A Luz do Campo

Naquela planície do Rio Paraíba, na cidade de Resende, no sul do estado do Rio de Janeiro, bem ali no pé da serra, cercada de morros verdes, começou a se formar uma vila. Primeiro, entre o rio e o lugarejo foi construída uma linha férrea, onde hoje passa o trem cargueiro. Mais atualmente construíram a rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo. No começo, alguns poucos moradores se iniciaram ali. Primeiro os trabalhadores de uma fazenda produtora de tomates. Chamava-se Ribeirão das Pedras. Os donos eram imigrantes japoneses. E desde então uma luz sobrenatural começou a se incomodar com a presença de cada vez mais gente nesse lugar. Era uma força demoníaca que ficou conhecida como a luz do campo. Hoje esse lugar chama-se São Caetano, e depois de décadas sem perturbar ninguém, há indícios de que o tal demônio está voltando.

Há um pouco mais de 50 anos, poucas famílias ali instaladas viviam em harmonia. Eram vizinhos solidários; descendentes de portugueses e italianos. Havia um boato de que tal terra era assombrada. E que depois do anoitecer devia-se tomar cuidado em dobro. Um demônio chamado Luz do Campo vigiava as redondezas, tentando expulsar do seu caminho quem decidisse se instalar em suas terras. Algumas especulações se faziam para entender o que era aquele fantasma tão aterrorizante. Diziam se tratar de um fazendeiro que tinha seu ouro e riqueza enterrada sob aquele chão, e ele teria sido morto por seus escravos. Agora vivia a vagar feito alma penada e a cuidar da sua riqueza mesmo depois de morto.

Era uma sexta-feira, e já havia anoitecido há algum tempo. O filho mais velho de uma das famílias chegava de mais um dia de trabalho. Cansado, demorou a perceber que um filhote de cachorro o seguia. Era um cachorro vira-lata. Ele tentou tocá-lo, e o cãozinho ameaçou ir embora, mas logo retornou a segui-lo. Porém, agora, talvez em um delírio de cansaço, era um cachorro um pouco maior. Ele continuou a andar, e o cachorro insistindo em ir atrás dele. Estranhou que o cachorro ficava cada vez maior. Acelerou o passo, e o animal continuava a crescer. Começou a correr, e o bicho engrandecia mais e mais. Chegou a porta de sua casa desesperado gritando para que a abrissem. Quando a porta se abriu o cachorro desapareceu feito fumaça, deixando o coração do jovem rapaz disparado e apertado. Uma aura de maldição rondava aquela casa.

A matriarca da família ouviu seu filho, e sabia que ele falava a verdade. Ela também havia testemunhado algo estranho em uma noite anterior. O sol estava indo embora aos poucos e a penumbra começava a se formar. Ela tomou seus goles de cachaça do dia e quando foi estender a roupa no varal avistou a uns dois quilômetros dali, detrás de um morro, uma luz; uma luz parecida com uma lua de sangue, uma bola de fogo gigante, que se aproximava aos poucos. Acuada, ela parou naquele momento de estender as roupas e entrou para a casa. Ficou avistando aquele fenômeno através da janela. Tentava decifrar do que se tratava aquilo... e quando sussurrou para si mesma que era a lendária luz do campo, aquela bola de fogo se aproximou de uma vez, em um milésimo de segundo, fazendo com que ela se assustasse, se desequilibrasse e fechasse a janela rapidamente. O povo tinha razão, aquela era uma região habitada por demônios. Não eram apenas boatos. Era verdade.

Nesse mesmo momento, um grito desesperado veio da cozinha. Uma das filhas dela ajeitava a lenha do fogão, quando uma aranha a picou. A mão ficou inchada e roxa na hora. O braço todo ficou dormente, e iniciou-se imediatamente um quadro de febre. A mãe a levou para o quarto e pediu que ela descansasse. Não sabia o que fazer. A moça começou a delirar. Quando sua mãe saiu para chamar o pai que trabalhava em uma olaria; ela viu de perto a tal Luz do Campo, que se aproximou de sua janela e ficou a observá-la. Dividia-se em duas bolas de fogo e ficava ali flutuando encarando a jovem que delirava, como se risse dela. O pai e a mãe chegaram, e a luz foi embora. O pai dela queria achar a aranha que a picou. A mãe não entendia o porquê disse. Mas ele a procurou por uns bons minutos até encontrá-la. Matou o inseto, espremeu todo o seu pus e pôs na ferida, esfregando onde tinha sido a picada. O braço, antes dormente, começou a melhorar imediatamente. Parecia milagre. Ela, então, parou de delirar, mas tinha certeza de ter visto a luz do campo a vigiá-la.

Por dias a tal luz não apareceu mais. Até que em uma noite de verão, as crianças brincavam na rua, quando viram detrás de um morro surgir a tal luz. Todas se apavoraram. E, ela se aproximou rapidamente. Fazendo com que todas entrassem para dentro da primeira casa que acharam. A princípio o dono da casa achou que fosse coisa de criança, mas sentiu a presença de uma energia negativa. Ele, então, percebeu que ela não entraria na casa se não fosse convidada. E assim começaram a estudar o comportamento daquele ser maligno.

