A DAMA DA ESTRADA

I

Tinha algo de estranho no ar. Primeiro eu vi - numa fração de segundos - uma poeira esverdeada passando, e de repente fui obrigado a fechar os olhos com força, num ardor terrível. O coração batia forte e mesmo que minha mente não pudesse dizer nada a respeito do que estava acontecendo, meu corpo inteiro sentia que algo muito horrível estava acontecendo. Ao meu lado estava ela... a estranha sem nome.

Logo ao anoitecer entrei numa taverna perto de uma estrada escura. Era um forasteiro e todos me olharam. O alaúde silenciou-se por alguns minutos. Acredito que após uma boa olhada em minha pessoa, concluíram que não oferecia ameaças, e continuaram então a beber e cantar, muito animados.

II

Eram homens barbudos, grotescos, desarrumados, sujos... muito sujos e sem educação! O que difere dos homens de minha terra. E as mulheres se igualavam a eles com suas vestes rasgadas, cintas-ligas desamarradas, vestes imundas. E toda a aquela tamanha imoralidade... esfregando-se como animais. Apenas uma estava ali sozinha num canto. A única que era bela.

Bebi por algum tempo, sem olhar o relógio, pensando em me aproximar. Na verdade, me enchia de coragem para sentar ao seu lado, mas não consegui. Talvez com mais tempo conseguisse, porém, a bela mocinha se levantou impaciente, batendo seus saltos com força no chão - com seus olhos focados nos meus - veio em minha direção rapidamente. Hoje percebo que deveria ter me questionado... por que a menina mais bonita estava completamente ignorada e sozinha? Deveria mesmo ter me perguntado.

Ela era forte. Magra, mas forte. Branca... na verdade, pálida, muito pálida. Seus olhos e cabelos eram pretos e contrastavam muito com todo o branco que restava. Ao contrário das outras mulheres do local, não usava peruca, mas sim um cabelo selvagem e escorrido que quase tocava seus quadris. Seu vestido era preto, parecendo ser viúva, um dos motivos que me levaram ao receio de cortejá-la.

Chegando até mim, tentei ser educado, oferecendo alguns mimos, mas a moça estava agitada... parecia impaciente e até mesmo irritada comigo. Agia como se nos conhecêssemos e como se eu estivesse atrasado para ter com ela.

Sem dizer uma palavra tomou minha mão e me puxou para fora da taverna. Fazia muito frio e eu estava exausto e um pouco embriagado. Anestesiado na verdade... deixando tudo acontecer sem protestos. Porém não serei hipócrita. Me deixei ser guiado, porque estava totalmente atraído por ela. E muito curioso também.

Parando de frente para a estrada escura, ela pareceu se acalmar e me olhou com um sorriso terno. Pegou meu braço como se fossemos já um casal de longa data e em passos pequenos fomos andando. Eu não sabia o que sentir. Estava feliz por estar com ela e ao mesmo tempo olhava ao meu redor o tempo inteiro... vendo apenas um imenso mar de arvores gigantes dentro de uma mata totalmente fechada e escura.

III

Chegamos então no que parecia ser o final da estrada. E confirmando meu receio... a estrada não dava em lugar algum. Um monte de árvores derrubadas com troncos impossíveis de escalar ou de mover, criando uma gigante barreira em que nenhum humano poderia passar. Eu estava preocupado, tenso... mas olhei novamente para ela e estava coberta de satisfação. Seus olhos brilhavam e sorria. O sorriso mais lindo do mundo.

Tentei questionar e entender seus motivos e já era hora de entender porque tinha sido guiado até ali. Porém o que recebi foi apenas um beijo. E este beijo me assombra até hoje, tantos anos depois. Foi ao tocar seus lábios que descobri que não havia vida naquela mulher. E no mesmo momento que toquei seus lábios, minha mente passou a trabalhar rapidamente. Logo visualizei a taberna e entendi porque todos – MENOS EU - a ignoravam.

Ela não existia!

Quando abri os olhos, meu espanto e terror me fizeram dar vários passos para trás até cair em sua frente. E então o demônio mostrou sua total satisfação. Estava contente por ter me guiado até o desconhecido onde ninguém pudesse me socorrer ou escutar meus gritos.

Seus olhos se encheram de um vermelho que escorreu como lágrimas de sangues em suas bochechas brancas. Um sorriso constante e assustador tomou seu rosto. Acreditei que minha morte era inevitável e que não me restava mais nada, se não orar para que Deus guiasse meu espírito, na vida após a morte. Fechei os olhos, orei, e me perdi no tempo.

IV

Não sei por quanto tempo passou. Mas sei que quando acordei estava numa carruagem, deitado e começava a amanhecer. Um fazendeiro me levou para sua casa e chegando lá dormi por quase dois dias seguidos em seu celeiro. Ao acordar, fui alimentado por sua esposa e comi na mesa junto a sua família. Com ajuda daqueles novos e abençoados amigos fui recuperando minha saúde e me livrando do horror que me assombrava.

Um dia antes de partir, sentei com ele e lhe contei tudo que vi e passei... e porque me encontrava desfalecido na estrada. Ele acreditou na história e me entregou um crucifixo de ouro para me acompanhar na viagem de volta para casa.

- É tudo que tenho... – me disse sorrindo.

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Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 11/02/2017
Reeditado em 14/02/2017
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