A VAMPIRA DE RED RIVER

PARTE I

“Assim está bom? ”... “Perfeita. Melhor impossível”.

I

Era uma loirinha muito sem sal... tinha o rosto de uma boneca e uma pele dourada, linda. Mas era magra demais. Magra de um jeito estranho e corcunda. Desajeitada. Parecia estar sempre doente.

Eram quase sete horas da noite... o Red River ainda estava vazio. Os empregados dos bares arrumavam as mesas e a baiana de acarajé nem tinha chegado. Haviam dois policiais parados conversando distraidamente. Não estavam ali tomando conta de nada... não estavam protegendo ninguém.

Riva estava sentada num banco, olhando fixamente para o outro lado da rua. Algo acontecia tão rápido que ela nem pôde se mexer. Um garoto negro, muito magro, mas musculoso e muito alto... se encostou numa velha senhora que passava. Arrancou sua bolsa com violência, de modo que ela quase caiu. A velhinha apertava o ombro dolorido com a mão enquanto o garoto sumia pela praia escura.

Riva olhou os policiais ali parados e pensou em fazer um escândalo. Revoltada, dar uns berros naqueles incompetentes. Ou fazer o tipo educada, numa abordagem de “não sei se vocês viram o que vi...”. Mas no final das contas ela ficou parada, pois esse era o seu Modus Operandi... evitar conflitos, sempre.

II

Uma hora se passou, e agora todas as mesas, cadeiras e bancos estavam cheios. Riva continuava esperando. Conhecera um garoto na internet, num site de encontros. Ele consertava notebooks e gostava de super-heróis. Parecia ser o tipo de homem que raramente se arriscava. Riva não curtia caras perigosos, cheios de vida. Na verdade, o garoto parecia o tipo de rapaz que nem saía muito de casa. Do tipo que prefere as maratonas da Netflix do que uma maratona do tipo que em se usam as duas pernas.

Mas já tinham passado trinta minutos do horário marcado e nada do rapaz.

- Me dá uma licencinha? – Disse uma voz doce.

Era uma mulher linda. Linda daquele jeito que a gente olha e se perde... do tipo que a gente não consegue parar de olhar. Riva também gostava de garotas. Sentiu seu rosto ficar extremamente quente. Com toda certeza suas bochechas estavam ficando vermelhas também. Havia muito espaço ali e Riva não entendeu o que a moça queria.

- Quer que eu saia?

- Nããão... apenas levante os pezinhos... rapidinho! Tem uma joaninha ali, ó... você ia pisar nela, tá vendo? Linda, não é?

- Assim está bom? – Perguntou Riva, encolhendo os pés em cima do banco.

- Perfeita. Melhor impossível. – Disse a fotografa.

Riva sorriu ajeitando os cabelos após encolher seus pés em cima do banco. Tinha tanta vergonha que queria sair correndo dali.

- Você... você é fotografa de insetos? – Perguntou timidamente... sua voz quase não saiu.

- Eu tiro foto do que acho bonito. – Ela disse sorrindo, e sem aviso tirou uma foto de Riva.

- Ei. O que você fez? – Riva passava a mão nos cabelos e seu rosto estava extremamente vermelho.

A moça continuou fotografando a tudo e todos como se não tivesse nem escutado a exclamação indignada de Riva.

- Você é muito bonita... eu não podia deixar passar... – Ela disse distraidamente.

Riva sorriu.

- Eu moro aqui perto... quer tirar umas fotos... e... tomar um vinho? Meu nome é Elis.

- Você é bem direta, Elis.

- Hehehe... Não tenho tempo a perder... você tem?

De repente Riva se sentiu incrivelmente à vontade com aquela mulher. De um jeito que nunca se sentira com ninguém, principalmente com uma pessoa que acabara de conhecer... e que a atraía tanto.

III

- Eu não mordo. – Ela disse, e Riva sorriu novamente... então elas caminharam, subindo uma ladeira numa rua escura. Até que chegaram a um edifício antigo.

Riva ficou parada com os pés descalços em cima de um tapete escrito “boas vindas”. E de repente parecia ser muito difícil dar o próximo passo.

- Meus Deus... isso tudo é seu?!

- São apenas pisos, tetos e paredes...

Era um apartamento estúdio muito grande. Havia uma cama gigante no canto, uma decoração repleta de quadros sinistros e vasos que pareciam ter mil décadas. Tudo parecia ser extremamente caro. Não haviam divisões, mas havia tamanha distância entre as coisas, que paredes não faziam diferença. Haviam esculturas de vidro. A cozinha era daquelas que Riva via em programas de culinária e no meio da sala havia uma escultura de uma virgem rodeada de... anjos? Não. Não eram anjos. Eram diabinhos alados.

A misteriosa Elis pegou Riva pelas duas mãos com carinho e a puxou. Riva parecia hipnotizada com aquele cenário. Mas, Elis parecia não se importar... ou parecia que já tinha passado por isso várias vezes e já esperasse aquele tipo de reação.

- Sente aqui... – Era uma poltrona vermelha e bem acolchoada e pequena. Mas não existia lugar em que Riva parecesse apertada.

- É aqui que você quer tirar as fotos?

Elis assentiu com a cabeça.

- Sim, mas antes, eu vou buscar meu equipamento... você pode segurar isso pra mim? Não posso perde-lo.

