Tentações

PRIMEIRO ATO

A vida transcorria normalmente na escola.

Mas, num dia, sem motivo aparente, veio um pensamento ruim. Um sentimento ruim. Tiraram-na dos trilhos.

- Que será isto? - pensou. Não achou resposta.

A vida parecia tão boa! Tudo dava certo, nada mudara. Mas, agora… Invadida por coisas estranhas, não conseguia entender de onde isto viera, ou o que lhe causara.

Mas ela era uma menina forte… E isto foi superado.

[Nalgum lugar, do outro lado do mundo, uma mãe morreu no parto. Mas o bebê foi salvo.]

SEGUNDO ATO

Passado mais algum tempo, desenvolviam-se seus planos. Os estudos foram encerrados; veio então o primeiro emprego.

A carga de trabalho era terrível, e o caminho de ida e volta - idem. Sentiu-se sobrecarregada.

Mais uma vez, aquelas sensações ruins vieram. Tinha até se esquecido de como eram.

Ficou triste por um tempo. Pensou em beber para esquecer; mas não. Olhou para os seus pais, e animou-se novamente.

A crise passou. A vida continuou.

[A milhares de quilômetros de distância, um motorista bêbado invadiu um ponto de ônibus. Quatro pessoas morreram, e uma garotinha foi salva por pouco. Isso chocou muita gente por alguns dias naquele lugar, mas a família da garotinha salva teve um bom Natal naquele ano.]

TERCEIRO ATO

Anos mais tarde, já mãe de dois meninos, pensou estar realizada.

Mas o marido…

O marido, sem motivo ou razão aparente, resolveu abandoná-la. Deixou-a sozinha com as crianças, e sequer uma carta escrevera para justificar tal ato.

Seu mundo parecia ter caído num abismo. Nada, nem ninguém, conseguiam acalmá-la. Seu peito explodia em ruína.

E, como se parecessem querer consolá-la, aqueles velhos sentimentos ruins voltaram. Mas, agora, vinham mais com força. Ruins, era elogio; péssimos seria mais adequado.

Chorou. Pensou a respeito. Dialogou consigo mesma. Aquilo parecia fazer sentido agora.

Colocou as crianças para dormir, e viu-as sonhando… Reconsiderou.

Estufou o peito, ergueu a cabeça, e retomou as rédeas de sua vida.

[Numa cidade qualquer do Estado, um trem descarrilou; dezenas de mortos preencheram a tela dos noticiários e as manchetes dos jornais. O maquinista milagrosamente sobreviveu, e seu relato da falha técnica forçou seus superiores a reforçar a segurança nos trilhos, o que melhorou a vida de muita gente.]

ATO FINAL

Envelhecida, viu seus meninos crescerem e tornarem-se homens e alçarem voo solo, para seu orgulho.

Mas, numa noite ruim, um telefonema lhe acordou.

Chorou ao ouvir a notícia.

Seu – agora – único filho vivo veio morar com ela uns dias. Conversavam bastante e passeavam juntos.

Tentava esquecer… Mas parecia impossível.

Como num sonho, aqueles monstros adentraram novamente as portas de sua vida. As sensações que causavam eram tão concretas que quase podia-se vê-las e tocá-las… E lhe apontavam uma solução.

No quintal havia uma árvore com um galho forte. Aguentaria facilmente seu peso.

Chorando, olhou pela janela, viu seu filho sair para trabalhar.

Pensou… Pensou… Pensou nele.

Reconsiderou.

Ajoelhou-se e pôs-se a rezar.

Voltou a frequentar a Igreja, e fazia trabalhos voluntários.

Lentamente, aqueles estranhos se foram – mais uma vez.

[Enquanto isso, no bairro vizinho, um avião caiu. O estrondo pôde ser ouvido em sua casa e nas imediações. Pensou ter escutado também alguns gritos bestiais, e sentiu um gelado estremecimento em seu peito. Correu para o local da tragédia, e pôde ver, em meio à fumaça, aqueles espectros malditos flutuando, furiosos.

Eram eles. Sabia que eram eles.

Ignorando tal visão, conseguiu resgatar uma bebê, de uma casa que fora atingida. Por milagre, a pequenina se safou sem um arranhão.

Por fim, ela entendeu tudo.

E eles nunca mais tiveram chance de voltar.]

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 02/01/2017
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