A casa da esquina
Desde que o Sr. Wilson morreu, em 1985, a casa em que morava nunca mais foi habitada. Não por um ser humano. Ele era um senhor simples muito bondoso e também muito amável. Qualquer pessoa gostaria de estar em sua companhia. Sr. Wilson era muito sábio, guardava segredos e histórias que quando contadas eram capazes de causar arrepios a quem as ouvia. Morou sozinho naquela casa por muito tempo. Não tinha filhos. A mulher foi vítima de um acidente. Por muitos anos ficou cabisbaixo e tristonho ao perder o grande amor de sua vida. Mas aos poucos a alegria foi retomando e sua vida voltou a ter o tom colorido que sempre teve. A mulher agora tinha se tornado uma lembrança boa, dos tempos bons e histórias boas que viveram juntos. A casa da esquina em que Sr. Wilson morava foi colocada a venda dois anos depois. Mas os anos se passaram e não apareceu ninguém interessado no imóvel. As marcas da ação do tempo eram percebíveis nas paredes pouco trincadas, no cheiro de mofo que ali havia algumas infiltrações e a grama imensa que crescia sem cessar em frente à casa. O lindo jardim que enfeitava a entrada da casa, havia se transformado em uma mini floresta onde alguns insetos fizeram dali a sua morada.
Abril de 1995. Uma família que passava de carro em frente à casa se interessou pelo imóvel. Que apesar de não apresentar boas condições de moradia, parecia ser uma casa boa, com grandes cômodos e amplo espaço. Era tudo o que a família Tolentino estava buscando. Foi então que Otávio, o patriarca, entrou em contato com o corretor e marcou uma visita ao local. Noélia já estava deslumbrada pela casa e mais ainda pelo bairro onde estava instalada.
- Parece ser um bairro tranqüilo e seguro. As crianças poderão brincar sem medo na rua. As palavras de Noélia emitiam um tom de animação, sem antes mesmo de visitar a casa.
Ela não ficaria tão animada se soubesse o que estaria por vir.
Chegou o dia da visita a casa da esquina. Sabino, o corretor de imóveis já estava a espera da família Tolentino. Trajava um terno azul marinho. Trazia em suas mãos uma pasta marrom, abarrotada de papéis. Olhava insistentemente para o relógio e batia os pés. Estava ansioso e nervoso, queria fechar logo o negócio. O carro da família apontou na esquina para a alegria do corretor.
Entraram na casa. A poeira tomou conta dos móveis, fazendo as crianças tossirem. Era uma casa grande, espaçosa. Terminado o tour pelo local, Sabino interrogou:
- O que acharam?
- É uma casa boa, mas o tempo não foi generoso com o local. Há muita coisa a ser feita antes que se possa se morar aqui. Rebateu Otávio.
- De fato, mas nada que uma reforma não resolva os problemas. Insistiu Sabino na tentativa de não perder a venda.
- Eu só fiquei com uma curiosidade. Por que o primeiro quarto do corredor está trancado? Não podemos vê-lo? Disse Noélia.
- Aquele quarto não poderá ser usado, pelo menos por enquanto. Há objetos de valor ali. Têm muita coisa dentro daquele quarto. Mas em breve providenciaremos a retirada. Falou o corretor.
- Não podemos pagar por uma coisa sem usar, isso não existe. Esse quarto vai nos fazer falta. Sendo assim acho que não temos como morar aqui – Noélia estava revoltada.
Otávio acalmou a esposa dizendo que era só por algum tempo que iriam ficar sem o cômodo, conforme palavras de Sabino.
- Negócio fechado. Otávio estendeu a mão ao corretor.
- Tenho certeza de que não irão se arrepender. Providenciarei hoje mesmo a papelada. Sabino estava contente.
A casa da esquina agora ganhará novos moradores. O fato era curioso. Como ninguém ainda havia procurado pelo imóvel. O valor de venda estava abaixo do mercado, o que facilitava o negócio. Mas ninguém quis. Depois de reformas a família Tolentino se mudou para a casa.
Começou ali o que ninguém poderia imaginar. A família Tolentino estava assinando uma sentença de morte sem saber. Seus pés jamais pisariam naquela casa se soubessem o que lá dentro habitava. Mas o pior ainda estava por vir.
