Nunca é tarde para se vingar
As lágrimas insistiam em cair do seu rosto maltratado pelo tempo. Algo estava preso na garganta, e as mãos apertavam um porta-retratos com bastante força. Além disso,o coração estava em pedaços, e a vontade de não existir mais no universo era constante.
A dor de perder um filho nunca passava. Depois de uma discussão, Sérgiocom dezoito anos, fugiu e nunca mais voltou para casa. Isto já se fazia um ano. Mesmo assim, Vanda, uma mulher de quarenta e dois anos, ainda tinha lembranças vivas de seu filho.
Sérgio não era tímido, pelo o contrário, ele espalhava alegria por onde passava. Vanda o amava muito e o criou sozinha. O pai dele morreu em um acidente de carro quando o filho nasceu, mas deixou alguns bens, como casas e carros para a mulher.
Vanda arrumou alguns namorados, mas nada sério. Quando Sérgio completou quinze anos de idade, sua mãe decidiu colocar um homem na casa. Este homem chamava-se Evaristo. Ele era um sujeito muito nervoso e ciumento. Odiava que sua mulher vestisse roupas curtas.
As brigas começaram a ser constantes na casa. Evaristo detestava ver o enteado ser fazer nada. Sempre que podia, mandava o garoto fazer alguma coisa. Vanda ficava um pouco em graça com a situação, mas não queria criar mais confusões.
As coisas ficaram piores quando Evaristo descobriu que Sérgio não gostava de mulheres. Isto aconteceu em um dia que o padrasto foi no colégio levar um livro que o enteado precisava para realizar uma prova (pedido realizado por Vanda). O garoto estava de mãos dadas com outro entrando para umas das salas de aula.
Não teve jeito. O segredo foi revelado a Vanda. Ela ficou muito triste com a confissão do filho. Mas não bateu e nem falou mal dele. Só que Evaristo não aguentou aquilo. Alegou que os amigos iam ridicularizá-lo, e não pensou duas vezes quando pegou o cinturão. Trancou a porta do enteado e deu um soco na cara dele. Depois rasgou a camiseta branca e o colocou de costas na cama. Em poucos segundos, só se ouvia estalos do cinturão na pele do pobre garoto.
A mãe queria entrar de qualquer jeito e chorava a cada estalo. E Evaristo não se sentia culpado. Ele estava se sentindo liberto por fazer aquilo e dizia a todo o momento:
— Você vai aprender a virar homem, moleque.
Após o ocorrido, Evaristo saiu do quarto e Vanda entrou para abraçar o filho. Ele a olhava com desprezo. E as costas dele estavam sangrando.
— Eu odeio a senhora por deixá-lo bater em mim. — disse, chorando.
— Desculpe, meu filho. Eu não consegui impedi-lo. — informou ela, com as mãos no rosto dele.
— Fique longe de mim!
Ela levantou-se assustada, com as mãos tremendo.
— Eu vou pegar uns remédios para você...
Ela saiu do quarto. Sérgio aproveitou para trancar a porta. Pegou uma mochila, colocou uma bermuda e uma camiseta, e pulou a janela.
Ele correu com bastante velocidade. Não queria olhar para trás e nem se lembrar de que um dia fez parte daquela família.
Vanda entrou no quarto e não viu o filho, mas a janela estava aberta e a mochila não se encontrava em cima da cama, como sempre. Evaristo falou para a mulher que iria ficar tudo bem. Foi então que ele resolveu procurar pelo o garoto.
A má vontade era muita, mas falou com algumas pessoas pelo o bairro e com alguns clientes de estabelecimentos. Mas ninguém tinha visto garoto nenhum.
A polícia já tinha sido acionada, e cartazes com a foto do rapaz já haviam sido espalhadas pela cidade.
Com o sumiço do garoto, Vanda ficou transtornada. Ficava até tarde sem dormir, na esperança que o filho entrasse pela porta da sala. E Evaristo ficou enlouquecido com as atitudes da mulher. Ele resolveu sair com outras mulheres e voltar com os vícios, como fumar cigarros e beber bebidas alcoólicas.
