Dia cinzento
Sev era uma pacata cidade interiorana, uma cidade onde toda a população se conhecia e onde um deslize poderia lhe causar grandes transtornos. Em uma manhã cinzenta de quinta-feira a traquilidade que cercava todos os dias da cidade foi quebrada abruptamente. Homens vestindo roupas escuras e personalidade arrojada surgiram e causaram um grande alvoroço entre a população.
Eles não eram homens comuns. Com uma força descomunal destruíam carros, bicicletas e tudo o que encontrassem pelo caminho para demonstrarem sua superioridade. O caos se instalou em Sev. As pessoas abandonaram tudo o que estavam fazendo e começaram a correr desesperadamente movidos pelo louco desejo de sobrevivência.
Ed voltava para casa quando escutou os gritos ao longe e correu para ver o que estava acontecendo, no entanto, no meio do caminho, foi atingido por um forte golpe que nem ao menos soube de onde veio. Ele caiu estatelado no chão e sentiu sua visão ficar turva. "Como um golpe pode causar tanta dor?" Foi tudo o que conseguiu pensar antes de perder a consciência.
Acordou horas depois sentindo suas costas reclamarem com uma dor pulsante. Se levantou num ímpeto de força. Os gritos haviam parado e o silêncio absoluto reinava sobre a cidade. Sentiu seu estômago revirar, corpos estavam espalhados aos montes por toda a extensão que seus olhos podiam ver. Um nó se formou em sua garganta e ele disparou em meio aos corpos e a litros de sangue a procura dos pais.
Os encontrou debruçados no chão em frente a casa intacta, onde havia nascido e passado toda a sua vida. Se ajoelhou, seus olhos se encheram de lágrimas. Algo dentro dele havia mudado. Ed não conseguia sentir a dor de um filho ao perder os pais, sentia apenas um impulso animalesco crescer dentro de si. E sem que se desse conta estava debruçado sobre o corpo de sua mãe, suas mãos estavam repletas do sangue fresco que escorria de seu pescoço e sua boca denunciava o crime macabro que havia cometido.
Se levantou com um salto ao perceber a loucura que estava fazendo e levou as mãos na altura do olhos. "O que foi que eu fiz? O que está acontecendo comigo?" Um par de caninos cresceu em sua boca e um corte superficial se abriu em seu lábio.
"Oh meu Deus, não!" O desespero assumiu o controle sobre seu corpo. Olhou ao redor, para o que havia sobrado da cidade, para todos os seus amigos e família mortos. Ele havia se tornado parte daquilo que os destruiu, ele havia se transformado nos monstros que haviam assassinado sua família.
Não podia conviver com aquilo, não conseguiria conviver com aquela besta fera vivendo dentro de si. Pegou um pedaço do que sobrou de uma mesa de madeira. A ponta era extremamente afiada. Estendeu o braço a frente e perfurou o próprio peito com um único golpe. Grunhiu ao sentir a madeira rasgando sua carne até chegar ao coração.
Seu corpo tombou sobre o chão e ele sorriu por não ter que passar o restante de sua miserável vida com aquele peso sobre suas costas.