A descoberta da professora

Dia após dia a mente da professora Paola Nogueira não se desligava do rosto triste do pequeno Ruan, um aluno sempre extrovertido, mas cujo comportamento havia se alterado bruscamente. Como boa pedagoga, reconhecida profissional, Paola buscou averiguar as causas, descobrindo que ele não sofria bullying, nem passava por problemas em casa. E essa era a maior incógnita, os pais não notaram mudança no comportamento do filho, o que era extremamente estranho.

A professora sentia que havia algo bastante delicado afetando a natureza de Ruan. Nem para o recreio ele saia mais. E os coleguinhas se afastaram dele. No início quiseram promover gozação com o garoto, no entanto, logo se afastaram. Pareciam receosos. Como Paola não era de desistir, continuou a observar a situação. Os demais docentes da Escola Vicente de Paula também notaram, mas apenas ela se preocupava.

A professora estava acostumada a desafios. A sua beleza física a distinguia entre as demais mulheres. O cabelo encaracolado é a sua marca, somando a um rosto bem desenhado e de pele suave. O corpo repleto de curvas que causavam inveja às garotas tornava impossível datar a sua idade, menos ainda que era mãe. Devido a toda essa beleza ela enfrentou muitos desafios e teve de se impor, provando à todo custo que o seu valor estava no caráter, esforço, inteligência e competência. Quando identificava um problema, costumava resolvê-lo. Nada ficava por fazer. E a situação do pequeno Ruan. Ela tentou por várias vezes conversar com o garoto, mas ele se mostrava irredutível.

Ela buscou então seus coleguinhas e recebeu uma resposta inquietante:

- O Ruan é mau! – respondiam sem conseguir explicar.

Paola não via algo de mau em um garoto cuja aparência e graça sempre encantou a todos, especialmente com os traços indígenas. Ela realizou muita pesquisa sobre o comportamento das crianças, sem encontrar respostas.

Até que o pior aconteceu!

Larisse, uma garotinha de nove anos caiu da escada, fraturando vários ossos. Estava desacordada quando Paola a encontrou, apesar dos hematomas a sua incônscia não era comum. Parecia pálida, com olheiras. Podia-se notar as veias subindo-lhe o pescoço. Ao olhar para cima, viu no alto da escada uma sombra que se afastava lentamente. Não foi um acidente. Mas ao invés de perseguir o provável suspeito, Paola ligou para o hospital. A saúde da vítima vinha em primeiro lugar.

No dia seguinte Paola permaneceu até tarde na escola, depois que todos já tinham ido embora. Como ela havia chegado depois do horário de entrada porque passara no hospital para visitar Larisse, que se encontrava em coma, precisava repor o trabalho. Após algumas horas, decidiu ir na cantina à procura de café. O relógio marcava nove horas da noite. Passou pelo pátio iluminado pela lua. Bela e cheia preenchendo o céu.

Caminhava pela escola escura, bastante diferente da vivacidade do dia, quando sentiu algo estranho. Haveria mais alguém na escola quase inteira mergulhada nas sombras?

Após virar um corredor Paola se viu diante de Ruan, parado no meio do corredor, com uma postura ameaçadora. Sobrancelhas cerradas e nariz empinado. Seu olhar não era mais o de um garotinho, se quer era humano. Parecia que outro ser estava diante da professora. Ela sentiu um frio cobrindo-lhe as costas. Respirou fundo e perguntou:

- O que você está fazendo na escola a essa hora, Ruan? Por que não está em casa?

- Você já está me incomodando. Por que não me deixa em paz?

A voz soava rouca e grossa. Não tinha nada a ver com uma criança de 10 anos.

- Como estou incomodando, Ruan? Eu sei que há algo errado e quero te ajudar. Sei que você está confuso e....

- Cale-se! – Gritou o garoto!

A professora o observou, receosa.

- Eu não sou Ruan. Eu não sou humano. Como me aborreceu tanto, vou lhe dizer quem eu sou. Meu real nome é “Mogul”. Sou uma antiga divindade demoníaca de tempos imemoriais. Por séculos fui adorado por diversos povos: Fenícios, Assírios, Caldeus, Astecas, Incas... Aqueles que atualmente me adotam como pais, sabem o que sou. São meus servos e guardiões. E também sabem o que preciso fazer.

- E o que você precisa fazer? – Paola perguntou ofegante, com o temor expresso em sua face.

- Matar crianças. Os antigos povos sempre me ofereciam sacrifícios de crianças. Como estes se tornaram escassos com os séculos, tenho vindo eu mesmo buscá-los. Preciso me renovar. Quando aquela menina morrer, estarei mais forte. E outras, à contragosto, também me entregarão as suas vidas. Eu devoro a vida delas. Agora terei de matar você também. – Os olhos dele escureceram e a pele ficou cada vez mais enegrecida, através de onde brotava uma pasta negra. O cheiro de enxofre inebriou o ar.

Mogul abriu a boca e começou a sugar, formando uma espiral de ar que lhe entrava pela garganta. Não importava a distância, assim ele conseguia sugar as vidas de suas vítimas.

Paula respirava ofegantemente. No entanto, algo em seu olhar mudou, se tornou sereno, enquanto, ela começou a caminhar na direção de Mogul. Apenas dez metros os separavam. Não havia medo na face da professora, apenas resolução.

Ele a olhou assombrado, enquanto a sua metamorfose parou abruptamente.

- Agora é você quem precisa me ouvir - disse Paola. Não sou uma simples professora, sou uma protetora das jovens almas. Eu caço seres iguais a você. Por minha existência, não fará mais nenhum mal a nenhum ser vivo. É a promessa que faço a Deus.

Ela puxou um pequeno crucifixo dourado de dentro da blusa. Apertou fortemente com a mão direita, mantendo os olhos fechados. Sangue começou da sua mão.

- Pelo sangue de Cristo – sussurrou. O sangue que brotava por entre seus dedos não era seu, mas a própria manifestação do Deus que ela adorava.

Gotas caíram ao chão, momento em que um facho de luz subia em direção ao teto. A luz se tornou mais forte enquanto dois seres saíram da luminosidade como se esta fosse um portal. Os dois vestiam uma grande bata branca e possuíam asas como de pombos, que não deixavam dúvidas sobre o que eram. Um era negro e o outro branco. Tinham aspecto masculino. Desembainharam as espadas que carregavam na cintura e cortam “Mogul” em forma de x. Ele desapareceu instantaneamente, e para sempre.

Os seres retornaram calma e disciplinadamente para a luz, sem pronunciar palavra, e esta se dissipou. As gotas de sague do chão também sumiram. Paola guardou o crucifixo. Mais um problema foi resolvido. A preocupação que afligiu nos últimos dias, deu lugar a tranquilidade. Ela foi buscar o café. Ainda tinha muito o que fazer naquela noite. Voltou para a sua sala e retomou o trabalho que ainda se estenderia por algumas horas.

Enquanto isso, no hospital, Larisse abriu os olhos e chamou pelos pais, que acorreram em lágrimas aos seus braços.

Fim.

Aermo Wolf/Jailson Dias