Quando fez um mês de desaparecimento de Sérgio, Evaristo arrumou uma enrolada em outra cidade. Os dois já haviam se encontrado várias vezes. O nome dela era Janete. Ela sonhava com o dia em que passaria a ser esposa, mas os homens só sabiam fazer promessas. Um deles era o próprio Evaristo. Ele dizia que logo se separaria. E Vanda nem desconfiava que o marido fosse à cidade vizinha só para encontrar com esta mulher. Ele mentia, dizendo que havia arrumado alguns bicos.
Em uma dessas visitas na casa da amante, Evaristo viu um rapaz andando sozinho em uma rua. Ele parecia ser o Sérgio. Então resolveu seguir o garoto.
Sérgio havia entrado em uma pequena casa. E Evaristo bateu na porta, com bastante raiva. O rapaz o atendeu. Era mesmo o Sérgio, só que ele estava mais gordinho, e o cabelo loiro estava mais curto.
Sérgio tentou fechar a porta, mas Evaristo colocou o pé na porta e conseguiu entrar. Quando entrou, o rapaz tentou gritar, mas o padrasto deu um soco nele e chutou cinco vezes a barriga dele. Ao ver ele caído no chão, foi até a cozinha e pegou um facão.
Apontou o facão para o pescoço de Sérgio.
— Você arruinou o meu casamento, moleque! A sua mãe está ficando louca e me deixando louco! — disse, com os dentes cerrados.
— Por favor, não faça nada comigo. Eu prometo voltar. — declarou, sentindo muita dor na barriga.
— Eu não quero que você volte, entendeu? Eu quero te ver morto!
A cada palavra “morto” que ele falava, era uma facada no peito de Sérgio. O sangue pulava no rosto do assassino de maneira assustadora. No total, foram vinte e sete facadas.
Quando terminou de esfaqueá-lo, tirou o suor do rosto na camisa com gotas de sangue. Em seguida, pegou o enteado no colo e o levou para dentro do carro, juntamente com o facão. Depois saiu em alta velocidade do local. Meia hora depois, o namorado de Sérgio chegou em casa e se apavorou ao ver o sangue pela sala, e chamou a polícia imediatamente.
Evaristo entrou em uma estradinha de chão perto da cidade. O caminho dava até um rio, que era bastante frequentado nos finais de semana.
Evaristo tirou Sérgio dos ombros e o jogou na areia. Arrancou todas as vestes daquele jovem. Pegou o facão e furou todo o corpo dele. A seguir, começou a cortar cada membro. Por fim, o corpo do rapaz estava em pedaços, parecia até um quebra-cabeça, mas em forma humana.
Sérgio tinha olhos lindos, como dizia a mãe. Eram verdes bem claros. Evaristo lembrou-se disso e fez questão de furá-los com a ponta do facão. Adiante, ele jogou os membros pelo rio. A correnteza estava muito forte e levou cada pedaço de carne totalmente maltratado por aquele homem.
Evaristo lavou as mãos, tirou a roupa suja de sangue, e vestiu a roupa de Sérgio. Assim, não provocaria suspeitas. E as roupas também foram jogadas na água do rio.
Ele voltou para casa como se nada estivesse acontecido. Vanda estava em choque. Não conseguia mais comer e seus cabelos estavam despenteados a todo o momento. O marido já calculava que logo ela ficaria louca de vez.
— Querido, você encontrou o meu filho? — perguntou, ao ver o marido chegando de viagem.
— Não encontrei, querida. Mas vamos continuar procurando...
— Tem certeza? Eu estou sentindo o cheiro dele em você. — declarou, apalpando o peitoral dele. — É ele que não quer voltar? Me diz!
— Eu não encontrei o seu filho! E vá pentear essa droga de cabelo!— disse ele, irritado, subindo a escada.
Vanda já estava se sentindo louca pelo o fato de ter sentido o cheiro do filho no marido. O que estava acontecendo? Ela não podia ficar assim mais. Mas a saudade era muito grande em seu peito.
Quando o marido ficava tarde na rua, ela ia para o quarto do filho e abraçava a sua foto. Em outros momentos, observava a letra no caderno dele. Era uma letra bem redondinha. E ele também era bem organizado com as suas coisas. Não deixava nada fora do lugar.
Ao longo dos dias, ela começou a ver o Sérgio pela casa. Ele estava com uma roupa normal, mas o seu corpo era bastante transparente. Ele não dizia nada, apenas a olhava. E esse olhar parecia ser de pena.
Um dia desses, ela tentou falar disso ao marido, enquanto ele comia.