- Crianças, não cheguem perto deste quarto. Não sabemos o que há aqui. Instruiu Noélia aos filhos, apontando para o primeiro quarto do corredor.
- Sim mamãe.
- Noélia, não seja dramática. Não há nada ali além do que o Sabino nos disse.
Evlin, a filha mais nova do casal sempre foi curiosa. E dessa vez não foi diferente. Ela ficou intrigada com aquela porta fechada. Lá dentro poderia ter várias coisas. A menina ficava em sua cama imaginado coisas, tentando adivinhar o que era guardado ali. Evlin só queria uma oportunidade para entrar naquele quarto. Nunca um simples cômodo de uma casa havia aguçado tanto a sua curiosidade.
- Júlio, Júlio, acorda! Evlin sacudia o irmão no meio da noite.
- O que foi menina? Júlio estava revoltado por ter seu sono interrompido.
- Vamos aproveitar que a casa está em silêncio e descobrir o que têm naquele quarto.
- Ah Evlin, por favor. Você me acordou pra isso? Eu não quero saber o que tem lá. E a mamãe já nos proibiu de ficar rodeando por lá. Me deixe dormir.
- Não quer ir? Tudo bem. Eu vou sozinha.
Júlio já havia pegado rapidamente no sono e nem pode perceber as palavras da irmã.
Evlin saiu de seu quarto.Todos estavam dormindo. Como vou abrir essa porta – pensou ela. Desceu até a cozinha em busca de encontrar algo que pudesse auxiliá-la na abertura da porta. Revirou os armários e as gavetas. Acabou derrubando alguma coisa no chão. Ela agia no escuro, não acendeu a luz para não ser flagrada. A única luz que iluminava na cozinha era uma lanterna que a menina carregava consigo. E com essa luz pôde ver que uma chave enferrujada tinha caído. Será que poderia ser a chave do quarto misterioso? Evlin resolveu tentar. Agarrou a chave e subiu lentamente as escadas e parou em frente ao quarto. Colocou a chave na fechadura. Girou a chave e para sua surpresa... a porta abriu. Os dedinhos da menina foram empurrando a porta que rangia ao ser aberta. Estava escuro. Acionou o interruptor para verificar se havia luz, mas não ligou. A lanterna em sua mão era sua única companheira. Continuou caminhando para dentro do quarto e ouviu algo rosnar. Ficou com medo, mas permaneceu ali. O rosnado aumentava gradativamente e Evlin conseguiu ver algo que era semelhante à uma grande gaiola ou jaula de ferro. O rosnado vinha dali. Ao tocar no objeto a menina deu um grito. Algo feriu seu braço. A ardência da ferida estava junto com o sangue que corria de seu braço. Agora ela tinha certeza que tinha algo ali e lembrou das palavras de sua mãe para não entrar ali. A porta bateu sozinha e trancou-se. A gaiola se movia muito. Evlin projetou a luz contra a gaiola e viu o que não queria ver. Uma criatura horrenda debatia-se dentro da gaiola. Seus dentes estavam afiados, seus olhos sedentos de sangue, seu corpo era peludo e tinha algumas marcas de agressões. Dois chifres estavam na cabeça da criatura. A menina gritava e correu para abrir a porta. Mas em vão. A chave com a qual entrou já não mais girava.
- Ninguém vai te escutar. Não adianta gritar. A criatura falava com a menina.
Evlin estava muito assustada. Olhou em seu braço e viu que uma letra se formou após a criatura a ferir.
- Só há uma maneira de você sair daqui. Me liberte dessa gaiola.
- Não. Não sei o que você é. Você me machucou, você é mal.
A criatura debatia-se ainda mais na gaiola. Evlin chorava sentada no chão, sem saber o que fazer. A noite parecia a mais longa que já havia vivido. Por fim a menina adormeceu.
Ao amanhecer a gaiola estava aberta. As correntes haviam sido arrebentadas e o cadeado estava aberto. Um cordão que Evlin usava estava no chão. Um símbolo marcado com sangue foi deixado na parede do lugar. Era a mesma letra que foi feita pela criatura no braço de Evlin. Não havia mais ninguém ali.