Um novo morador do bairro ficou sabendo da história da assombração que vinha perturbando a vida dos moradores. O que ninguém esperava é que ele já tivesse o costume de falar com seres de outros mundos. Ficou, então, todo mundo no aguardo da luz campo reaparecer. O bairro tinha algumas poucas casas bem espalhadas. Boa parte dos terrenos era mato e valas. Ali as famílias criavam porcos, galinhas e carneiros, uma ou outra vaca e cavalos; de onde tiravam um pouco de subsistência com os ovos, carnes e leite. As crianças brincavam de pular valeta e subiam em árvores para comer jamelão ou seriguela. Era um pasto grande, cerceado por morros baixos. E era uma parte desse pasto que começaram a chamar de campo, pois era de lá que saía a tal luz.

Já havia anoitecido e algumas crianças continuavam brincando na rua. Quando uma delas deu um grito apavorado. Era a luz do campo que apareceu e aderiu a forma de fogo, se dividindo em duas e levitava no ar. As crianças correram e se esconderam no primeiro lugar que acharam. O morador recém-chegado, então, chamou o demônio para conversar. E o espírito o atendeu prontamente. Conversaram por alguns minutos. Isso se repetiu por algumas vezes. Até que ele pediu ao demônio que não voltasse mais e deixasse todo mundo em paz. E, então, a luz voltou para atrás do morro de onde saía.

Mesmo assim, em um dia qualquer, pela manhã, alguns homens decidiram andar pelo campo. Buscavam entender o que aquela luz desejava e se machucaria alguém. Depois de andar por algumas horas, subiram os morros e continuaram a vasculhar a área. Já estavam cansados e meio tontos de tanto andar sob o sol, quando acharam uma fazenda no meio do nada. A arquitetura da casa sede era das fazendas de café do século XIX, com janelas grandes e azuis. Mais tarde ficou conhecida como fazenda do banco, pois era uma fazenda decadente que foi tomada em hipoteca por um banco. Os leigos achavam que era por causa de um banco que ficava rente ao muro do terreiro. Os homens entraram ali e começaram a explorar o local, quando barulhos de correntes veio do porão. Todos empalideceram e sentiram o sangue gelar. Acharam por bem sair dali. Nenhum demonstrou medo, até ouvir também gritos e gemidos. Todos saíram correndo. Depois do susto e da respiração ofegante acharam por bem ir até o rio Santa Maria ali perto para tomarem um banho; o rio, na verdade, é o rio Alambari, um dos afluentes do rio Paraíba. Deduziram que ali era o repouso da Luz do Campo.

O sol a pino de meio-dia não impediu que uma das jovens do bairro presenciasse uma cena também bizarra. Já havia alguns dias uma enxaqueca a perturbava. Decidiu colher um pouco de camomila para fazer um chá. Um vento forte balançava as copas das árvores, as plantas no jardim e o bambuzeiro que se envergava quase todo com a força do vento. Um cachorro latia insistentemente em direção aos bambus tão resilientes. As maritacas saíram gritando da goiabeira. E um vulto saiu do bambuzal. A jovem se assustou e pensou ter sido sua imaginação. Mas o cachorro continuou a latir, deixando-a cismada. Ela foi para dentro de casa, tomou o chá e voltou para o quintal. O chá lhe deu sono, e o cachorro latindo estava a irritando profundamente por causa da enxaqueca. Quando foi ralhar com o cachorro viu uma mulher toda de branco, de vestido rodado sair de meio do meio do bambuzal. Outras pessoas também viram tal assombração por um bom tempo. Há algum tempo o bambuzeiro foi cortado. Mas testemunha é o que não falta da tal mulher do bambuzeiro.

Todos os homens voltaram para casa, falando que acharam uma fazenda mal-assombrada no meio do mato, na direção de Visconde de Mauá. Os jovens sempre petulantes não acreditaram. E um casal deles resolveu ir até lá para namorar escondido. Beberam um pouco, e se divertiram. Até que tudo se repetiu. As correntes, os gritos. Concluíram que eram almas de escravos pedindo socorro. Hoje, tal fazenda se chama Fazenda da Boa Esperança. Fica em área da Academia Militar das Agulhas Negras. E ainda há produção de gado leiteiro lá. Se é mesmo assombrada ou não, ninguém sabe. Nem se era o verdadeiro repouso da luz do campo.

Algumas especulações se fizeram. Dentre elas, a ferrovia que foi construída ligando Bocaina, São José do Barreiro e Resende. A construção da ferrovia era um avanço na região. Seria ótimo para a produção cafeeira. Um fazendeiro da região, então, decidiu investir mais na produção de café e deu sua fazenda em hipoteca para um banco. Mas quando a ferrovia ficou pronta, na década de 60 do século XIX, ele acabou falindo. E tendo sua fazenda tomada. Em desespero, enterrou sua riqueza, que foi roubada pelos escravos. Depois disso, desapareceu até retornar em outra forma. Na forma da Luz do Campo, vagando atrás de seu ouro e protegendo suas terras. Hoje, o bairro cresceu e se desenvolveu, ganhou iluminação e asfalto. Por muito tempo o espírito não assombrou mais tais terras. Mas nada impedia que ela voltasse. Principalmente, se começarem a falar e escrever sobre tal demônio. Pois seria uma forma de invocá-lo. E eu esperava não ter feito isso. No entanto, ouvi que dia desses sobre um senhor que foi pescar em um rio sujo no pé do morro, e desafiou a assombração, que voltou e lhe jogou dentro do rio. Talvez ela esteja de volta e rondando o bairro novamente, dessa vez mais forte e decidida do que antes.