Era uma bola. Uma esfera de vidro. Dentro dela havia uma luz azul cintilante que ia e voltava. Riva pôs o objeto no colo sem reclamar. Queria que Elis ao menos explicasse o que era... mas ficou insegura de perguntar... e se Elis pensasse que ela não queria segurá-la? Mais uma vez seu Modus Operandi de se afrouxar diante de qualquer motivo de debate tomou conta da situação. De repente Riva se lembrou do garoto... o cara que consertava notebooks. “Ele deve ter aparecido, não me viu e foi embora...”. Quando eu olhar o celular, terão milhares de ligações. E mensagens... puto da vida. Meu Deus...”.

Mais uma vez encarou a bola... a luz que ia e vinha. Ela parecia emitir um certo... “calor? ”. Ela parecia... “respirar? ”. Riva sentiu que não podia parar de encará-la.

Seus olhos ficaram pesados. Ela queria muito dormir. Mas obviamente não podia. Estava na casa de uma estranha. Uma belíssima estranha... e parecia que tinha tirado a sorte grande. Pois parecia muito que ela iria dormir com aquela mulher ABSURDAMENTE linda.

IV

Riva abriu os olhos... e havia... branco. Branco em todas as paredes.

- Elis... – balbuciou...

Duas pessoas se aproximaram de seu rosto. Suas bocas estavam cobertas e tinham tocas na cabeça.

- Você está no hospital... pode seguir esta luz com os olhos? Óóótimo...

- Elis...

- Você perdeu muito sangue, fizemos uma transfusão. Se não tivesse chegado logo... não daria tempo. Elis é sua mãe? Amiga? Parente?

Riva sentiu o mundo girar naquele momento. Sentia várias coisas... sentia-se idiota. Sentia-se como uma vítima de estupro. Ou sabe-se lá o que aquela mulher lhe fez... sangue? “Eu perdi sangue?!”... “O que Elis fez com comigo?!”.

V

No dia seguinte uma mulher apareceu. Era baixinha e usava uns óculos de grau com aros vermelhos. Parecia a Velma dos desenhos do Scooby Doo e Riva quase deu risada. Mas ainda estava muito fraca. Não sabia muito bem se estava fraca pelo que houve com seu sangue... ou se estava... “triste? ”.

- Sou Cathy, a psiquiatra da casa. Como você se sente hoje?

- Bem... acho.

Riva estava completamente retraída.

- Imagino como você esteja se sentindo. Quando um psiquiatra aparece no quarto... a gente já pensa: “alguém está pensando que eu sou louca. ”. Mas não é nada disso, Riva.

- Foi bom você dizer logo isso... – Riva respondeu, com uma voz quase inaudível, mas olhando a mulher nos olhos, coisa que não era fácil pra ela.

Calmamente a mulher puxou uma cadeira e se sentou ao lado da cama. Segurava uma prancheta com um bloco de anotações ainda em branco. Mas não parecia estar interessada em anotar... tanto que pôs a prancheta em cima da cama ao lado dos pés de Riva. Deu um longo suspiro.

- Você parece ter sido mais uma vítima do caso do “Vampiro de Red River”... – ela disse, calmamente. – E eu precisei vir aqui... dar uma olhada em você, sabe... antes de permitir que os policiais venham e façam suas perguntas.

- VAMPIRO DE RED RIVER?

- Sim... você é a quinta pessoa em seis meses. As pessoas aparecem abandonadas na rua... abandonadas para morrer... o sangue é drenado, sabe-se lá como. Er... bem... veja... há dois buracos em seu pescoço. Consegue tocá-los?

Riva levantou a mão - com enorme dificuldade - e pôs no local. Estava sensível e dolorido. Sentiu-se violada... e finalmente começou a chorar.

- Não era um homem... era uma mulher...

- UMA MULHER?

- Sim... uma linda mulher... talvez eles a encontrem... se procurarem por uma mulher linda... branca, cabelos pretos, olhos grandes, enormes... pretos. Ela é tão bonita que chama muita atenção.

De repente a prancheta pareceu se tornar imprescindível. A mulher pôs-se a anotar tudo com muita rapidez.

- Mais alguma coisa?

- Ela me levou a um apartamento enorme... em Red River. Mas... eu não consigo me lembrar do caminho. Se dizia fotografa, mas talvez ela nem seja... acho que ela me hipnotizou.

A doutora levantou os olhos por cima dos óculos com um semblante incrédulo. Parecia que o papo sobre vampiros tinha atiçado a imaginação fértil de uma menina sonhadora. Mas Riva estava muito séria e parecia sincera. Mesmo que não fosse verdade o que ela dizia... ao menos ela ACREDITAVA que fosse verdade.

- Ela me deu uma bola... parecia uma bola de cristal. Mas tinha algo dentro. Uma luz azul que ficava hora mais forte, hora mais fraca. E a última coisa que me recordo é de ficar sentada numa cadeira, encarando a bola... enquanto a esperava voltar.

A doutora escrevia tudo com muita rapidez. Não queria deixar nada pra trás.

- Você tem que contar isso para a polícia, Riva. Com todos os detalhes, assim como me contou, ok?

- Tudo bem... – Ela respondeu, tentando sorrir. – Mas sentia-se muito... muito cansada.

Na manhã seguinte, Riva estava morta.

 

(Continua)

blograstejante.blogspot.com.br

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 07/02/2017
Reeditado em 14/02/2017
Código do texto: T5904836
Classificação de conteúdo: seguro