco e foi até a cozinha que ficava bem ao lado dos aposentos do bispo da cidade. Sebastian sempre levava as bruxas para a cidade mais próxima e era acolhido pelo bispo da cidade. Ao chegar na cozinha e ascender a vela para iluminar o lugar ele tomou um baita susto, ele não estava acreditando no que estava diante dos olhos dele. Ou ele ainda estava sonhando, ou estava ficando louco, diante dos olhos dele ele viu um homem igual a ele vestindo uma túnica marrom. O homem ao perceber a presença de Sebastian sorriu e disse:

_Você demorou padre!

Sebastian assustado segurou o crucifixo e perguntou gaguejando:

_Quem é você?!

O homem que estava com uma faca na mão e picando uma maçã (que era a fruta de Sebastian) disse:

_Você não acreditaria se eu disse!

Sebastian com medo de acordar bispo disse:

_Quem é você?! Por que está tudo embaçado aqui?!

O homem ainda sorrindo disse:

_Se acalme, você acabou de acordar, não se assuste. Você quer saber quem eu sou?! Eu sou você, só que um pouquinho diferente!

_Como assim você é eu? Isso é algum tipo de bruxaria? Perguntou Sebastian se afastando e claramente assustado.

_Sebastian, você é um padre muito devoto e eu respeito isso, mas você é um idiota, ou no caso, nós somos idiotas, já que eu e você somos a mesma pessoa. Disse o homem ironizando com o Sebastian.

_Como ousa me chamar de idiota?! Você é obra do demônio, está vindo aqui pra me perturbar, mas meu senho...

O homem que até então estava mantendo a tranquilidade se estressou e antes que Sebastian pudesse terminar sua frase o homem já estava na sua frente e apontando a faca para Sebastian disse:

_Padre, sente-se, por favor.

Sebastian percebendo que não tinha escolha, fez o que o homem disse. Assim que Sebastian se sentou o homem puxou uma cadeira e se sentou de frente para ele, pegou um pedaço de maçã e antes de colocar o mesmo na boca, disse:

_Hoje você vai morrer Sebastian, bem aqui, no coração de uma igreja.

Sebastian então assustado perguntou:

_E por que eu vou morrer?

_Por que essa é a vontade de Deus. Você sempre foi um padre devoto, sempre leu muito a bíblia, sempre estudou o que era pregado no Cristianismo, mas foi um tolo. Você acreditou nas palavras de padres desonestos e de um papa tão sujo como Rodrigo Bórgia para caçar e matar mulheres inocentes. Respondeu o homem sem expressar nenhuma reação olhando para Sebastian.

Sebastian nesse momento sentiu um forte frio na barriga, nunca pensou que fosse temer tanto a morte como estava temendo agora. Então ele argumentou:

_São homens instruídos fazendo um trabalho nobre em nome de Deus, estamos limpando o mundo dos hereges.

_Você não está limpando o mundo de coisa nenhuma, na verdade você está o sujando, manchando a imagem da igreja através da maior blasfêmia de todas já feita até hoje.

Sebastian estava achando aquilo tudo muito estranho, como poderia um homem ter a face dele e não pensar como ele. E foi nesse homem que o homem disse:

_Eu sei o que você está pensando... que isso é uma loucura, mas não é. Bom acho que já me prolonguei demais, é a hora de você morrer.

Então antes que Sebastian pudesse ter qualquer reação o homem já estava ao lado o puxando da cadeira e enfiando uma faca em sua barriga. Sebastian não conseguiu nem ao menos gritar. Mas foi nesse momento que uma coisa estranha aconteceu, depois do homem ter furado sua barriga, a cozinha dos aposentos do Clero na igreja de Varsóvia ficou escura e o homem desapareceu, era como se ele tivesse aberto os olhos agora, e antes que Sebastian caísse no chão morto, ele viu o bispo da cidade sair de seus aposentos assustado e horrorizado ele perguntou:

_O que você fez filho?!

Então Sebastian olhou para sua mão e viu que era ele mesmo quem estava com a faca na mão, a mulher que ele matara mais cedo o deixou tão perturbado que durante uma de suas crises de sonambulismo ele acabou se matando...