— Eu o vi aqui em casa... Ele voltou! Você já o viu?
— Quem voltou?
— O meu filho. Ele está lindo, Evaristo. Só achei estranho o fato de ele ficar apenas me olhando, não diz nada. Será que ainda está com raiva de nós dois?
Evaristo riu.
— Ele não voltou, querida. Na certa, deve estar namorando por aí e rindo da nossa cara.
— Não seja ridículo! O meu Sérgio voltou e está aí! — falou Vanda, olhando para o filho que apareceu logo atrás do marido dela.
— Onde está? Pode me mostrar, então? Eu quero dar um abraço nesse garoto. — declarou, levantando-se da cadeira.
A mulher não viu mais a imagem do garoto.
— Ele deve ter ido para o quarto. Você o assustou.
Ele riu mais uma vez.
— Ok. Vou lá chamá-lo para jantar.
Evaristo foi até o quarto e soltou uma risada. Em seguida, voltou até a cozinha e disse a mulher:
— O quarto está vazio! Ele não voltou, querida! Esquece isso... Ok?
— Ele não gosta de você, por isso está se escondendo.
— Não diga bobagens... Você está louca!
— Eu não estou louca! — falou, dando pequenos socos no
peitoral dele.
Ele segurou os braços dela e a encarou.
— Entende logo de uma vez que o seu filho não vai voltar!
— Não... — disse Vanda, caindo sentada na cadeira. — Eu não acredito nisso. Você está mentindo.
Evaristo foi para o quarto, ficou pensativo e resolveu fazer uma ligação. Após alguns minutos, bateram na porta. Vanda estava na cozinha, ainda tentando entender o motivo de o marido ter falado aquilo. Ela não queria acreditar em hipótese alguma que o filho não iria voltar para aquela casa.
— Boa noite! Onde está a paciente?— questionou um dos três enfermeiros vestidos com jaleco branco. O emblema do mesmo anunciava: Hospital Psiquiátrico Boa Esperança.
Evaristo os encaminhou até a cozinha. Vanda ficou assustada e perguntou:
— Quem são eles?
— Querida, fique calma, eles vão te ajudar. — declarou Evaristo.
— Não se aproximem de mim. — olhou para trás — Sérgio, eles querem me fazer mal. Não deixe, meu filho.
Os enfermeiros se aproximaram e a pegaram. Ela tentou sair deles, gritando:
— Me soltem! O que vão fazer comigo?
Um dos enfermeiros aplicou uma seringa nela. Aos poucos, a sua voz ficou mole, e Evaristo disse:
— Vai ficar tudo bem, querida. Eles vão te ajudar.
Os enfermeiros a levaram, e o marido já foi logo pegando uma cerveja para comemorar. Em seguida, deitou-se no sofá.
— Ainda bem que eu me livrei dessa louca! Agora tudo aqui é meu! — deu uma risada — O Sérgio nunca vai voltar, querida. Porque ele morreu! — e continuou rindo — Ele morreu e para sempre! Isto merece até um brinde! — e levantou a cerveja para o alto. De repente, ela se quebrou toda, derramando todo o líquido na camisa dele.
Ele ficou assustado e levantou-se do sofá.
— O que foi isso?
Ele sentiu uma mão no ombro e virou-se para trás. Quase deu um pulo por causa do susto que havia levado. Era o Sérgio em sua frente com a cabeça virada para o outro lado.
Evaristo ficou tremendo de medo e se afastou. Com a mão, Sérgio virou a cabeça em seu pescoço e olhou para o padrasto.
— Olá, Evaristo! Eu voltei!
Evaristo deu um grito, e tudo se escureceu.
Tema: Família
Total de palavras: 1919
Total de palavras: 1919
Caro participante, deixe seu comentário nesse texto já com a nota destinada. Lembrando que o comentário só será visualizado ao final do desafio, no ato da divulgação do resultado final.
Para saber como participar do desafio clique aqui
Clique Aqui para acessar o 10° conto do DTRL30 "Ninho das Pedras"
Clique Aqui para acessar o 12° conto do DTRL30 " Catalepsia"
Para saber como participar do desafio clique aqui
Clique Aqui para acessar o 10° conto do DTRL30 "Ninho das Pedras"
Clique Aqui para acessar o 12° conto do DTRL30 " Catalepsia"